O gargalo da distribuição de energia

O gargalo da distribuição de energia

A geração de energia elétrica é relativamente estável no país, de acordo com o Operador Nacional do Sistema, porém, as redes de distribuição têm problemas e frequentemente são as responsáveis pelos apagões

Por
Felipe Faleiro

Novamente um problema recorrente nos verões da Capital. Para diversos moradores e comerciantes, as falhas no fornecimento de luz não são incomuns, atrapalhando a vida, ocasionando prejuízos econômicos e demandando soluções alternativas. Há uma preocupação com a recorrência destes eventos e se os sistemas de transmissão e distribuição conseguem dar conta do que é consumido.

Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o subsistema Sul teve demanda de 20.966 megawatts (MW) de energia em 14 de fevereiro de 2023, até hoje um recorde nunca batido e, no auge da mais recente onda de calor, em 18 de dezembro último, o índice alcançado foi próximo, de 20.284 MW às 14h04min. No dia 3 de janeiro, às 11h30min, era de 14.617 MW. Todos estes valores correspondem a uma normalidade esperada, acrescenta o ONS. 
Para Alzenira da Rosa Abaide, doutora em Engenharia Elétrica e professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), falar em apagões generalizados pode ser “imprudente”, devido ao fato de serem inesperados dentro da estrutura da distribuição de energia. No entanto, há ressalvas. “Seria necessária uma inspeção nas redes para aferir a qualidade das estruturas, mas apostaria que as redes estão velhas e desgastadas pelo tempo, por isso a falta de energia é mais frequente”, aponta ela. Na análise da professora, desde que o carregamento ou solicitação de carga esteja dentro do previsto, somente um “evento externo” poderia provocar tal situação. O mais recente apagão em âmbito nacional ocorreu em 15 de agosto de 2023, afetando mais de 940 mil clientes no Rio Grande do Sul e outros milhões de consumidores em todo o Brasil.

O ONS apresentou, no final de dezembro, a estimativa de investimentos de R$ 1,031 bilhão em 32 obras no Rio Grande do Sul entre 2024 a 2028, correspondente ao chamado Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo do Sistema Interligado Nacional (PAR/PEL 2023). Serão R$ 690 milhões para reforços da estrutura e os outros R$ 340 milhões para sua ampliação. No país, são estimados R$ 49 bilhões. Cinco estados concentram 71% dos valores investidos: Maranhão, Goiás, Minas Gerais, Piauí e Bahia.

O documento destaca que a crescente oferta advinda de fontes renováveis centralizadas, ou seja, poucas unidades gerando energia para muitos consumidores, ou distribuídas, em que diversas unidades abastecem a rede, representam um “desafio” para o sistema. Nada ainda que possa preocupar, já que, no contexto da geração, por exemplo, o país teve a criação de 291 usinas somente em 2023, 140 delas eólicas, e a matriz energética nacional alcançou a marca de 10 gigawatts (GW), superando a meta do começo do ano.

No RS, os investimentos já realizados, em contratos ou ainda por vir até 2030 somam R$ 26 bilhões, segundo disse, no final do ano passado, o presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do RS (Sindienergia-RS), Guilherme Sari. “Sem contar outros empreendimentos sob análise”, destacou. Outro ponto é que a bandeira tarifária da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é verde desde abril de 2022. Portanto, não há repasse aos consumidores do custo da geração.

Se este ponto está relativamente estável, a distribuição é o “caminho das pedras”. “As redes distribuidoras nem sempre têm manutenção adequada, é um setor de difícil controle. A carga de energia aumenta, e as redes têm capacidade para atender?”, questiona a professora Alzenira. De acordo com ela, três são as principais causas de quedas de luz no verão gaúcho: eventos extremos climáticos, aumento de demanda pelo uso de equipamentos como ar-condicionado e o deslocamento da carga para o litoral, devido ao aumento temporário da população.

Duas grandes distribuidoras atendem ao Rio Grande do Sul, a RGE, com 381 municípios e mais de 3 milhões de clientes, e a CEEE Equatorial, com 72 municípios e 1,8 milhão de clientes. Há questionamentos sobre a qualidade do trabalho realizado. Recentemente, por exemplo, a CEEE Equatorial foi duramente criticada pelo prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, por, segundo ele, ser responsável direta pela crise da água que deixou várias regiões da cidade sem água em dezembro. Já na RGE, áreas como o município de Santa Rosa vêm sofrendo há dias com a falta de luz causada pelo temporal. Ambas as empresas já receberam multas por parte da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do RS (Agergs), que afirmou ainda ter solicitado informações sobre as ações previstas pelas duas companhias no Litoral durante o veraneio.

Procurada, a RGE destacou que os investimentos em sua área de concessão ultrapassaram R$ 3 bilhões nos últimos três anos, substituindo, por exemplo, 220 mil postes de madeira por unidades de concreto ou fibra de vidro e ainda 12 novas subestações, garantindo “robustez no sistema para que suporte ou minimize o impacto dos fenômenos climáticos” e que está “100% dimensionada para atender aos seus clientes”. A CEEE Equatorial não encaminhou posicionamento até o fechamento desta reportagem.

 

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