Pesquisas para conter o vírus

Pesquisas para conter o vírus

Os estudos mais emergentes, feitos no começo da pandemia no país, agora tomam novas conformações e aprofundamentos

Por
Maria José Vasconcelos e Vera Nunes

Após um ano de enfrentamento da pandemia do coronavírus no país, muitas dúvidas persistem e algumas certezas se confirmam. A importância da ciência e da pesquisa, assim como o uso de máscara para evitar a propagação da Covid-19, está consagrada. Unindo essas duas máximas, bolsistas da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo Programa de Pós-Graduação em Sistemas Mecatrônicos da Universidade de Brasília (UnB), desenvolveram um respirador facial que barra e inativa o coronavírus. De fabricação 100% nacional, a máscara é feita a partir de nanofilme que usa quitosana (fibra natural da casca de crustáceos). Assim, o equipamento tem ação antimicrobiana e maior capacidade de filtrar o vírus.

Chamada de Vesta, a máscara possui três camadas de tecido capazes de reter até 95% de partículas sólidas, líquidas, oleosas e aerossóis. “O diferencial é o nanofilme de quitosana, presente na camada intermediária, que é uma barreira física para o vírus, por interação química, e tem a propriedade de inativar o vírus” explica Angélica Kathariny de Oliveira Alves, engenheira eletrônica e integrante do projeto. O produto está em fase de ensaio clínico no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), em Brasília, e a expectativa é de que, em breve, seja submetido à aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para obter licenciamento tecnológico. Ver aqui.

Testes de Covid

Além de pesquisas, as Instituições de Ensino Superior (IES) também são importantes apoios à comunidade onde estão inseridas. Criado em meio à pandemia do coronavírus, desde maio de 2020, o Laboratório de Diagnósticos do Sars-Cov-2/Covid-19, da Universidade de Passo Fundo (UPF), vem auxiliando municípios da região Norte do RS. O serviço de diagnóstico da Covid-19 ocorre por meio de convênio entre a Fundação Universidade de Passo Fundo (FUPF) e mais de dez municípios da região. Até fevereiro deste ano, este laboratório da UPF realizou a análise de 3.964 testes, sendo 1.306 (32,95%) positivos para a doença. A unidade foi montada com equipamentos da Instituição, adquiridos por meio de recursos de projetos de pesquisa. A equipe de trabalho é formada por professores e funcionários da UPF e conta com o auxílio de estagiários contratados e treinados para auxiliar nos procedimentos operacionais do laboratório. “Os resultados foram e são surpreendentes: conseguimos montar uma estrutura adequada e equipe competente em pouco tempo e emitir laudos dentro dos prazos estabelecidos com os parceiros, que tiveram os laudos positivos ou negativos em tempo viável para dar os devidos cuidados aos seus munícipes”, destaca o coordenador do laboratório, Luiz Carlos Kreutz. Mais informações aqui.

Projeto Exactum

Já na Universidade Federal do Rio Grande (Furg), a colaboração para o combate da Covid-19 vem de um grupo de cientistas do Instituto de Matemática, Estatística e Física (Imef), que construiu um sistema destinado a contabilizar o número de infectados pelo coronavírus no RS. Com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapergs), o Projeto Exactum tem por objetivo transformar a ciência básica em tecnologia para auxiliar no processo decisório para o enfrentamento da Covid-19. Disponibilizada de forma on-line e gratuita, a ferramenta estima, com antecedência, o número de infectados em todo o Estado. Foi criada através de modelagem matemática e física, sendo disponibilizada por meio de mapas interativos, conforme as áreas definidas pelo governo estadual para o controle da pandemia. “Esta solução pode ser utilizada para auxiliar no planejamento de ações para o atendimento à demanda da população pelos serviços laboratoriais, ambulatoriais e hospitalares, entre outros”, explica a pesquisadora Dinalva A. Sales, uma das coordenadoras do projeto. O sistema pode ser acessado por qualquer cidadão; uma de suas grandes vantagens é a facilidade de uso da plataforma, sem necessidade de inserção de dados específicos. Os dados gerados pela ferramenta podem também auxiliar na criação de campanhas de conscientização da população sobre os avanços e os efeitos da pandemia. O site, que pode ser acessado em exactum.furg.br, traz duas opções de modelagem. Conferir detalhes do projeto aqui.

