Os jovens e a desconfiança com a política

Os jovens e a desconfiança com a política

Por
Mauren Xavier e Flávia Simões

 
Mais de 2 milhões de jovens entre 16 e 18 anos fizeram o título eleitoral, mesmo que o voto não seja obrigatório. Os dados foram celebrados pela Justiça Eleitoral, porém, não refletem a confiança dessa faixa etária nas instituições

 

Em quatro meses, mais de 2 milhões de jovens entre 16 e 18 anos fizeram o título eleitoral, mesmo que o voto não seja obrigatório, após uma intensa mobilização, em especial nas redes sociais e com a interferência dos influenciadores. A movimentação trouxe à tona a discussão sobre o protagonismo da juventude na política e como essa mobilização pode impactar, se é que pode, na eleição de outubro deste ano. Os dados sobre a inscrição na Justiça Eleitoral, ainda que sejam parciais, foram divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com grande empolgação. Segundo o presidente da Corte, ministro Edson Fachin, os números representam um recorde em mais de 90 anos da Justiça Eleitoral. Segundo o TSE, o número representa um aumento de 47,2% em comparação com o registrado em 2018; e de 57,4% em comparação com o mesmo período em 2014. No Rio Grande do Sul, os dados também parciais registraram um aumento de cerca de 42%. 

Apesar da empolgação, a situação se mostra bem mais complexa quando se foca na relação dessa geração com a política, que passa pelo descrédito e pela falta do sentimento de representatividade. Esses são alguns apontamentos feitos pelo professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rodrigo González, que resume a juventude como o “espelho da própria sociedade”. O especialista faz a comparação ainda com o processo de descrença na política como um reflexo de acontecimentos da última década, como partidos que eram os campeões da honestidade e que atualmente são considerados “tradicionais”. Na mesma linha, Augusto Neftali, cientista político e professor da Escola de Humanidades da PUCRS, considera que nos últimos anos o país “ficou difícil para o jovem”. Ele relaciona as dificuldades com a ausência de uma expectativa de futuro, resultado dos momentos de crise, tanto econômica como política, e, mais recentemente, fruto do impacto da pandemia. “Penso que muitos jovens devem olhar para o redor e não ver onde podem interferir, o que resulta em um pensamento mais crítico e negativo”, pontua Neftali. Apesar disso, o cientista político ressalta a importância de o jovem pensar de forma consciente no processo eleitoral, uma vez que “todos aprendem com cada eleição e o processo democrático não termina nela”. “A beleza da democracia é poder melhorar e pensar sobre os acertos e erros”, ressalta. 

Ao mesmo tempo, González avança em relação à maneira como a juventude se relaciona com a política. E o fiel dessa balança passa pelas redes sociais, onde, pela sua estrutura, é possível permanecer apenas na sua “bolha”, em uma referência ao círculo de conteúdos e de informações que terá acesso, além de concorrer com as atividades de lazer. Nessa linha, o professor traz ao centro da discussão outro aspecto relevante, que são os espaços em que a juventude discute ou pensa a política em comparação com gerações passadas. Por exemplo, nas décadas de 80 e 90, essas discussões ocorriam nos centros acadêmicos ou nas relações familiares, no caso daqueles que eram de classe mais alta. Já nos grupos mais populares, eram nas associações de moradores de bairro ou grupos das comunidades. A questão é que com o passar dos anos, aponta o cientista político, os sindicatos perderam espaço, os movimentos de bairros ficaram mais burocráticos e nas escolas as discussões também foram esvaziadas. 

Essa avaliação é um dos pontos destacados no estudo “Juventudes e Democracia na América Latina”, realizado por pesquisadoras da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) e divulgado neste ano. A pesquisa, realizada com jovens de quatro países da América Latina, incluindo o Brasil, confirma que há um certo negativismo em relação à política. Para os brasileiros, de todos os espectros políticos, predomina uma certa desconfiança em relação a "toda esfera institucional", associada a um sentimento de necessidade de proteção da democracia, que para eles "tem a ver, principalmente, com liberdade, direitos e bem coletivo". 
O levantamento também evidencia que o processo de consumo de informação fica mais centralizado nas redes sociais, as quais eles têm acesso por meio dos chamados influenciadores. E tendo esse ponto de partida, ressalta a importância do desenvolvimento de alternativas, como a necessidade de os órgãos institucionais se aproximarem da juventude, porém, com um conteúdo mais específico e não de maneira impositiva. Também destaca a relevância da educação política nos currículos escolares e universitários e no estímulo da participação dos jovens na política local, onde a proximidade é maior. 

