Práticos garantem segurança no porto

Práticos garantem segurança no porto

Em um trabalho que requer profundo conhecimento sobre seu local de atuação, esses profissionais vão até as embarcações e trazem o navio até atracar nos portos

Trabalho dos práticos no Porto de Rio Grande

Por
Angélica Silveira

Quando se visita um porto, muitos se perguntam como é possível grandes navios atracarem e saírem dos locais com segurança. Isto se deve aos práticos. Em Rio Grande, no maior porto do Estado, 23 pessoas trabalham na função, apesar de a lotação ser para 26 práticos. Alguns se aposentaram ou estão em licença-saúde.

O ex-diretor presidente e atual diretor de Operações da Praticagem da Barra, Guido Cajaty, conta que eles são divididos em grupos e sete trabalham no mesmo horário. “Quando um navio se aproxima para entrar no porto, a praticagem é acionada. Um prático se desloca de lancha até a embarcação e traz o navio até atracar ou fundear (ancorar) dentro do porto”, explica. O profissional também participa do reverso, quando um navio deixa o porto. A praticagem é novamente acionada e o prático entra a bordo para assessorar na saída. O trabalho termina quando a embarcação chegar a área segura. Então ele desembarca e retorna de lancha ao porto.

O embarque dos práticos ocorre bem antes de chegar o canal de acesso ao porto. “Embarcamos 16 a 20 quilômetros da praia, para dar tempo de chegar a bordo, entender como o navio funciona, passar para o comandante as características e condições ambientais do momento, para que possa passar características e condições do navio dele para que em conjunto se consiga o objetivo de todos que é atracar o navio com segurança.” O trajeto leva em torno de 40 minutos de lancha e, após o embarque, outras duas horas até chegar em frente ao terminal e encostar. A manobra de encostar e amarrar o navio leva menos de uma hora. A praticagem funciona 24 horas todos os dias e os sete práticos de plantão ficam organizados em uma fila durante o período de trabalho, que é de sete dias, se revezando para atender os navios. “Dependendo do período do ano e do movimento no porto, o período de descanso varia de uma a duas semanas”, relata.

No RS, há duas zonas de praticagem, a de Rio Grande e a da Lagoa dos Patos e Terminais Interiores. Neste último caso são 12 vagas e nove atualmente atuando. “Estes pegam o navio já dentro do Porto de Rio Grande e levam para todos os terminais de interior (entre os quais estão Pelotas e Porto Alegre) da Lagoa dos Patos para atracar, ou seja, eles não vão até alto-mar”, confirma.

Paixão pelos esportes de água e pela profissão que era do pai

Como o pai trabalhava como prático, Cajaty, que nasceu em Brasília há 41 anos, com 14 anos se mudou para Rio Grande. “Tem 27 anos que moro em Rio Grande. Estudei na cidade e quando fiz o processo seletivo para prático optei por ficar em Rio Grande.” Cajaty conta que quando era mais jovem olhava para o pai e pensava que queria fazer a mesma coisa quando se tornasse adulto. “Achava a coisa mais legal do mundo. O meu pai ia lá de lancha, subia em um navio pela escada, que ficava pendurada na borda e trazia a embarcação para atracar com segurança, com comandantes de vários locais do mundo. Desde os 14 anos, sou apaixonado pela praticagem”, admite.

Cajaty lembra que sempre foi velejador e sempre gostou muito de fazer esportes que envolvessem água, barco ou prancha. “Vim para Rio Grande apaixonado pela profissão, por ser a do meu pai, e sempre admirando os movimentos dos navios e dentro de água. Sempre manobrando barcos a vela, prancha, andando pelo canal de Rio Grande. Às vezes converso com os comandantes e digo que conheço o canal muito bem, pois já passei remando, velejando, de navio, de lancha, já nadei”, observa.

Para ele, juntar o mundo marítimo a bordo dos navios é legal, mas tem também a parte difícil, que é ficar muito tempo longe de casa, o que não é o caso de Cajaty. “Em Rio Grande, como prático, é possível ir para bordo do navio e voltar para casa todos os dias. É uma profissão que consegue juntar o melhor dos mundos, muito contato com a natureza, manobra com navios e algo que acho muito legal que quebra um pouco da rotina”, opina. Ele conta que em um dia de trabalho é possível trabalhar na madrugada com um navio de contêineres, um graneleiro menor pela manhã e à tarde uma balsa pequena, por exemplo. “Sem contar conversar com um comandante grego no primeiro navio, um filipino no segundo. Eu acho muito interessante estar sempre nessa variedade, conversando com pessoas diferentes e trabalhando em horários diferentes”, completa.

