Passado e presente das luzes da cidade

Passado e presente das luzes da cidade

Os debates sobre a iluminação pública em Porto Alegre começaram em 1832. De lá pra cá, várias tecnologias foram usadas, desde lampiões com o óleo de baleia, passando pela termoelétrica, até a eletricidade como conhecemos hoje

Por
Christian Büeller

As tochas fixadas em paredes e estacas, deram, ainda nas antigas Roma e Grécia, o sentido inicial da expressão “iluminação pública”. Primeiramente colocadas em eventos específicos, logo se tornaram eficientes contra crimes a comerciantes nos espaços urbanos. Não demorou muito para a humanidade desenvolver a iluminação artificial por queima, com a utilização de óleos, o mais usado era o de baleia. Eram acesas em lucernas, que evoluíram do barro, passando pela cerâmica e, depois, sendo desenvolvidas em metal, suspensas para abranger áreas maiores. O conceito de iluminação no Brasil chegou no século XVIII. “Foram instaladas cerca de cem luminárias a óleo de azeite pelos postes da cidade do Rio de Janeiro, em 1794”, conta o engenheiro eletricista e especialista no segmento de iluminação e controle fotoelétrico Luciano Haas Rosito.

Foi somente em 1832 que começaram os primeiros debates sobre o tema em Porto Alegre, que desde sua fundação, em 1772, vivia às escuras. O então presidente da Província de São Pedro (o que seria o governador hoje em dia), Manuel Antônio Galvão, solicitou à Câmara Municipal que se pronunciasse. Como resposta, obteve a estimativa de um gasto de 12 contos de réis para a implantação de um serviço similar ao carioca. Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco, no livro “Porto Alegre: Guia Histórico”, após um estudo, os vereadores verificaram que a cidade carecia de 191 lampiões, “pouco mais ou menos”. Os testes começaram um ano depois, mas somente em 1834 foi completada a instalação de 200 luminárias à base de azeite de baleia vindo do RJ. Mas a qualidade do serviço foi criticada na época pelo presidente da Província seguinte, Antônio Rodrigues Fernandes Braga. “São de péssima construção e presas por um sistema de ferragem de propósito calculado para dar trabalho aos serventes”, reproduziu Costa Franco.

Chumbados nas paredes de casas restritas, os lampiões só podiam ser acesos ao anoitecer e por um encarregado da Câmara. Espalhavam uma luz pálida de um fumarento pavio nas regiões que abrangiam. Após algumas experiências, e se encontrando em funcionamento deficiente, os lampiões receberam refletores por detrás para aumentar seu poder de iluminação. Em algumas residências, isso era sinônimo de status, apesar da fuligem e do mau cheiro que esses pontos primitivos de iluminação exalavam na cidade. “Havia, também, outro problema: a queima dos produtos podia trazer malefícios à saúde dentro das casas. Imagina, obras de arte dentro de um museu submetidas a um ambiente com queima de materiais tóxicos, como gases e fuligem, acumulados nos telhados. Na época, havia essa demonstração do status, pois poucas pessoas tinham acesso, assim como ocorre com outras invenções”, lembra Rosito. O engenheiro destaca a demora para uma nova tecnologia de fora se estabelecer no país e no Estado naqueles tempos. “Atualmente, um aparelho de celular é lançado mundialmente. Em poucas semanas, um outro país recebe aquela novidade. No caso de uma tecnologia na área da iluminação pública, poderia demorar meses ou anos para chegar aqui”, salienta.

À medida que ficavam fora de operação por danos irreversíveis, os lampiões eram substituídos, mas a demora para chegarem do Rio de Janeiro resultava em uma Porto Alegre sem luz novamente de tempos em tempos. Em 1837, a Câmara solicitava à vice-presidência da Província o restabelecimento da iluminação, ainda mais que a cidade se encontrava na época sob sítio dos farroupilhas, e enfatizava a necessidade de se manterem constantemente acesos os poucos lampiões que sobreviviam. Em 1852, o óleo de baleia deu lugar ao gás hidrogênio carbonatado, tendo a aguardente como matéria-prima para sua produção. José Antônio Rodrigues Ferreira, que ficou conhecido como o “Ferreirinha dos Lampiões”, forneceria o serviço, tanto os aparelhos como o abastecimento de gás, armazenado em um recipiente junto ao próprio lampião, agora instalados em postes. De início, o sistema parecia funcionar, mas logo as críticas voltaram. Em relatório de 1853, o presidente da Província reclamava da iluminação, “tão má que era intolerável estarem os cofres provinciais fazendo tão crescida despesa com a fraca luz de tocha dos lampiões”. Outra inovação ocorreu em 1864, com a substituição do gás hidrogênio pelo que o presidente da Província da época, Eloy de Barros Pimentel, chamava de “óleo querosene puro”. O custo da iluminação neste sistema reduziu em 500 réis por combustor, segundo Costa Franco.