Educação para a política e a cidadania

No sentido de estimular a participação dos jovens, a Escola Judiciária Eleitoral (EJERS), do TRE-RS, desenvolve algumas atividades. Segundo o diretor da Escola, Carlos Vinicios de Oliveira Cavalcante, um dos objetivos das iniciativas é mostrar para o jovem que ele pode ser protagonista no processo democrático. "Eu digo: 'Vocês estão começando a vida política por serem eleitores, mas se vocês têm interesse em trabalhar ativamente na política, procurem um partido. O jovem com 18 anos já pode ser eleito vereador'”, apontou. Segundo ele, é uma maneira de tentar despertar neles a existência de um caminho que pode ser trilhado de participação, mas também de cidadania. Outra forma de persuasão é mostrar o que esses jovens podem obter por meio dos seus “votos”. Cavalcante ressalta que quanto maior for o número de “votos” nessa faixa, mais atenção terá dos políticos, que vão dar mais espaço para eles nos seus planos de governo. “Vocês (jovens) têm que se mostrar relevantes também na política. É assim que funciona. Esse é o jogo eleitoral”, pontua. 

Um exemplo que se destaca é o ocorrido no município de Vanini, a 86 km de Passo Fundo, onde Ian Brescansin (PSB), aos 20 anos, foi eleito presidente da Câmara de Vereadores. O vereador foi eleito para presidir a Casa de forma unânime pelos colegas e demonstra muita gratidão pela oportunidade, apesar da responsabilidade. Ativo na política desde jovem, tendo o pai como inspiração, ele participou de projetos que buscavam ensinar os jovens sobre atribuições políticas, como o “vereador mirim”. 

Esse mesmo pensamento é defendido pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), que representa os alunos do ensino fundamental e médio. Segundo a presidente da Ubes, Rozana Barroso, que tem 23 anos, o voto do jovem deve impactar na composição, por exemplo, dos legislativos (Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas). “É por meio das leis construídas no Congresso que podemos garantir nossos direitos, como uma educação de qualidade e mais igualitária para todos”, afirmou Rozana. Para ela, o papel dos jovens na política não deve ficar restrito ao voto, propriamente dito, mas também em candidaturas. “Sempre incentivamos os estudantes a participarem das decisões políticas do nosso país. Nós, jovens estudantes, temos o DNA da rebeldia e precisamos entender que isso precisa ser visto nas urnas”, ressaltou. 

Descontentamento e a influência das rede

Foto: Mariane Venditi/Arquivo Pessoal/CP

Juliane Venditi e Matheus Ávila, ambos com 16 anos, têm sentimentos parecidos em relação à política, mas decidiram trilhar caminhos diferentes. Com sentimento de descrença em relação ao futuro do país, a jovem decidiu tirar o título de eleitor para votar na eleição deste ano, a fim de promover mudanças. Já o jovem, também descontente, preferiu se abster e não tirar o seu título de eleitor enquanto não for obrigatório. Para ele, nenhuma opção vai ao encontro com os seus ideais. 

Apesar disso, independente das motivações, ambos relataram um sentimento de descontentamento com o cenário político. “Vendo esse cenário caótico da política já não tenho muita esperança, sabe. Você cria um conceito de que a política não é algo muito saudável”, afirma Matheus. 

Os jovens cresceram sob um cenário de instabilidade política. Com 10 anos, presenciaram o impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2014, resultado de intensas manifestações que pavimentaram a eleição de Jair Bolsonaro (PL) em 2018. Após esses acontecimentos, os dois afirmam que foram desenvolvendo melhor seus conhecimentos da política e hoje, principalmente em função da Internet, já entendem de forma mais clara a conjuntura atual.

“Eu acho que a gente vai ter um papel muito importante (nessa eleição), principalmente porque agora estamos mais conscientes. Agora, com a Internet, a gente está mais atualizado com essas questões que antes, pois, quando éramos mais novos, não prestávamos muita atenção. A gente não era tão responsável para entender essas questões”, relata Juliane. 

