Pouca chuva no verão e custos muito altos preocupam citricultores gaúchos

Pouca chuva no verão e custos muito altos preocupam citricultores gaúchos

O Rio Grande do Sul deve colher 500 mil toneladas de citros, a maior parte, 300 mil toneladas, de laranjas cultivadas em mais de 14 mil hectares de pomares espalhados pelo interior do Estado. Segundo a Emater/RS-Ascar, está projetada também a produção de 170 mil toneladas de bergamotas, em uma área de 10 mil hectares, e mais 15 mil toneladas de limões

Citricultores temem não ter rentabilidade para fazer frente ao que precisaram gastar, por exemplo, em fertilizantes, mesmo se obtiverem bom volume de frutas para comercializar

Por
Patrícia Feiten

Das populares laranjas valência, do céu, navelina e salustiana às cultivares de tangerina dekopon e satsuma okitsu, de origem japonesa, e ao híbrido limão meyer, o pomar do produtor João Griebler tem de tudo. Os 150 hectares dedicados à fruticultura em sua propriedade em Aratiba, no extremo norte gaúcho, produzem 26 variedades de cítricos e refletem a bem-sucedida aposta da família Griebler na diversificação – nas palavras do próprio produtor, uma forma de “não colocar todos os ovos na mesma cesta”. Às vésperas da colheita, que ele planeja começar em 20 de maio, o citricultor espera contabilizar, nesta safra, 3 mil toneladas apenas de laranjas e bergamotas, mil toneladas a mais que no ano passado. 

“Este ano temos árvores novas que não estavam produzindo no ano passado”, comenta Griebler. Nesta safra, sua grande preocupação se traduz em cifras. Ele teme que o resultado das vendas não seja suficiente para compensar as despesas e garantir rentabilidade. “Não tem como reduzir despesas no pomar, já temos frota própria para transporte da fruta”, afirma.

Em todo o Rio Grande do Sul, a produção de frutas cítricas neste ano é estimada pela Emater/RS-Ascar em 500 mil toneladas. A maior parte desse total – 300 mil toneladas – é de laranja, cultura que ocupa 14,4 mil hectares plantados. Os pomares de bergamota, que somam 10 mil hectares, prometem em torno de 170 mil toneladas, e a colheita do limão deve ficar em 15 mil toneladas, segundo o assistente técnico em fruticultura da Emater Luiz Ângelo Poletto. 

Tratos culturais das plantas foram feitos para driblar os efeitos do estresse hídrico e do calor, que no verão proporcionou a proliferação de insetos. Foto: Emater/RS-Ascar / Divulgação

Em razão da estiagem enfrentada pelo Estado no verão, em plena fase de desenvolvimento das culturas, a colheita de cítricos deste ano deverá revelar frutas de calibre menor. “Acreditamos que, com a chuva recente, houve uma melhora na qualidade e vamos atingir uma quantia normal de produção”, avalia Poletto. Apesar da estabilidade no número de citricultores em atividade, ele diz que esse segmento do agronegócio vem se fortalecendo no Rio Grande do Sul e se transformando na principal fonte de renda de muitas propriedades rurais. “Os produtores estão aumentando a área e a produção, estão se especializando e se tecnificando”, destaca. 

Em Liberato Salzano, uma das principais regiões produtores de laranja, as variedades precoces da fruta foram as mais afetadas pela escassez hídrica. “Ainda estamos aguardando as plantas se desenvolverem mais, desde o retorno das chuvas, para um levantamento mais preciso”, explica o presidente da Associação dos Citricultores de Liberato Salzano, Leandro Rubini. Ele calcula perdas de 25% a 30% nos pomares do município, que concentra 400 citricultores e destina 80% da produção às indústrias de sucos. 

