O Brasil e o jogo: história ainda em aberto

O Brasil e o jogo: história ainda em aberto

Bingo, jogo do bicho, apostas virtuais, corrida de cavalos, máquinas de caça-níquel e loterias federais, todos são jogos de azar presentes no país

Por
Henrique Massaro

Às 16h de uma segunda-feira de janeiro, uma casa de jogos de azar funciona normalmente no centro de Porto Alegre. Num balcão montado em frente ao estabelecimento, um homem vende cartelas de jogo do bicho. Ao abrir a porta de vidro da entrada, escuta-se uma voz feminina anunciando números através de um alto-falante. Algumas dezenas de pessoas, a maioria delas idosas, sentam às mesas distribuídas pelo salão.

Ao fundo, no caixa, o responsável pelo estabelecimento conta notas de dinheiro e informa que o bingo fica aberto de segunda a sábado. No andar de cima, o horário é diferenciado, diz, apontando para um mezanino repleto de máquinas caça-níqueis. Pouco menos de um mês depois, o local está fechado, à procura de um novo espaço para funcionar, explica um outro homem parado em frente à porta de vidro. A banquinha de jogo do bicho, no entanto, permanece ali. 

Em uma busca rápida na Internet, é possível encontrar diversas reportagens, inclusive do Correio do Povo, sobre bingos que foram fechados em operações da Guarda Municipal ao longo dos últimos anos.

De acordo com a Secretaria Municipal de Segurança, por serem jogos de azar, não existe alvará que permita o funcionamento de estabelecimentos assim. Todas essas atividades – bingo, jogo do bicho e caça-níqueis –, que acontecem ali e em outros pontos da cidade, são proibidas no Brasil. Em 2023, a prefeitura já fechou dois locais, um deles na noite da última segunda-feira.

No entanto, o Executivo não sabe informar quantas casas de jogo funcionam na Capital. “Estamos trabalhando com denúncias e também com demandas do Ministério Público Estadual, a fim de coibir essa prática, que ainda é ilegal no nosso país", afirma o secretário adjunto da Segurança, Comissário Zottis.

“Essa relação entre Brasil e jogos parece uma relação de casamento e amante: têm espaços vedados e espaços liberados, temos que fazer um histórico para chegar no ponto em que estamos”, diz Cristiano Schmitt, advogado especialista em Direito Civil e Direito do Consumidor e também professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Ele contextualiza que, entre as décadas de 30 e 40, viveu-se um período de legalidade dos chamados jogos de azar, a era de ouro dos cassinos. O Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, é um dos símbolos desse período, que contou com mais de 70 casas de apostas funcionando no país, diz uma reportagem disponível no site do Senado Federal. 

O jogo do bicho, de acordo com Schmitt, é icônico para se entender o jogo proibido no país. Sua origem, ainda conforme o advogado, é de 1892, através de uma bolsa de apostas na qual os números eram representados por animais, no intuito de difundir os zoológicos junto ao público.

Com o surgimento dos chamados bicheiros, a atividade foi se tornando cada vez mais comum, nunca tendo sido legalizada. A Lei das Contravenções Penais, de 1941, proibiu o estabelecimento ou exploração do jogo de azar “em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele”, prevendo prisão simples e multa como penas. A partir de 2015, a Lei das Contravenções Penais passou a prever também multa de R$ 2 mil a R$ 200 mil para quem participar de jogo de azar, ainda que pela Internet.

O artigo 50 da legislação estabelece como jogo de azar todo o jogo em que o ganho ou a perda dependem apenas ou principalmente da sorte, além de apostas em corrida de cavalos fora de hipódromos ou locais autorizados e apostas sobre qualquer competição esportiva.

Após 1941, os cassinos, no entanto, seguiram tendo funcionamento, o que acabou em 1946, com um decreto-lei do presidente Eurico Gaspar Dutra, que alegou, por exemplo, que os jogos eram “nocivos à moral e aos bons costumes”.

Os bingos, por sua vez, têm um capítulo à parte, explica o professor da PUCRS. A chamada Lei Pelé, de 1998, que discorre sobre o esporte no país, liberou que entidades esportivas explorassem esta atividade, por conta própria ou através de uma empresa. Esta permissão, contudo, foi revogada dois anos depois, tornando proibidas todas as casas de apostas com o jogo.