Juliane e Matheus também são convergentes em outro quesito: ambos se informam pelas redes. “Assim como os outros jovens”, ressalta Matheus. A manifestação dos jovens coincide com um dos resultados do estudo “Juventudes e Democracia na América Latina”, que apontou que a fonte de informação para essa faixa etária se dá pelo uso da Internet e, principalmente, das redes sociais. A pesquisa foi baseada em uma série de grupos focais com mulheres e homens jovens de 16 a 24 anos, de variadas tendências políticas na Argentina, Brasil, Colômbia e México. 

Outro detalhe que a pesquisa destaca é o impacto dos influenciadores (influencers), uma vez que vários entrevistados afirmaram "ter começado a ganhar consciência política ao verem comentários nas redes de pessoas que seguiam ou de influenciadores de quem gostavam e com os quais concordavam”. Como consequência, alerta a pesquisa, a "politização acaba ocorrendo muitas vezes em função da reação aos comentários alheios nas interações com influenciadores".

Uma demonstração do impacto e da influência das redes sociais e dos influenciadores ficou evidente na campanha de conscientização liderada por artistas e personalidades, como a cantora Anitta e atores norte-americanos Leonardo Di Caprio e Mark Ruffalo, além de outros movimentos organizados por entidades, como a Justiça Eleitoral. Essa mobilização, que inclusive gerou embates entre grupos políticos, fez com que o número de jovens a tirar o título de eleitor aumentasse drasticamente. 

Se as redes sociais ganharam espaço ou passaram a ser a esfera pública das discussões políticas dessa faixa etária, a influência da família perdeu parte desse espaço. Juliane e Matheus, por exemplo, divergem sobre o tema. Para ela, “se colocar numa escala de zero a 10, é 7”. O que Juliane enxerga como positivo. “Eu acho isso bom, porque concordo com as visões políticas de uma grande parte da minha família”, contou, destacando sua relação com a irmã mais velha, Mariane Venditi, com quem conversa bastante sobre o assunto. “Eu me identifico com a visão dela”.

Foto: Matheus Piccini

Já Matheus, que cresceu cercado por duas visões antagônicas, prefere buscar um certo distanciamento e desenvolver sozinho suas ideias. “Quando eu vi que os dois estavam errados, eu quebrei como pensador. (...) Quando você percebe que os dois têm lados bons e os dois têm um lado ruim, consegue tirar algo disso”, disse. Matheus contou ainda que conforme foi buscando entender melhor assuntos relacionados à política, aprendeu a desenvolver melhor o seu senso crítico. 

Partidos tentam mostrar que política vai além do Twitter

Para além da importância de tirar o título de eleitor e comparecer às urnas em outubro, existem alguns pontos que são consenso, independentemente do viés partidário, entre lideranças de juventudes partidárias, quanto à participação dos jovens na vida política. Um desses pontos é a vontade de trazer o jovem para dentro do espaço político. O desejo, relatam, é engajar esse eleitorado no cotidiano das legendas, aprofundar o conhecimento sobre o processo político e as instituições. “Queremos que a juventude venha debater a política, venha dizer os seus anseios e a sua realidade”, contou Rodrigo Poletto, de 24 anos, que é secretário de juventude do PT-RS. 

Para Bolívar Gomes, de 26 anos da Juventude PSDB (JPSDB), é através dos partidos que esses jovens podem construir, na prática, alternativas àquilo que os incomoda na realidade política. “Se a gente não ocupar esses espaços de liderança de convívio, seja para atuar como candidatos ou como base de equipe para outras pessoas que nós acreditamos, estaremos cedendo (o espaço). E aí nós, enquanto jovens que queremos nos fazer ouvir, vamos estar abrindo mão disso”, defendeu. 

Também é consenso entre as mesmas lideranças que há dificuldades dentro desse processo de inserção. Entre elas, a descrença na política como um fator que dificulta a aproximação. Nessa linha, o tucano apontou para dois problemas: mostrar para o jovem que está entrando que a discussão vai “muito além do Twitter” e o aproximar do que é a essência do partido, ou seja, do conjunto de ideias. 

Para Ivan Carlos Maurina, de 28 anos, da juventude do MDB-RS, o problema é externo e se dá quando os mais novos buscam ocupar espaços institucionais. Segundo ele, como os cargos eletivos são ocupados pelas mesmas pessoas durante muito tempo, isso impede que haja uma renovação na política, mesmo que, segundo ele, os índices tenham mostrado que os mais novos, em processo eleitoral, têm mais chances de se elegerem. Ele ainda acrescenta que a desconfiança com as candidaturas dos jovens ocorre principalmente em cidades do Interior. Por se tratar de um partido com forte caráter municipalista, é comum que o MDB estimule os jovens filiados a iniciarem a vida política dentro das suas cidades.