No Vale do Caí, a estiagem teve efeitos distintos nos pomares de bergamota e, nas áreas mais prejudicadas, são previstas perdas de 30% a 40%, segundo a produtora Elisandra Kehl. “Os pomares mais velhos, com raízes mais profundas, se recuperam mais facilmente, mas a maioria dos citricultores vai ter pouca bergamota este ano”, afirma Elisandra, que é presidente da Associação dos Citricultores do Vale do Caí. Os apreciadores da fruta, porém, não deverão perceber esse impacto nos expositores dos supermercados, garante Elisandra. “Como os produtores plantaram mais, talvez não chegue a faltar”, afirma.

Laranjais de João Griebler, no município de Aratiba, devem render mais de 3 mil toneladas da fruta na colheita deste ano. Foto: João Griebler / Arquivo Pessoal

Com 7,5 hectares, a propriedade da família Kehl, em Montenegro, colheu no ano passado mais de 2,5 mil caixas de bergamota (em torno de 65 toneladas). Mesmo com a captação de água de dois açudes, Elisandra diz que a safra de 2022 será 50% menor. Para a comercialização da produção, a citricultora espera que a oferta menor contribua para elevar a até R$ 50,00 o preço da caixa da bergamota montenegrina, que chegou ao mercado no outono de 2021 com valores de R$ 35 a R$ 38. “Compradores de São Paulo e do alto Uruguai, onde a seca castigou um pouco, estão vindo para cá, isso vai dar uma mexida no mercado este ano”, prevê Elisandra. 

Raleio da fruta verde abastece indústria da perfumaria

Nos pomares sob a atenção do agricultor Ernesto Kasper, em Montenegro, a colheita da bergamota começa apenas na segunda quinzena de agosto e se estende pela primavera. Cada um dos cerca de 4 mil pés cultivados no sistema agroecológico em 15 hectares, ocupados na maior parte pela variedade montenegrina, devem entregar até duas caixas da fruta (que correspondem a cerca de 55 quilos), destinadas à produção de sucos orgânicos. Neste início de outono, o trabalho ainda é focado no chamado raleio, a remoção dos frutos menores e verdes para evitar a sobrecarga das árvores e garantir o bom desenvolvimento das bergamotas que ficam nos galhos. O tamanho desta safra preliminar depende das dimensões de cada planta, explica Kasper. “No raleio, em uma planta média com 10 a 15 anos de idade se colhe de uma a duas caixas de fruta verde”, diz o produtor. 

Pequenas, mas não menos valiosas, as bergamotas do raleio servem à produção de óleos essenciais, que são extraídos da casca da fruta e usados nas indústrias de perfumaria, cosméticos e produtos de limpeza. A extração é realizada pela Ecocitrus, cooperativa de citricultores orgânicos fundada por Kasper em Montenegro que conta com uma unidade de processamento de sucos e óleos essenciais. 

Bergamota verde é retirada das árvores no meio do ciclo de crescimento para que os demais frutos amadureçam com calibre adequado até a colheita. Foto: Mauro Schaefer / CP Memória

Segundo o citricultor, os mais de 100 associados da agroindústria obtém hoje em torno de R$ 18 por caixa de fruta verde. Quase toda a produção de óleos, assim como a de sucos, é vendida a países europeus, como França e Alemanha. “(O óleo) é uma forma de agregar valor; além de ter o diferencial de orgânico, a gente se empoderou do processo de extração, e isso facilita a comercialização”, afirma Kasper. 

Apesar da grande demanda internacional pelos óleos, ele diz que a ampliação da produção requer uma mudança de mentalidade. “Temos dificuldade em convencer um produtor convencional a se tornar um produtor orgânico”, observa. Com capacidade instalada para processar 17 mil toneladas de frutos por ano, a Ecocitrus foi criada em 1994. A cooperativa tem certificações internacionais, como as do IBD, maior certificadora orgânica da América Latina; a da Flo-Cert, braço da organização Fairtrade que emite certificados de comércio justo, e o Selo Demeter, que atesta a prática da agricultura biodinâmica em algumas propriedades.

