Projeto cercado de incertezas

Projeto cercado de incertezas

Transporte em cápsulas de alta velocidade faria o trajeto Porto Alegre-Caxias do Sul em apenas 20 minutos

Por
Cristiano Abreu

Passados quase três anos da apresentação ao governo do Estado do Rio Grande do Sul, o projeto que pretende conectar Porto Alegre a Caxias do Sul com um transporte de alta velocidade em apenas 20 minutos, com direito a paradas em Novo Hamburgo e Gramado, permanece cercado de incertezas. Além do alto custo, há questões envolvendo o desenvolvimento da própria tecnologia e mudanças recentes neste mercado, ainda desconhecido até mesmo para os conglomerados econômicos que se aventuram nele.

A esperança de tornar realidade a construção do primeiro sistema de transporte por cápsulas de altíssima velocidade da América Latina em solo gaúcho nasceu em 19 de janeiro de 2021, pelas mãos da empresa francesa Hyperloop Transportation Technologies (HyperloopTT). De acordo com declarações do diretor da HyperloopTT na América Latina, Ricardo Penzin, o interesse do grupo francês no projeto gaúcho está mantido, apesar de reviravoltas do mercado.

No início de dezembro, a empresa de consultoria gaúcha Ecossis Soluções Ambientais foi contratada pelos franceses para buscar o licenciamento ambiental do projeto junto ao governo do Rio Grande do Sul. Um termo de referência já teria sido inclusive encaminhado à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). O passo seguinte é, de acordo com a empresa, elaborar o estudo de impacto ambiental da obra.

Até agora, a HyperloopTT já assinou acordos nos Estados Unidos, Emirados Árabes Unidos, França, Alemanha, Índia, China, Coreia do Sul, Indonésia, Eslováquia, República Tcheca e Ucrânia. O Brasil é visto como estratégico e, por isso, foi escolhido para ser o primeiro projeto do conglomerado europeu na América Latina.

Empresa de Elon Musk influencia o mercado

O nome é parecido, mas a iniciativa francesa não tem ligação com a Hyperloop One, fundada em 2014 pelo bilionário Elon Musk e que anunciou no fim de dezembro o encerramento das atividades. Contudo, mesmo sendo empresas diferentes, o fracasso do bilionário naturalizado norte-americano em desenvolver a tecnologia que ele próprio idealizou após anos de estudos avançados gerou especulações diversas sobre o futuro do transporte de alta velocidade através de cápsulas e túneis.

A extensão do sistema de transporte de Porto Alegre a Caxias do Sul seria de 129 quilômetros, percorridos em cerca de 20 minutos na velocidade máxima de 835 km/h

De acordo com publicações internacionais especializadas em tecnologia, a perda de investidores teria tornado a Hyperloop One inviável. Até hoje, Elon Musk implementou apenas um protótipo do sistema de transporte nos EUA. Em testes entre o aeroporto de Las Vegas e o centro da cidade, a obra custou cerca de 50 milhões de dólares. Fora ele, nenhuma das outras rotas propostas, uma no estado da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, e outra entre Europa e China, saiu do papel.

Estudo aponta viabilidade técnica e financeira

Questões envolvendo dificuldades técnicas não seriam o motivo do fracasso do concorrente norte-americano, o que é exaltado pela francesa HyperloopTT. Conforme a companhia, não há impedimento para levar adiante o projeto no Rio Grande do Sul. Os próximos passos já estão, inclusive, definidos.   

O projeto não prevê subsídios públicos, assim, a empresa francesa deve captar financiadores privados

Um estudo feito pela Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e apresentado pela HyperloopTT atestou no final de 2023 a viabilidade técnica, socioeconômica e financeira da execução. Durante a apresentação, o coordenador do estudo pelo Laboratório de Sistemas de Transportes da Ufrgs, Luiz Afonso Senna, afirmou ainda que o resultado é “extremamente animador e robusto”.

Na análise econômica, o projeto demandaria um investimento de 7,71 bilhões de dólares em 30 anos entre capital, despesas com infraestrutura, frota, estações e aquisições de terras, além de custos operacionais e impostos. A avaliação é de que a operação teria um prazo de retorno (payback) de aproximadamente cinco anos e meio a partir de receitas de passageiros, aluguel de lojas nas estações, publicidade e transporte de cargas. O payback completo ocorreria em um tempo maior: 14,7 anos.

A tarifa também foi estimada pela Ufrgs. Saindo de Porto Alegre, a passagem proposta no estudo é de R$ 30 até Novo Hamburgo, R$ 105 até Gramado e R$ 115 até Caxias do Sul.

Com o resultado do estudo em mãos, o trabalho da HyperloopTT é captar financiadores, uma vez que o projeto não prevê subsídio público. E vale ressaltar que a empresa francesa não teria participação na construção e na operação do serviço. Caso o projeto saia do papel, a previsão de construção do sistema é de cinco anos.

Como seria a rota no RS

O trajeto iniciaria no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, e terminaria no município de Caxias do Sul, com estações de embarque e desembarque nas cidades de Novo Hamburgo e de Gramado. A extensão do sistema de transporte por cápsulas seria de 129 quilômetros, percorridos em aproximadamente 20 minutos na velocidade máxima de 835 km/h. Entre a Capital e Gramado, a viagem foi estimada em 11 minutos e 20 segundos. Na comparação, a mesma viagem de automóvel convencional demora hoje 1 hora e 40 minutos.

O que diz o Estado

No que diz respeito ao governo gaúcho, o vice-governador Gabriel Souza destacou que até o momento foi assinado apenas um protocolo de intenções. Ele destacou ainda o avanço que a tecnologia representa, o que faz, segundo ele, o governo apoiar a proposta da iniciativa privada. “É um projeto revolucionário, que já tem protocolos de intenções, assinado com o governo, que tem uma sede fiscal da empresa no Rio Grande do Sul, com representantes em Caxias do Sul. Então, o governo do Estado é incentivador. Agora, é um projeto de iniciativa privada, tecnologia nova e em teste em alguns lugares do mundo. Então, torcemos muito para que funcione”, completou Souza. Além do licenciamento ambiental, o vice-governador afirma que o Estado também se comprometeu a atuar em questões envolvendo a ocupação de espaços públicos, eventualmente, ao longo do traçado pretendido entre a Capital e a Serra.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895