Por parte do petista, o entendimento é similar. “Nós enxergamos como essencial a renovação das cadeiras tanto na Assembleia Legislativa quanto na Câmara dos Deputados”, explicou Poletto. Com esse objetivo, o partido iniciou um projeto dentro da sua secretaria para ampliar tanto as candidaturas quanto sua visibilidade. Mas alerta, ainda, para outro problema no percurso: aumentar a voz e a visibilidade da juventude dentro das direções de partidos e organizações. 

Problema esse último que não é apontado como existente no PSol. Para o secretário da juventude, Júlio Câmara, de 28 anos, as barreiras estão em como o jovem é tratado, atualmente, dentro dos espaços de poder. Conforme ele, nos últimos anos, o perfil dessa faixa etária que ocupa lugares na política mudou. “Antes eram os filhos de dirigentes de partido que acabavam entrando e engrenando. Hoje a gente vê uma juventude mais oriunda da classe trabalhadora \[...\] que, na hora de se apresentar nos espaços institucionais, esses da política tradicional, é desrespeitada, desconsiderada ou considerada inferior”, disse. Câmara contou ainda que a maioria dos jovens que busca o partido, normalmente, não tem a intenção de se candidatar ou “fazer carreira política”, mas sim “organizar a luta”, como manifestações em defesa da própria escola. 

A participação ativa dentro das diretorias também não parece ser um problema para partidos mais tradicionais, como PSDB e MDB. Ambas as lideranças reforçam que a juventude tem “voz e voto” dentro do “núcleo duro”. Segundo Ivan, foi solicitado aos novos dirigentes municipais que também incluíssem integrantes da juventude nas direções. O pedido partiu do presidente estadual do partido, Fábio Branco. 

Além disso, ambos reforçam que as candidaturas são amplamente estimuladas. “Nós temos um partido muito propício, sim, para que jovens venham e coloquem o seu nome, conquistem seu espaço. Porque eles não vão estar falando sozinhos, vão estar falando dentro de uma conjuntura em que existe uma juventude organizada e que quer contribuir com mais representantes jovens”, enalteceu Bolívar. 

Reforçando o discurso, lideranças apontaram nomes de destaque dentro das suas respectivas siglas que teriam iniciado na juventude do partido ou que atualmente ainda façam parte dela. Sobre os últimos, todos os citados têm acima de 30 anos. Uns, inclusive, beirando os 40. No caso do PSDB, o ex-governador Eduardo Leite completou 37 anos recentemente e foi o titular do Palácio Piratini mais novo na história recente. Entre os emedebistas, o deputado estadual Gabriel Souza completou 38 anos e é o nome cotado para disputar o Palácio neste ano. No PSol, destaque para a deputada federal Fernanda Melchionna, que tem 38 anos. 

Número de títulos emitidos no país e no Estado, entre jovens de 16 e 17, anos, de 1992 a 2020

Após ampla mobilização da Justiça Eleitoral de incentivo ao alistamento dos jovens, o TSE registrou uma alta no número de adolescentes, entre os 16 e 17 anos, cujo voto é facultativo, que tiraram a primeira via do título de eleitor. Os números do TSE, ainda parciais, apontam para 1,6 milhões de novos títulos emitidos esse ano só para essa faixa etária. No Rio Grande do Sul, foram 65 mil.  O gráfico acima mostra o número de títulos emitidos no país e no Estado, entre jovens de 16 e 17, anos, desde 1992.

Foto: Ricardo Giusti

Achados da pesquisa da USP e do Cebrap

  • Todos dizem sentir muito receio de serem enganados por meio de mensagens falsas.

  • A maioria dos entrevistados, embora afirme que se manifestar é importante para a saúde democrática, diz nunca, ou quase nunca, ter ido a uma manifestação. As razões são diversas: por não se sentir motivado com esse formato (entendendo que ocupação das ruas é conflito ou baderna), porque as manifestações seriam muito politizadas ou partidarizadas, por medo da violência, por conta da reação da polícia ou ainda para não criar conflito em casa.

  • O engajamento on-line é, normalmente, realizado a partir de causas concretas, próximas da realidade dos jovens. É preciso que eles considerem que seja uma causa “honesta”. Todas essas ações são tidas como políticas, mas são vistas como desconectadas da política “governamental” ou partidária.