Máscaras protegem

Foto: Alina Souza

  • Um estudo desenvolvido por pesquisadores das universidades federais Ufrgs, UFCSPA (ambas na Capital) e UFPel (Pelotas), junto com a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre (SMS), revela o importante papel do uso de máscaras e do distanciamento social na prevenção contra a Covid-19.
  • Os resultados sugerem que o uso de máscaras reduz em 87% a chance de infecção. Além disso, o estudo conclui que pessoas que aderem, de moderada a intensamente, ao distanciamento social têm, entre 59% e 75%, menos chances de contrair o novo coronavírus.
  • O artigo está em fase preprint, que requer revisão dos pares.
  • Os pesquisadores partiram de uma lista da SMS, de 3.437 pacientes positivos para Covid-19. Após algumas triagens, contataram 271 pacientes e aplicaram um questionário sobre uso de máscaras, grau de adesão ao distanciamento e frequência de atividades fora de casa.
  • Como grupo-controle, foram usados resultados de 1.396 testados pelo estudo Epicovid, liderado pela UFPel, que observa a prevalência de infectados pela Covid-19.
  • Um dos pesquisadores, Bruce Duncan, da Faculdade de Medicina da Ufrgs, afirma que, com base nos dados coletados no início da pandemia, é possível afirmar que essas medidas têm papel importante na prevenção da doença.
  • A adesão moderada ou alta ao distanciamento social foram fortemente protetivas, representando risco, entre 72% e 75%, menor. E o uso da máscara foi associado a risco 87% menor de contrair o vírus.
  • Documento do comitê ressalta: “Algumas opções são duas máscaras de pano; uma cirúrgica com máscara de pano por cima; ou uma máscara do tipo PFF2, com selo do Inmetro. O importante é que seja bem colocada, tapando nariz e boca e sem deixar vazar o ar (foto). E para caminhar ao ar livre, em locais sem aglomeração, pode ser usada uma máscara simples”. Conferir aqui.

Biossensor portátil

Pesquisadores do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDTec) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) desenvolveram um dispositivo biossensor portátil para o diagnóstico, em tempo real (Point of Care), da Covid-19. O grupo de pesquisa que criou o sensor é chamado de “Novonano” e liderado pelo professor Neftalí Lenin Villareal Carreño, do Programa de Pós-Graduação em Ciência e Engenharia de Materiais. A inovação é funcionalizada com antígenos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia, responsável pelo projeto de desenvolvimento de diagnósticos para a Covid-19, financiados pela Fapergs. De acordo com os pesquisadores, este protótipo poderá servir para o diagnóstico de outros tipos de patologias, permitindo gerenciar doenças e antecipar condutas terapêuticas.

A equipe segue focada no desenvolvimento do dispositivo e na otimização de uma plataforma que possibilite a detecção direta do vírus de forma menos invasiva. No momento, os responsáveis estão trabalhando na validação de diagnóstico do SARS-CoV-2 diretamente das amostras biológicas, o que deve facilitar a tomada de decisão para o tratamento precoce. E a previsão é que se tenham resultados mais robustos neste 1° trimestre de 2021. “Naturalmente, o sistema de saúde será o principal foco de atuação desta tecnologia”, afirma Neftalí Carreño. Mais informações aqui.

Materiais Antimicrobianos

Uma pesquisa realizada por meio de parceria entre a Universidade de Caxias do Sul (UCS), através dos programas de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais e em Biotecnologia, com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) é dedicada ao desenvolvimento de materiais com atividade antimicrobiana para aplicações relacionadas à saúde. A ideia é modificar superfícies de tecidos, polímeros e metais de uso hospitalar visando à redução/eliminação do coronavírus e de outros microrganismos.

Pesquisadores de UCS, Unicamp e UFSC desenvolvem estudos voltados a desenvolver materiais com atividade antimicrobiana para aplicações na saúde. Foto: Carlos Figueroa / UCS / CP

No estudo serão utilizadas técnicas de PDV (deposição física de vapor) para deposição de nanopartículas e filmes finos de cobre e seus óxidos. “Os resultados obtidos viabilizarão a produção de EPI inédito, com ação antimicrobiana com ênfase no SARS-CoV-2”, projeta o pesquisador Carlos Alejandro Figueroa, da área do conhecimento de Ciências Exatas e Engenharias, que coordena o estudo na UCS. A inovação está no uso de cobre em lugar da prata. “O diferencial mais importante é que não usamos metais pesados (a prata é a mais difundida, mas possui impacto ambiental e relativa citotoxicidade). Não se relata impacto ambiental do cobre e não há citotoxicidade de contato com a pele. Além disso, é mais barato que a prata”, conta o professor, reforçando a importância de se considerar o impacto dos descartes de EPIs antimicrobianos contendo prata no meio ambiente.

Carlos Figueroa revela que, atualmente, a equipe concentra-se em amplo estudo sobre o estado da arte referente ao tema, o mapeamento do conhecimento relacionado. “Nossos objetivos focam nas propriedades do cobre e seus óxidos, o óxido cúprico e o óxido cuproso, alguns dos materiais mais promissores para aplicações biomédicas devido ao efeito antimicrobiano intrínseco do cobre, que é capaz de oferecer um efeito biocida contínuo”. Por esse motivo, a inserção de superfícies revestidas ou incorporadas com cobre ou óxidos de cobre para aplicação na saúde pública vem sendo encorajada – sua implantação atuaria não apenas no combate ao SARS-CoV-2, mas a qualquer infecção que pode ser contraída pelo toque em superfícies com cargas virais e bacterianas. “Quando aplicada nos ambientes de saúde, se torna uma próspera, se não essencial, medida de combate às infecções hospitalares, via redução de carga microbiana (vírus e bactérias).” Os materiais a serem desenvolvidos no projeto visam reduzir a carga microbiana em superfícies (maçanetas, bandejas, aparelhos médicos, etc.) e ambientes fechados (hospitais, ônibus, asilos, frigoríficos, etc.). Ainda, podem ser desenvolvidos tecidos antibacterianos/antivirais (EPIs) e antifúngicos. Mais dados aqui.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895