Entre proibições e permissões


Foto: Guilherme Almeida

A forma como o Código Civil de 2002 fala sobre jogos e apostas é bastante sucinta, explica Cristiano Schmitt. Ele avalia que uma postura totalmente refratária à atividade evidenciaria um legislador que não reconhecesse o jogo como algo que faz parte da realidade do brasileiro. “Me parece que o legislador sabia que existia jogo, mas, ao mesmo tempo, não quis criar uma situação de dar tanta legitimidade”, comenta o advogado. 

Há apenas quatro artigos discorrendo sobre o tema, o que, de acordo com ele, caracteriza uma baixa dedicação normativa. Entre o Artigo 814 e 817 está definido, por exemplo, que não há obrigatoriedade de pagamento de dívidas de jogos, mas que também não se pode cobrar de volta valores pagos voluntariamente. 

O professor ressalta que, apesar de proibir, o próprio Estado é um explorador de jogos de azar. É o caso dos concursos de apostas explorados pela Caixa Econômica Federal, como Mega-Sena, Lotofácil, Quina, Lotomania, Dupla Sena, Loteca, Timemania, entre outros.

Resumidamente, a única diferença entre jogos de azar proibidos e as loterias é exatamente esta: a proibição destes primeiros e a autorização e regulamentação pelo poder público no segundo caso. É o que explica Lisiane Ody, professora de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Ela lembra que as loterias federais estão previstas no Decreto-lei 204, de 1967. “Os recursos não são integralmente vertidos aos apostadores, mas repassados em parte à União, que destina a interesses públicos”, pontua a professora. 

A Lei 13.756, de 2018, segundo Lisiane, foi bastante abrangente, por exemplo, ao dispor sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública e sobre a destinação do valor arrecadado pelas loterias para promover o fundo.

“Além disso, trouxe mais transparência quanto à destinação dos recursos arrecadados em loterias, questão extremamente relevante, diante da expressividade do montante e do envolvimento da população”, diz a professora, acrescentando: “Vale lembrar que foi publicada, em setembro de 2022, a Lei 14.455, que autoriza o poder Executivo a criar duas novas modalidades lotéricas, as loterias da Saúde e do Turismo”.

Internet é um capítulo à parte no mundo das apostas

A mesma lei citada pela professora da Ufrgs, sancionada pelo então presidente Michel Temer, é mencionada por Cristiano Schmitt, da PUCRS, ao falar sobre a possibilidade de legitimidade dos jogos de apostas no Brasil.

Isso porque a legislação previu a chamada aposta por quota fixa. Esta é uma modalidade na qual o apostador sabe exatamente o que ganhará apostando determinada quantia. A lei determina que essa atividade terá autorização ou concessão do Ministério da Fazenda, podendo ser comercialmente exercida em meios físicos ou virtuais. A previsão era de regulamentação pela pasta no prazo de até dois anos, prorrogável por até o mesmo período, o que não ocorreu.

Com isso, desde dezembro do ano passado, não há permissão para funcionamento sequer de apostas por quota fixa. A situação, contudo, gerou uma lacuna: como o Estado restringe as atividades dentro da Internet, ambiente que não reconhece fronteiras?

De acordo com o advogado, havia expectativa de que, com a vinda de um decreto regulamentando a lei, as casas de apostas pudessem se estabelecer no país, gerando arrecadação para os cofres públicos. A falta de um decreto ainda criou, segundo ele, uma certa anomalia, já que as empresas de apostas – algumas bastante conhecidas, com anúncios em diversos meios de comunicação – não podem ter pontos de venda ou sites com domínios registrados em território brasileiro. 

Em outras palavras: apesar de o Brasil proibir apostas, é permitido fazer apostas no país desde que seja através de uma plataforma cuja sede esteja no estrangeiro, geralmente em algum paraíso fiscal. “Hoje apostamos em uma empresa de apostas esportivas e o que eu aposto fica para ela, que paga impostos para a Ilha de Malta, por exemplo, e poderia estar recolhendo para cá”, comenta o especialista.

Ainda conforme ele, essas empresas anunciam legalmente na mídia brasileira porque, aqui, atuam como empresas de marketing esportivo, chamando o público para um site no estrangeiro. Calcula-se que há 450 empresas deste setor funcionando, e a expectativa era que, regulando a atividade, o decreto diminuísse esse número consideravelmente.