  • Já a participação em instâncias tradicionais, como partidos e demais organizações políticas como sindicatos e centros acadêmicos, ou mesmo em instituições governamentais, como câmaras municipais, tende a ser baixa e há muito desconhecimento e desconfiança em relação a tais espaços.

  • Para a maioria, democracia tem a ver, principalmente, com liberdade, direitos e bem coletivo. A democracia, o Estado e o Congresso, no Brasil, são tidos como deficitários, intrinsecamente corruptos, representando apenas os interesses das elites e dos políticos, mas não os da população.

  • A corrupção, nas suas múltiplas dimensões, aparece como a causa fundamental da precariedade da democracia no país.

  • Nesse sentido, a maioria dos entrevistados propõe fortalecer as organizações coletivas, mas sem abandonar a política tradicional porém eles se engajariam fundamentalmente nas primeiras. Além disso, a maior fiscalização por parte da população também aparece como algo importante para fortalecer a democracia.

  • A grande maioria dos jovens não conseguia lembrar os deputados federais e estaduais em que havia votado em eleições anteriores. 

  • Os vereadores, porém, são mais lembrados. A política local, por ser mais próxima da realidade cotidiana, parece atuar como uma porta de entrada para a política, que é mais acessível para a juventude não engajada partidariamente.

  • Toda a esfera institucional, em geral, é vista com desconfiança. 

  • Em geral, os jovens consomem grandes quantidades de informação o tempo todo por suas redes sociais, que se tornam lugares de socialização, aprendizagem, entretenimento, discussão e lazer.

Estudantes da Escola Técnica Senador Ernesto Dornelles estão prontos para votar nas próximas eleições. No Rio Grande do Sul, 65 mil jovens tiraram o título de eleitor este ano. Foto: Ricardo Giusti

Escola busca incentivar jovens à participação

Todos os anos, a Escola Judiciária Eleitoral (EJERS) promove ações em escolas da rede pública e privada do Estado com o objetivo de ensinar sobre política e o funcionamento das instituições para os jovens. Este ano, houve a promoção do “Rolê das eleições” para incentivar o alistamento dos adolescentes de 16 a 17 anos. Para além da emissão do título, a proposta busca ainda conversar com esse público e incentivar que ele participe de forma ativa do processo democrático. O Correio do Povo conversou com o coordenador da escola, Carlos Vinicios de Oliveira Cavalcante, para entender um pouco mais sobre o trabalho. 

Como surgiu o Rolê das Eleições?
Tínhamos um diagnóstico que mostrava o baixo alistamento desse jovem na faixa entre 16 e 17 anos, que tem o voto facultativo. No início do ano, tínhamos o menor percentual de participação dessa faixa etária em novos alistamentos no país. Todo ano eleitoral, já fazemos campanha de alistamento do jovem e esse ano teve o Rolê das Eleições. Temos um programa de jovem eleitor que roda periodicamente conforme a gente vai tendo eleições, de forma a incentivar esse jovem a se alistar e participar da eleição. 

Como é o trabalho?
Temos um programa permanente chamado Lideranças do Futuro. Vamos até as escolas e conversamos. Começa na faixa de 10 anos de idade e vamos até esse jovem, que, em alguns casos, é até a faixa de 18, 20, 21 anos, dependendo da instituições. A ideia é ensinar alguns conceitos sobre como funciona o sistema eleitoral, mas principalmente despertar nesse jovem que ele valorize a democracia e não entenda a democracia como conceito vazio. Que ele entenda a democracia como algo que tem que ser trabalhado, conquistado e tem que ser participado ativa ou passivamente com base no eleitor, mas cotidianamente. Ensinamos que é importante que ele participe, que ele faça o título, que ele compareça às urnas. Porque essa faixa etária do voto facultativo é também uma faixa de abstenção muito grande. 

Como são contatadas as escolas participantes?
Hoje trabalhamos muito com as escolas (particulares) vindo até nós. Temos uma capacidade de atendimento que não é muito grande, porque a equipe da escola é pequena. Também tivemos agora contato com a coordenação da infância e juventude do TJ (Tribunal de Justiça), que atende jovens em situação de vulnerabilidade social. Essas entidades costumam nos procurar. Fizemos uma parceria com a Secretaria de Educação do Estado, para entrarmos de forma mais massiva nas públicas. E temos conteúdo para ser passado para os professores, porque, na verdade, o que a gente tem que buscar é dinamizar esse conteúdo e levá-lo para sala de aula. Não é somente o Tribunal Regional Eleitoral se fazer ouvir, mas a gente passar o nosso conteúdo para que o professor possa inserir isso na sala de aula. 