Na busca de melhor luminosidade, os postes tiveram sua altura aumentada. Mas não era o suficiente e um passo mais largo precisava de ser dado. Uma lei provincial de 1867 autorizou contratar iluminação pública pelo sistema de gás hidrogênio carbonado, produzido em centrais de gás. No entanto, somente sete anos depois foi fundada a Usina de Gás de Hidrogênio Carbonado, constituindo a primeira usina de fato a fornecer gás para iluminação pública e abastecimento de fogões. Em novembro de 1874, a empresa São Pedro Brazil Gaz Limited acionou seu gasômetro na Praia do Riacho (atual rua Washington Luís), com 500 combustores, trazendo melhorias substanciais em relação aos sistemas anteriores.

Por um tempo, as duas formas de iluminação funcionaram simultaneamente. Na zona urbana mais central, que envolvia ruas como João Alfredo, Ramiro Barcelos e Venâncio Aires, imperava o abastecimento via gasômetro. Nas áreas suburbanas, o predomínio ainda era dos lampiões a querosene. O alto custo do carvão para o uso do sistema de gás impedia a propagação da novidade. Em 1909, todos os lampiões a querosene foram trocados pelo sistema novo até o deflagrar da Primeira Guerra Mundial. Neste período, foi a vez de outra substituição: a dos combustores a gás por lâmpadas elétricas. Em 1928, foi inaugurada a nova usina termoelétrica do Gasômetro, produzindo energia à base de carvão vegetal. Mas esta já é outra história.

Do carvão à energia hidrelétrica

Imponente cartão de visita no Centro Histórico de Porto Alegre, a Usina do Gasômetro é ponto de encontro para quem quer conferir o pôr do sol à beira do Guaíba e passear na orla, passatempo preferido por uma infinidade de porto-alegrenses. Uma porção destes frequentadores não sabe, mas o lugar que, por muitos anos, abrigou auditórios, salas multiúso, anfiteatros, exposições, cinema e teatro, foi, de fato, um marco da industrialização ainda incipiente no Brasil.

Projetada na Inglaterra e inaugurada em 1928, foi uma das primeiras edificações de concreto armado construída no Estado. Gerava energia elétrica à base de carvão mineral para a capital gaúcha. Foi erguida no ponto da cidade que era conhecido como “volta do Gasômetro”, onde ficava uma antiga Usina de Gás de Hidrogênio Carbonado que fornecia gás destinado à iluminação pública e abastecimento de fogões desde 1874. A Praça da Matriz recebeu postes de gás no entorno do chafariz central. Mas a segunda fase da iluminação pública em Porto Alegre, que substituiu os lampiões a base de óleo de baleia e óleo de azeite, ainda passaria por alguns testes na virada entre os séculos XIX e XX.

Em 1889, começam as primeiras experiências em eletricidade em Porto Alegre. Um cidadão francês, Aimable Jouvin, farmacêutico e comerciante estabelecido na cidade, recebeu da Câmara Municipal a permissão para instalar alguns postes e fios em vias do centro da cidade a fim de realizar experiências com a luz elétrica.

Em uma época na qual apenas 19 quilômetros de ruas eram iluminadas a gás, o então intendente de Porto Alegre (figura que representa atualmente o prefeito), José Montaury, observava que mais da metade da cidade era carente de iluminação pública. Segundo o historiador Sérgio da Costa Franco em “Porto Alegre: Guia Histórico”, os serviços de gás tiveram alguma expansão até a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial.

