Protestos marcam Copa do Mundo

Protestos marcam Copa do Mundo

Manifestações de jogadores e torcedores contra o Catar, a Fifa e questões dos países participantes marcaram a fase de grupos

Ativista italiano invadiu o gramado na partida entre Portugal e Uruguai para fazer uma manifestação tripla: a favor dos direitos LGBTQIA+, dos protestos no Irã e contra a Guerra na Ucrânia

Não é novidade que, em se tratando de liberdade de expressão, o Catar não goza de índices animadores. O código penal do país, por exemplo, criminaliza relacionamentos LGBTQIA+, punidos com detenção. Lá, as mulheres estão sujeitas ao regime de tutela e precisam pedir “autorização” para tomar uma série de decisões. A própria organização do torneio admitiu, em entrevista à TV britânica TalkTV, que “entre 400 e 500 pessoas” morreram durante a construção dos estádios. Diante de tudo isso, já era de se esperar que um evento deste porte servisse como vitrine para manifestações de oposição ao governo e, de quebra, contra a Fifa. E a Copa tem sido pródiga neste sentido.

Antes do Mundial, oito seleções anunciaram que seus capitães jogariam com uma braçadeira escrito “One Love”, em suporte à comunidade LGBTQIA+. Diante da ameaça de sanções por parte da Fifa, no entanto, desistiram. “Como federações nacionais, não podemos pedir a nossos jogadores que se arrisquem a sanções esportivas, incluindo cartões amarelos", declararam Inglaterra, País de Gales, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Holanda e Suíça, em comunicado conjunto divulgado antes da estreia do time inglês. A França também fazia parte do movimento, mas comunicou anteriormente que não jogaria com o acessório por motivos semelhantes. 

Como resposta às ameaças de sanções, os jogadores da Alemanha levaram as mãos à boca na foto oficial antes do início da sua partida de estreia contra o Japão, simulando um gesto de censura. Enquanto os atletas tiravam a fotografia, a ministra do Interior, Nancy Faeser, usava, nas arquibancadas, a braçadeira "One Love". Ao mesmo tempo dos protestos no estádio, a Federação Alemã de Futebol (DFB) publicou em seu Twitter: “Os direitos humanos não são negociáveis”.

A Inglaterra também encontrou outra maneira de protestar: os jogadores se ajoelharam em campo antes dos jogos – na partida contra Gales, ambos os times realizaram o ato. Outra seleção que usaria a braçadeira “One Love”, a Dinamarca, protestou pela camiseta, que é monocromática e com o brasão apagado. “Esta camisa carrega uma mensagem. Não queremos estar visíveis durante um torneio que custou a vida de milhares de pessoas” afirmou a fornecedora esportiva Hummel. A ex-primeira ministra do país, Helle Thorning-Schmidt, assistiu ao jogo contra a Tunísia com as mangas nas cores do arco-íris, uma clara menção aos movimentos LGBTQIA+.

Os torcedores também protestaram. No jogo entre Portugal e Uruguai, um italiano invadiu o campo portando uma bandeira LGBTQIA+ e vestindo uma camiseta com mensagens a favor das mulheres iranianas e contra a guerra na Ucrânia. Depois de atravessar o gramado, foi detido pela segurança do estádio. “Após breve detenção”, o homem “foi liberado pelas autoridades sem consequências", afirma comunicado da diplomacia italiana. Na partida entre EUA e Gales, torcedores disseram que tiveram que tirar seus bonés coloridos para assistir ao jogo.

Antes do início do torneio, a Fifa disse que bandeiras e símbolos do "arco-íris" seriam permitidos. Um dia após o ocorrido com os bonés, a entidade também liberou mensagens de apoio aos protestos no Irã.

Torneio é palco frequente de manifestações nas arquibancadas

Para além de grandes jogos e lances memoráveis, as Copas são marcadas por manifestações políticas, muitas por parte dos atletas contra situações dos seus próprios países. Em 1978, por exemplo, o atacante brasileiro Reinaldo comemorou o gol de empate contra a Suécia com o braço direito erguido e o punho cerrado, inspirado no movimento dos Panteras Negras. A comemoração foi vista como um protesto contra os governos militares que estavam em vigor na América Latina, inclusive no Brasil e na Argentina, país-sede daquele ano.

Neste ano, a seleção iraniana protestou contra a situação do país. Na estreia, os jogadores não cantaram o hino. O Irã vive uma onda de protestos desde 16 de setembro, após o assassinato de Mahsa Amini, uma curda iraniana de 22 anos, que morreu três dias depois de ser detida pela polícia da moralidade por supostamente violar o código de vestimenta feminino. Segundo um balanço publicado no último dia 26 pela ONG Iran Human Rights (IHR), a repressão das autoridades deixou 378 mortos e cerca de 15.000 pessoas foram detidas. O país é extremamente rígido nas regras de controle às mulheres que, entre outras coisas, não podem frequentar estádios de futebol – diversas iranianas acompanharam, emocionadas, jogos nas arquibancadas do Catar, pois não podem fazer isso na sua terra natal.

Durante a Copa, jogadores iranianos foram questionados em entrevistas sobre representar o país diante do contexto atual. As perguntas deixaram os atletas desconfortáveis e causaram revolta por parte do treinador da equipe, Carlos Queiroz, que foi tirar satisfação com uma repórter da BBC. O Estado é uma república teocrática islâmica e declarações ou protestos realizados pelos futebolistas podem ter consequências para eles e para suas famílias. Segundo a CNN, a Guarda Revolucionária do Irã ameaçou de prisão e de tortura, caso acontecessem outros protestos na Copa.

Os torcedores do Irã também vêm protestando nas arquibancadas dos estádios. Alguns vaiaram o hino nacional e outros mostraram cartazes pedindo direitos para as mulheres no país. Muitos dos iranianos temem as consequências dos protestos e acusam o governo de enviar espiões ao torneio no Catar para registrar as manifestações.

Outras questões extracampo que aparecem nos Mundiais são os conflitos geopolíticos. Um exemplo emblemático é o confronto entre Argentina e Inglaterra em 1986, quatro anos após a Guerra das Malvinas – a seleção sul-americana venceu por 2 a 1 com gols de Maradona, um deles foi o famoso “La Mano de Dios”. Na Copa do Catar, EUA e Irã se enfrentaram pela segunda vez desde a Revolução Iraniana do final dos anos 70, que teve forte influência estadunidense. A conta norte-americana no Twitter publicou uma imagem do Grupo B, mas removeu o emblema da República Islâmica do centro da bandeira iraniana, gerando protestos.

O embate geopolítico entre Palestina e Israel é observado nas arquibancadas. Nenhum dos dois está participando do torneio, mas símbolos palestinos aparecem com frequência. Na partida entre Tunísia e França, um homem invadiu o campo com uma bandeira do território. Já os israelenses estão discretos, seguindo orientação do governo de não exibir objetos que representem o Estado.


Ex-primeira ministra da Dinamarca veste roupa com menção aos direitos LGBTQIA+ | Foto: MADS CLAUS RASMUSSEN / AFP / CP


Torcedor invade o campo com uma bandeira da Palestina no jogo entre França x Tunísia | Foto: ADRIAN DENNIS / AFP /CP


Iraniana protesta contra as ações do governo do Irã em relação às mulheres | Foto: GIUSEPPE CACACE / AFP / CP

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895