A possível polarização nesse pleito afetou nas respostas dos alunos? 
Quando a gente fala de uma eleição geral, que envolve o presidente da República, governador do Estado, o assunto é comum a todos. É muito mais fácil o tema eleição ser tratado com base na personificação dos candidatos. É diferente quando a gente trata da eleição municipal, o que chama mais atenção são os temas da cidade, a educação local, do calçamento da rua, da iluminação pública.

Após o prazo da regularização do título, como segue o trabalho da Escola?
Nosso objetivo agora é virar a chave. A gente bateu muito na questão do alistamento e, agora, o nosso principal desafio é fazer com que as pessoas votem, né? E também tratamos de outros temas, por exemplo do combate às fake news. É um tema-chave para nós porque acaba abalando a confiança no sistema eleitoral. Então vamos continuar indo às escolas, procurando público para tratar de desinformação. Falamos também sobre a questão da violência de gênero na política, porque é uma constante que acontece a cada eleição. E também toda a questão que envolve explicar um pouco mais para a população como funciona esse sistema eletrônico de votação, de dizer que ele não tá concentrado só na urna. As fake news que hoje varrem o país batem muito na questão do funcionamento da urna eletrônica e nossa função é demonstrar que temos um sistema muito forte. A urna talvez seja o componente público mais notório, porque tá ali na frente de todo mundo, mas o sistema eletrônico de votação tem uma série de componentes de segurança que vão além disso, do registro dos candidatos, de colocar a numeração dos candidatos na urna, de conferir que a urna não tem nenhum tipo de manipulação. 

Quais são as dúvidas que os jovens apresentam?
O público mais novo têm dúvida de tudo. Eles querem saber como é que tudo funciona. As perguntas são todas assim: “Se meu pai não votar, vocês ficam sabendo? O que vai acontecer com ele?”. Já o jovem da faixa etária que vota, a dúvida é mais no sentido do quanto o voto dele pode ser relevante em uma eleição. Temos que despertar neles isso, de que o voto, apesar de ser uma manifestação individual, é muito poderoso quando visto do ponto coletivo. É o que digo para eles: vocês têm uma massa de jovens, em uma cidade como Porto Alegre, que, se vocês quiserem, vocês elegem um vereador. É isso que tem que ensinar para eles. 

Qual a impressão sobre como a juventude vem lidando com a política?
Hoje, o jovem vê o voto como uma obrigação. Tentamos mostrar que, na verdade, o voto, principalmente do jovem, é uma conquista e não pode ser normalizado com obrigação. O jovem já participa muito politicamente nas redes sociais, se manifesta, coloca opinião, faz o meme. Então, talvez ele veja a política como um modelo um pouco antiquado. Tentamos demonstrar que, na verdade, é válida essa manifestação nas redes sociais, mas é necessário que ele se engaje politicamente e escolha aquele candidato que melhor represente a vontade dele. 

O que vocês tentam ensinar e mostrar nessas visitas? 
Meu trabalho é plantar a semente. Sempre digo: a nossa função na justiça eleitoral é fazer com que a vontade do eleitor, que vai lá na urna e deposita a vontade dele de escolher o candidato, ou não escolher, vai ser reconhecida, como funciona em um sistema democrático. A nossa função é que vocês (eleitores) possam chegar ao final e ter uma decisão informada para escolher um candidato que melhor representa vocês. Eu não trato sobre polarização política, isso não nos diz respeito. Mas a gente tem que falar que é o nosso papel e daí explicar, por exemplo, por que existe propaganda eleitoral. Existe isso porque ao fim ao cabo, o voto tem que ser uma decisão informada. Por isso que eles têm que tomar cuidado com fake news. E eu estou falando não só de fake news que diz respeito ao processo eleitoral, que é a que mais corre hoje, mas da que diz respeito a candidatos também. Eu estava dizendo para eles: “Você tem que ficar ligado nisso: a propaganda política está vinculada a princípios do marketing, está se vendendo um produto. Então, a gente tem que ir um pouco além disso, né? Tem que buscar o que o candidato já fez? Ele já foi candidato antes? Quando? Como é que se relaciona com o eleitorado dele depois da eleição?”. Esse tipo de coisa que temos que despertar no jovem. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895