Em 1928, a Cia Energia Elétrica Riograndense (Ceerg) assume o monopólio do setor de energia elétrica e a gás na Capital. A Ceerg era subsidiária da multinacional americana Eletric Bond and Share, que geriu a eletricidade e o transporte elétrico de Porto Alegre até 1954. Segundo o contrato, a nova companhia deveria manter em funcionamento as três usinas e construir outra. A usina termelétrica do Gasômetro foi inaugurada dia 15 de novembro 1928, na então chamada Praia do Arsenal. A nova construção, então, assumiu os serviços de geração e distribuição de eletricidade e de produção e distribuição de gás. O carvão mineral era transportado através do Guaíba das minas de São Jerônimo a Porto Alegre.

Durante nove anos, a Usina do Gasômetro funcionou com pequenas chaminés que despejavam fuligem de carvão sobre as casas das redondezas. Os moradores faziam muitas reclamações, dizendo que seus móveis, roupas e cortinas estavam sendo destruídos pelas cinzas e a própria saúde daqueles que ali moravam estava correndo sérios riscos. O Correio do Povo, na época, recebeu inúmeras solicitações de anúncios. Um, intitulado “Os estragos produzidos pelo carvão das Chaminés da Usina Eléctrica Rio Grandense”, argumentava que “fábricas, usinas e outros estabelecimentos de grande montagem são sempre instalados fora do perímetro urbano das cidades. Ora, acontece que o fornecimento da nova usina da Companhia Energia Eléctrica Rio Grandense, veio demonstrar quão prejudicial ela é na zona central da nossa ‘urbs’”. Para sanar este problema, em 1937 foi construída nova chaminé, de 117 metros. A chaminé se tornou um ponto de referência arquitetônico e geográfico da cidade.

Com as primeiras experiências com energia elétrica no final do século XIX em Porto Alegre, primeiramente, em casas comerciais e, depois, se estendendo em repartições em áreas centrais, a cidade começou a crescer a olhos vistos. Em 1928, um contrato entre a então intendência (a prefeitura na época) e a empresa norte-americana Bond & Share, associada à Companhia Brasileira de Força Elétrica, encampou as três usinas que operavam na época – Municipal, Cia. Fiat Lux e a Companhia Força e Luz. Além disso, construiu a Usina do Gasômetro para produção de eletricidade a partir de fontes térmicas. Com boa capacidade de geração, permitindo o desafogo da demanda.

Potencial hidrelétrico

Em 16 de fevereiro de 1943, o governo do Rio Grande do Sul criou a Comissão Estadual de Energia Elétrica (CEEE), com a finalidade de prever e sistematizar para todo o Estado o aproveitamento de seu potencial hidráulico, em conexão com as suas reservas carboníferas. Anos depois, a Companhia lançou o Plano de Eletrificação do Rio Grande do Sul e, em outubro do mesmo ano, a União concedeu ao governo gaúcho um conjunto de aproveitamentos de energia hidráulica, autorizando ainda a construção de diversas termelétricas. Segundo Sérgio da Costa Franco em “Porto Alegre: Guia Histórico”, o monopólio da subsidiária da Bond & Share foi quebrado em 1947, “por insuficiências no atendimento, passando o município a obter energia de uma Usina de Emergência, operada pela Comissão”. Em 1951 a Companhia Brasileira sofreu intervenção e foi definitivamente afastada do serviço público, transferindo suas atribuições à CEEE.

É no ano seguinte que a Comissão é transformada em autarquia pelo governo estadual. No final da década de 1950, devido à ampliação da capacidade instalada e à melhoria da rede de distribuição, a empresa controlava o fornecimento de energia elétrica para grande parte do território gaúcho. Em 1961, muda seu nome para Companhia Estadual de Energia Elétrica, conservando a sigla. Seis anos depois, a CEEE incorporou a antiga Companhia de Energia Elétrica Rio-Grandense (Ceerg), assumindo a concessão dos serviços de eletricidade em Porto Alegre e Canoas. Responsável pelo atendimento do mercado de energia elétrica de quase todo o estado do Rio Grande do Sul, a CEEE realizou importantes investimentos no campo da transmissão ao longo das décadas seguintes, implantando mais de 5 mil km de linhas de 230 kV (quilovolts) e 138 kV. Em 2021, o braço de distribuição da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE-D) foi vendido a holding Equatorial, em proposta única válida no leilão envolvendo a antiga estatal gaúcha.