A legislação, explica o professor da PUCRS, está pronta para tributar a atividade assim que ela puder funcionar oficialmente por aqui. O decreto, ainda de acordo com o professor, seria lançado nos dois primeiros anos do governo Jair Bolsonaro, o que não teria acontecido por conta da pandemia.

Esperava-se, então, uma regulamentação no fim do governo, o que também não aconteceu. Isso ainda pode ocorrer, mas, até o momento, não há indicativos de que regulamentar as apostas esteja nos planos do governo federal. Na avaliação do advogado, a falta do decreto não faz com que as apostas por quota fixa voltem exatamente para uma ilegalidade, mas gera uma estrutura sem força jurisdicional para que o usuário cobre um prêmio que não foi pago, por exemplo.

No Senado, diversas propostas tratando da liberação de jogos de apostas já foram apresentadas. Uma delas, o PL 2234 de 2022, que prevê a instalação de cassinos, casas de bingo e jogo do bicho, foi aprovada pela Câmara ano passado e pode passar pelo Senado em 2023.

Assim como na sociedade, o tema tem entusiastas e resistências na Casa. O senador Angelo Coronel (PSD/BA), por exemplo, promete atuar pela aprovação, com o argumento de que grandes economias mundiais já regulamentaram a atividade, enquanto que o Brasil deixa de arrecadar estes impostos. Já Eduardo Girão (Podemos/CE), que criou a Frente Parlamentar por um Brasil sem Jogos de Azar, contrapõe que há um lobby poderoso por trás do jogo, que já destruiu vidas e famílias inteiras.

Dependência: um outro lado do jogo


Foto: Massimofusaro / Shutterstock

Numa noite de terça-feira, um grupo se reúne em um salão localizado nos fundos de uma igreja na zona Norte de Porto Alegre. Eles são de diferentes origens e faixas etárias, têm histórias distintas, mas com um importante ponto em comum. Ao todo, são nove pessoas reunidas naquela noite de início de janeiro de 2023, mas, em função da época do ano, muitos integrantes estão fora da cidade – em outras semanas, a quantidade costuma ser maior.

Diferentemente do que ocorre nas últimas terças-feiras de cada mês, quando familiares e público externo podem estar presentes, esta é uma reunião fechada, de modo que a presença de um jornalista precisa ser autorizada por todos ali.

A autorização é concedida, com a condição de que o nome de nenhum dos participantes seja revelado. O anonimato, afinal, faz parte do nome do grupo: Jogadores Anônimos. A dinâmica é a mesma de outras comunidades, como Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos: uma reunião de pessoas com o intuito de debater a dependência e conseguir se manter fora dela, tudo isso baseado em um programa de 12 passos.

Além de se reunirem presencialmente todas as semanas, os integrantes têm a possibilidade de participar de reuniões on-line de todo o país, uma herança dos tempos de isolamento social da pandemia.

A reunião começa sempre com uma oração e o restante do funcionamento é por ordem voluntária. A “cabeceira da mesa”, no fundo do salão em formato de sala de aula, ocupada por duas integrantes mais antigas, é aberta e os participantes se oferecem para dar seu relato. Ninguém é obrigado a falar. Nesta noite, quem começa são os mais experientes.

O primeiro deles é um homem que conta ter jogado bingo por quase cinco décadas. Jogou em caça-níqueis uma só vez e não gostou e é grato por isso, já que considera este “o crack” dos jogos de azar. Apesar disso, lembra que, nos anos 90, chegou a ganhar um carro 0 km em um bingo que funcionava na avenida Assis Brasil e, três meses depois, perdeu no mesmo lugar o valor equivalente a dois automóveis. 

“Não há jogadores iguais e, no entanto, nenhum é único”, diz o homem, em determinado momento, uma frase que vai ganhando sentido à medida que as duas horas de reunião vão se passando. Cada pessoa ali tem sua própria história, seu próprio sofrimento com o jogo, mas a compulsão, como chamam, é sempre muito semelhante.

Um homem de meia idade, por exemplo, que contou que estava havia 183 dias sem jogar, disse ter também um histórico de adicção em álcool e outras drogas, das quais estava limpo havia sete anos.

Ele é quem relata uma sensação que muitas vezes parece presente na sociedade: a de que a dependência no jogo não é tão grave quanto as demais. Conta ser consciente do perigo de beber ou utilizar uma substância química novamente, mas que volta e meia se pega pensando que poderia ter controle sobre o jogo, um pensamento que sabe ser equivocado.