Estiagem diminuiu tamanho da bergamota

Na vizinha Maratá, o citricultor Márcio Hansen está finalizando o raleio da bergamota caí na propriedade onde cultiva 10 hectares com citros. “Vai dar umas 2 mil caixas, em torno de 50 toneladas de bergamota verde”, estima o produtor, que destina as frutas verdes a unidades de extração de óleos essenciais em três outros municípios do Vale do Caí. A partir de maio, Hansen projeta colher de 150 toneladas a 200 toneladas das variedades caí, pareci e morgote, metade do volume obtido na safra anterior. A estiagem que vem prejudicando os resultados do pomar há três ciclos consecutivos também diminuiu o tamanho das frutas, embora sem comprometer as características e o sabor. “É difícil explicar para o consumidor, pois (o brasileiro) quer uma fruta graúda”, comenta Hansen.

Enquanto aguarda a concretização de medidas preventivas contra as secas recorrentes no Rio Grande do Sul – ele é um dos produtores beneficiados com açudes que serão implantados no município pela Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR), por meio da Emater/RS-Ascar –, o citricultor busca alternativas para driblar os custos do pomar, que dispararam desde a invasão da Ucrânia pela Rússia. O país euroasiático é o principal fornecedor de fertilizantes para o Brasil, e a guerra resultou em escassez do produto. Uma das soluções adotadas por Hansen foi o uso de bioinsumos. O produtor conta que costuma fazer cinco aplicações de adubo por ano, sendo que em apenas um desses procedimentos eram usados fertilizantes orgânicos. “Neste ano, são três aplicações com químico e duas com esterco de ave”, explica.

Diante da pressão exercida pela planilha de custos, a comercialização da bergamota gera expectativas. Em conversas com grupos de citricultores no Whatsapp, Hansen constatou que alguns estão negociando a fruta atualmente por valores entre R$ 60,00 e R$ 80,00 a caixa. Com a entrada da nova safra no mercado e o consequente aumento da oferta, os preços devem recuar, prevê o citricultor. Para cobrir as despesas do pomar, ele calcula que terá de vender a produção por pelo menos R$ 30,00 a caixa, ante preços de R$ 20,00 a R$ 25,00 negociados na safra passada. 

Hansen, produtor do município de Maratá, estima colher de 150 toneladas a 200 toneladas de bergamotas das variedades caí, pareci e morgote a partir de maio, na safra de 2022. Foto: Adriane Hansen / Divulgação

O citricultor Evandro Nedel, de Pareci Novo, já deu início aos trabalhos de colheita em seu pomar, que totaliza em torno de 12,6 mil pés de bergamotas das variedades caí, pareci e montenegrina. Apesar dos transtornos causados pela estiagem, ele diz que as plantas se recuperaram bem e espera colher uma média de duas caixas de frutas (em torno de 50 quilos) por planta. 

A grande incógnita é a rentabilidade da atividade. Nedel estima que as despesas totais com o pomar – incluindo os tratos de controles sanitários, compra de fertilizantes e contratação de mão de obra – tenham aumentado pelo menos 40% nesta safra. Compensar essa disparada dos custos com repasses aos preços dos produtos, que dependem da comercialização em grandes volumes, porém, pode ser um desafio. “A gente sente que existe uma recessão no varejo, um quilo de fruta não está barato, mas ainda espero um ano bom”, comenta. 

O cultivo de frutas cítricas no Rio Grande do Sul ganhou nesta safra um aliado tecnológico. Pela primeira vez, servidores da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) utilizaram drones na inspeção de pomares nos municípios de Constantina, Liberato Salzano e Iraí. 

A fiscalização ocorreu de 14 a 18 de março de 2022, e a ferramenta permitiu identificar áreas em que os pomares de bergamotas, laranjas e limões apresentavam colorações diferentes, indicando clorose causada por alguma doença ou causa ambiental, como a estiagem.

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895