Avanço e decadência

Na década de 1940, a Usina do Gasômetro permitiu “o desenvolvimento do sistema de iluminação, da rede de bondes e o desafogo das indústrias”, conta o historiador Sérgio Franco. Porém, foi a época em que se iniciou uma série de racionamentos, deixando a Capital às escuras. Como o Correio do Povo publicou, em 14 de janeiro de 1948 houve “o mais severo racionamento que Porto Alegre já tinha assistido”. Entre as causas estavam problemas na importação de combustíveis, paralisação de 6 mil operários das minas de carvão e falta de insumos utilizados na usina.

Para combater os racionamentos, a Comissão Estadual de Energia Elétrica (depois Companhia Estadual de Energia Elétrica, CEEE), passou a operar sua própria usina. A do Gasômetro foi desativada em 1974. A intenção da prefeitura era demoli-la, mas entidades se mobilizaram para salvá-la. A edificação foi tombada pelo município em 1982 e pelo Estado em 1983. Restaurada a partir de 1988, passou a funcionar como centro cultural em 1991.

A tecnologia LED ganha espaço na Capital

Até os anos 1960, a iluminação de rua era realizada por meio de lâmpadas incandescentes e fluorescentes. Após, as que funcionam à base de vapor de mercúrio, com iluminação branca, foram ganhando espaço. Na década de 1990, as lâmpadas de vapor de sódio, que emitem uma cor mais amarelada, tomaram conta da iluminação das luminárias e postes e as inovações não pararam. No início dos anos 2000, essa tecnologia começou a ser substituída pelas de vapor metálico e, finalmente, pelas modernas e amplamente utilizadas lâmpadas LED. Países como Japão, China, Alemanha, Holanda e Estados Unidos adotam o modelo há alguns anos.

No Brasil, nove capitais usam luz de LED nas ruas, entre elas São Paulo, Curitiba e Salvador. Porto Alegre iniciou, em 2018, o projeto-piloto de Parceria Público Privada (PPP) de iluminação pública, com a promessa de economizar 50% na conta de energia e garantir a troca de mais de 101 mil pontos de iluminação por lâmpadas LED. Este tipo de utensílio têm vida útil muito maior e requer menos manutenção, o que significa economia para o consumidor e para os cofres públicos. No dia 17 de junho de 2020, a IPSul Concessionária de Iluminação Pública S.A oficializou com a prefeitura, na gestão de Nelson Marchezan Júnior, o contrato de 20 anos para a revitalização da iluminação pública da Capital.

A modernização contempla a iluminação de praças, parques e equipamentos esportivos, além de tratamento especial para ciclovias, ciclofaixas e vias de prédios com serviços públicos noturnos. Segundo o balanço da concessionária, no primeiro ano de operações em Porto Alegre, no final de 2021, a IPSul realizou mais de 60 mil intervenções, ou seja, manutenção em vias públicas. No ano passado, foram instaladas mais de 22 mil luminárias de LED. Em março, o plano de modernização da iluminação atingiu o primeiro marco, com mais de 50 mil lâmpadas de LED instaladas em diferentes regiões da cidade.

A concessionária também faz um trabalho de restauro dos postes históricos da Rua dos Andradas, no Centro Histórico de Porto Alegre. O trabalho, iniciado julho de 2021, abrange 43 postes, que receberão iluminação em LED. Os primeiros foram instalados em dezembro. Cada poste conta com aproximadamente 30 peças, que fazem parte da estrutura. Além da restauração física, o processo visa resgatar parte da história da cidade a partir desses postes. Já em 2022, a IPSul vem instalando 141 projetores LED para iluminação cênica de oito monumentos no Parque da Redenção. Entre os pontos, estão o Recanto Oriental, o Chafariz Imperial e o Monumento ao Expedicionário.

O engenheiro eletricista e especialista no segmento de iluminação e controle fotoelétrico Luciano Haas Rosito lembra que o debate sobre as lâmpadas LED no Brasil começou em 2012, em São Paulo. Atualmente, o sistema de geração de luz mais eficiente que se conhece é a lâmpada de LED, segundo Rosito. “Existem outras tecnologias para iluminação de interiores, mas que são menos eficientes, que é o LED orgânico. São aplicações bastante específicas. Para ambientes externos, há pesquisas com laser, mas não vi aplicação prática ainda.” Conforme o engenheiro eletricista, também diretor comercial da empresa Tecnowatt Iluminação, o LED ainda tem um bom espaço para evolução de sua própria tecnologia.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895