Entre os mais veteranos, o bingo e os caça-níqueis são os principais causadores da adicção. Chama a atenção, no entanto, os jovens presentes na reunião. Entre eles, os jogos on-line são o problema. Há quem tenha se visto fazendo uso abusivo de caça-níqueis – que, apesar de serem jogos de azar proibidos, estão disponíveis em alguns sites –, mas também de pôquer, que não é considerado um jogo de azar.

A legislação brasileira, como já mencionado, define jogos de azar como atividades dependentes exclusivamente ou principalmente da sorte. Em modalidades como o pôquer, por outro lado, a habilidade do jogador é um fator decisivo. Mesmo assim, garante o jovem presente na reunião, isso não é garantia de nada.

“Claro que tem lógica, claro que tem habilidade envolvida, ao mesmo tempo, tem sorte envolvida, senão era que nem xadrez, que quem é melhor sempre vence. No pôquer não é assim: tu podes ser muito melhor que a outra pessoa, mas eventualmente ela vai ganhar”, diz o engenheiro de 30 anos de idade.

A primeira experiência com o jogo, conta, foi 10 anos atrás, durante um intercâmbio na Inglaterra, onde os cassinos são legalizados. Ao retornar para Porto Alegre, descobriu os clubes de pôquer e, mais do que isso, se dedicou a entender o funcionamento e as estratégias do jogo.

“Sempre fui um cara megaestudioso, tudo que coloquei na cabeça fui lá e fiz: passei no vestibular da Ufrgs, em um concurso da Embraer, tive uma graduação exemplar. E fiz exatamente a mesma coisa com o pôquer, porque vi que ali tinha passos para aprender.”

Ele aprendeu a ponto de se tornar vencedor na maior parte das partidas que disputava e ganhar cerca de R$ 15 mil por mês. Durante um mestrado iniciado em 2016, no entanto, começou a deixar de ser o aluno exemplar de sempre. O motivo, achava, era falta de motivação, já que o foco e a maior parte da renda estavam no pôquer. Ele decidiu abandonar o mestrado.

Surpreso, seu orientador pediu que pensasse sobre o assunto por mais uma semana. Exatamente nessa semana, foram organizados jogos com altos valores na Capital. Somente no primeiro dia, ganhou cerca de R$ 30 mil. No segundo, foram R$ 15 mil. E, no terceiro, perdeu tudo o que tinha ganho não só naqueles dias, mas nos últimos dois anos. 

“Até hoje vejo isso como a coisa que me salvou”, relata o engenheiro, que resolveu seguir com o mestrado, finalizado em 2018. Apesar disso, ele não conseguiu parar de jogar. Primeiro, pelo baque de ter perdido, pela primeira vez, uma quantia tão expressiva. Depois, porque o jogador, que anos antes tinha como prioridade estudar e melhorar suas habilidades, passou a ter como objetivo recuperar o dinheiro, não só o que havia ganho antes, mas dívidas e empréstimos que se acumulavam. “Eu anotava as ‘mãos’ principais que jogava para chegar em casa e analisar. Depois, não, eu jogava na pressão. Eu tinha que ganhar.”

Apesar da diferenciação do pôquer com os chamados jogos de azar, ele acredita que a modalidade tem o mesmo poder de causar compulsão nos jogadores. A maioria das pessoas que conheceu na época em que jogava, conta, sofrem da mesma dependência. No caso dele, a procura por ajuda aconteceu em 2018, através da terapia, primeiramente imaginando que conseguiria tornar o jogo um hábito controlado, o que logo percebeu ser uma ilusão.

O grupo dos Jogadores Anônimos, por sua vez, veio somente em setembro do ano passado e funciona como complemento ao tratamento. A primeira sensação, diz, foi de vergonha por estar naquela situação, mas, com o passar do tempo, começou a perceber que todos ali estavam passando pelo mesmo problema. “A vontade de se recuperar é a mesma, os valores que tu quebras e tem são os mesmos.”

Drogas e jogos têm processos semelhantes de dependência


Foto: KiNOVO/Shutterstock

As dependências comportamentais, como a dependência em jogos, são semelhantes à dependência química, muitas vezes estando, inclusive, atreladas, explica o psiquiatra Thiago Pianca, especialista em Dependência Química pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e médico contratado do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).