Cajaty também gosta da parte técnica. “Como é a mesma profissão do meu pai, então a conversa na nossa família normalmente é sobre praticagem e os aspectos técnicos da manobra.” Em torno de 90% dos comandantes são de outra nacionalidade, então, Cajaty conta que a troca de informações sobre a situação de outros países também é positiva. “Com um ucraniano fico sabendo como está a guerra ou com outro uma história de um ataque de pirata sofrido quando passou próximo à costa da Somália e eu conto como estão as coisas no Brasil. Isto até o momento que precisamos de fato manobrar o navio, que é algo que me encanta”, observa. Em Rio Grande, ele mora a cerca de 20 minutos de distância da estrutura operacional da praticagem, o que não acontece em portos em outros locais. “O prático que mora em Recife, Pernambuco, tem o local de trabalho a uma hora e 30 minutos de distância, então não pode esperar o navio confirmar para se deslocar. Ele precisa estar na estrutura operacional. Em Rio Grande, eu vou para casa e, quando o navio está se aproximando, consigo me deslocar para a estrutura operacional”, compara.

Para atuar, é necessário fazer concurso público

Trabalho dos práticos no Porto de Rio Grande | Foto: Guga Volks/Especial/CP

O processo seletivo para o cargo de prático é nacional e, de acordo com a colocação, o profissional pode ir para qualquer porto do país. Não existe a opção de posteriormente pedir transferência. “Como a profissão exige um conhecimento peculiar muito grande daquele local, não existe transferência. Caso eu queira ser prático no Rio de Janeiro, por exemplo, terei que passar por outro processo seletivo e cumprir todo o período de praticante novamente”, justifica.

Ele compara o período de praticante com a residência em um curso de Medicina. “O período vai de um a dois anos. Depois de aprovado no processo seletivo, a pessoa vai a um local adquirir o conhecimento específico. Durante um período mínimo, o trabalho é acompanhado por um prático habilitado que passa estas informações.”

Cajaty conta que, ao final do seu ano de treinamento, já havia realizado aproximadamente 750 manobras. “Então, em março de 2010, solicitei para a Marinha que me avaliasse para então me tornar prático.” A Marinha do Brasil é o órgão que regula o serviço, organiza o processo seletivo e fiscaliza.

Regulado pela lei do tráfego aquaviário, o serviço da praticagem nada mais é do que assessorar o comandante de um navio, o que é exigido em áreas onde as peculiaridades locais dificultam a livre e segura movimentação da embarcação. “Não é necessário prático em alto-mar, pois não há peculiaridade local, que dificulta a livre segurança do navio, mas quando se aproxima de um porto sim. Para que se garanta que não vá ocorrer nenhum acidente.”

A praticagem é uma profissão marítima muito antiga e pouco compreendida pela maioria das pessoas. O primeiro relato de praticagem por escrito existente tem por volta de 4 mil anos. No Brasil, a praticagem foi instaurada em 1808, logo após a chegada da Família Real e a abertura dos portos às nações amigas. Em Rio Grande, a praticagem foi estabelecida em 1846.

O prático trabalha com o binômio que é segurança e eficiência. “Não posso, como prático, pensar em fazer manobras só 100% seguras, só de dia, com correnteza e vento fraco, navios bons com oito rebocadores, isto tornaria o porto totalmente ineficiente”, observa Cajaty. Ele lembra que também não é possível não considerar a segurança e aceitar fazer qualquer manobra, com qualquer condição climática, em qualquer horário. “O nosso trabalho é fazer o gerenciamento e mitigação dos riscos envolvidos para garantir que não ocorra nenhum acidente”, confirma. O objetivo é garantir para o Brasil, para o Rio Grande do Sul e para Rio Grande que aquele navio de bandeira estrangeira não vai entrar no porto e causar algum tipo de acidente e fazer o mesmo para o comandante, que os riscos que o porto oferece (correnteza, relevo submarino, altos fungos, acidentes geográficos e ventos) não vão prejudicar o navio.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895