Outono de Ouro: projeção de pista limpa, mas com preço baixo

Outono de Ouro: projeção de pista limpa, mas com preço baixo

Presidente do Sindicato Rural de Lavras do Sul avalia que o foco dos leilões deve ser mais na liquidez do que nos valores

Por
Patrícia Feiten

Na região da Campanha, a queda das folhas e da temperatura é celebrada com euforia. Promovido pelo Sindicato Rural de Lavras do Sul, no parque de exposições da entidade, o tradicional circuito Outono de Ouro é um dos pontos altos da jornada de negócios que marca a estação todos os anos. Para a edição 2023, foram programados cinco eventos, com transmissão pela plataforma digital Lance Rural. A largada ocorre neste sábado, 15 de abril, com o Remate Alianza Del Pastizal, e será seguida pela Feira de Terneiras e Terneiros, em 6 de maio. Nos dias 13, 20 e 27 de maio, respectivamente, ocorrem a Feira Alternativa (terneiros, terneiras e vaquilhonas), o Remate do Cite 27 e Remate de Ventres.

Para cada evento, a oferta de animais deve ficar entre 1,5 mil e 2 mil exemplares, segundo o presidente do Sindicato Rural de Lavras do Sul, Francisco Abascal. A julgar pela alta liquidez que caracteriza os remates do circuito, ele projeta pista limpa neste ano. “O preço caiu um pouco, ficamos na expectativa de que se recupere parte disso. A gente tem aqui uma praça em que se vende bem todos os meses”, diz Abascal. Ele estima que, no ano passado, cerca de 100 mil bovinos tenham sido comercializados na região.

Criador das raças Braford e Reg Angus, o produtor Mauro Raimundi Ferreira revela que iniciou a temporada apreensivo. Os efeitos adversos da estiagem na Campanha gaúcha, onde a pecuária se desenvolveu fortemente baseada em pastagens naturais, exigem uma visão mais cautelosa nos negócios. “É o segundo ano consecutivo que entramos sem reserva no inverno. Os campos estão muito baixos, só vão voltar a se recuperar de outubro em diante. A seca está atrasando a implantação das pastagens artificiais. Isso significa que a saída de parte do gado do campo nativo para essas pastagens vai atrasar também, o que é mais um complicador”, observa Ferreira, que tem propriedades em Lavras do Sul e São Gabriel.

As cotações em baixa do boi gordo também preocupam. Nos outonos de 2021 e 2022, lembra Ferreira, ele e a família venderam terneiros a R$ 15 o quilo vivo. De lá para cá, os custos de produção dispararam, turbinados pela alta dos preços de fertilizantes, e a saca de soja, commodity agrícola emblemática para a economia da região, despencou de cerca de R$ 200 para R$ 150. “Não precisa ser matemático nem economista para ver que a situação do produtor está muito triste”, diz Ferreira. Para o pecuarista, pesa nesse cenário ainda a insegurança de parte do agronegócio em relação a políticas do governo federal para o setor, o que leva à retração nos investimentos. 

Conhecido pelo sucesso também no campo da música regionalista – como letrista, ele arrematou quatro vezes a Calhandra de Ouro no festival Califórnia da Canção Nativa, em 1988, 1991, 1997 e 2003 –, Ferreira atua na temporada de outono com participação nos remates e por meio da venda direta a outros criadores. Até o dia 6 de abril, já havia negociado 570 terneiros. “A vida do produtor é produzir. Independentemente da conjuntura, do clima e da política, vamos trabalhar, produzir e oferecer”, resume.

Remates e negociação "olho no olho"

Com propriedade em Santa Vitória do Palmar, no extremo Sul do Estado, o veterinário Milton Moraes Filho participa desta temporada de outono como comprador. Dedicado à raça Angus, ele negocia, neste período, a aquisição de cerca de 2 mil terneiros. Os animais, que serão destinados ao abate com idades entre 18 e 22 meses, deverão ingressar na fazenda até 20 de maio – o planejamento garante o tempo necessário para o desenvolvimento das pastagens com base de festuca, trevo e cornichão e a semeadura do azevém na resteva da soja. “Estamos saindo de uma seca, não tenho as pastagens de segundo ano. Elas estão melhorando, ainda não estão boas”, relata o produtor.

Apesar de reconhecer a eficácia das feiras e dos remates virtuais, Milton diz preferir a interlocução direta com o vendedor, “olho no olho”, como ele define. A exemplo de anos anteriores, os machos castrados estão sendo comprados de um grupo de pecuaristas de Santa Vitória do Palmar. A opção se deve à tradição de qualidade da região na criação de bovinos Angus e Hereford, segundo o veterinário. “O animal chega dosado, é desmamado, vai pegando peso e fica no próprio município. Trabalha-se com gado de qualidade e precoce”, destaca Milton, explicando que, nesse tipo de negociação, ele costuma desembolsar, pelo quilo do animal, em torno de R$ 1,50 a mais do que o preço praticado no mercado e arca com as despesas de frete dos bovinos.

Segundo Milton, o mercado de reposição está se ajustando a um novo patamar de preços, influenciado pela desvalorização do boi gordo e também pelas exportações de bovinos vivos. Depois de um recuo nos embarques de gado em pé nos últimos três anos, devido ao impacto da pandemia de Covid-19 em tradicionais países importadores, o Brasil retomou esse mercado e exportou 195 mil cabeças em 2022, de acordo com dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). O Rio Grande do Sul respondeu pelo segundo maior volume, de 55,3 mil animais, atrás apenas do Pará. Em média, os contratos de exportação são feitos a R$ 10,00 o quilo, mas há negócios sendo fechados por R$ 9,00 o quilo, afirma o pecuarista. “O boi gordo baixou de preço, mas isso faz parte também, não é só o produtor que tem de ganhar. Vejo com bons olhos a pecuária de corte, agora e no futuro próximo”, avalia Milton.

Correio do Povo
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