De acordo com ele, as diferentes substâncias de abuso, como álcool e outras drogas, liberam no cérebro o neurotransmissor da dopamina, associado a sensações de prazer e com o desejo de repetição. Em situações relacionadas ao desenvolvimento e sobrevivência dos indivíduos, como alimentação e reprodução, esta liberação ocorre em doses razoáveis. Com o uso de substâncias, por sua vez, o processo acontece artificialmente e em quantidades muito maiores, gerando o risco de dependência. 

Com os jogos, a situação é semelhante, compara Pianca, que é também doutor em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Ele explica que o que o senso comum muitas vezes define como a “adrenalina” de fazer uma aposta e esperar pelo resultado se trata, na verdade, de liberação de dopamina. “A pessoa tem que ficar repetindo aquilo múltiplas vezes para ter o mesmo efeito”, comenta.

Nos jogos de azar, quanto mais rápido vem a vitória ou a derrota, como no caso de máquinas caça-níquel, por exemplo, mais estimulante o processo se torna. Apesar da proibição dos chamados jogos de azar, o uso abusivo – ou seja, exagerado – de jogos eletrônicos em geral também têm levado pacientes aos consultórios. “O jogo de azar é mais perigoso porque o prejuízo é muito evidente, muito palpável, é financeiro”, contextualiza. 

No caso de games em geral, os danos relacionados ao uso abusivo são mais sutis, menos evidentes em termos de prejuízos e perda de oportunidades. Já há, no entanto, situações em que há o cruzamento dos dois, caso dos sites e aplicativos. As opções vão desde apostas esportivas até jogos de cassino proibidos no Brasil, tudo disponível ao alcance de alguns cliques. Simplificando: é o acesso ao jogo o tempo inteiro, na palma da mão.

A Internet ainda proporciona possibilidades que talvez o público em geral sequer imagine. Já há, de acordo com o psiquiatra, situações de abuso e dependência com especulação de mercado, como o day trade, negociação que busca lucro com a oscilação de ativos financeiros ao longo do dia. Trata-se de uma atividade com semelhanças com os jogos de azar, também gerando descargas de dopamina, diz Pianca. 

As evidências mostram que, com qualquer substância, não existe um nível seguro que alguém possa utilizar com a certeza de que não irá desenvolver alguma dependência, afirma o psiquiatra. Ele ainda explica que se percebe-se uma distribuição familiar associada a diferentes dependências.

No entanto, nem apenas a chamada “herança genética” – o fato de os pais ou avós terem um histórico de dependência – determina uma adicção. Em outras palavras: um indivíduo pode se tornar dependente pelo uso excessivo de uma substância. Outros fatores, como o uso precoce, antes dos 25 anos de idade, também são determinantes. 

Drogas que costumam ser definidas como mais fortes e causadoras de problemas têm relação com outras questões além da simples liberação de dopamina. Uma droga como a heroína, por exemplo, atinge questões associadas à dor, que também geram dependência. Novamente, há que se levar em conta que algumas drogas geram sensações mais potentes no usuário, fazendo efeito que começa e termina mais rápido.

Com os jogos, os problemas costumam surgir com grandes quantidades de uso, mas a velocidade também é um fator preponderante. Por esse motivo, considera-se mais difícil, por exemplo, uma dependência na única forma de jogo legalizado no país, as loterias, já que nelas o resultado demora dias para vir. 

Os grupos como Jogadores Anônimos, conforme o psiquiatra, costumam ajudar muito algumas pessoas. “Tem pacientes que, claramente, se adaptam muito a esse tipo de reunião e auxílio que elas oferecem, encontram ali muito amparo e conseguem ficar muito tempo em abstinência”, explica. Não se trata, no entanto, de uma solução para todos. Há quem não se habitue e não se sinta confortável nesse esquema.

De forma geral, diz, para todas as dependências é necessário psicoterapia que ajude a identificar motivos e padrões de uso ou comportamentos, a modificá-los e a prevenir a recaída. Além das possibilidades de atendimento privado, o sistema público oferece os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD), especializados em tratar dependência química, e há também internações em hospitais, como o Hospital de Clínicas.

Informações e ajuda

Quem quiser mais informações ou precisar buscar ajuda, pode entrar em contato com os Jogadores Anônimos por meio do site ou pelo telefone (51) 98030-2002.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895