Quais os desafios da Constituição de 1988 para o futuro

Quais os desafios da Constituição de 1988 para o futuro

Especialistas de áreas como saúde, educação, política e segurança analisam os avanços que ainda precisam ser conquistados

Por
Mauren Xavier, Flávia Simões* e Carlos Corrêa

Já se foram mais de três décadas desde 1988, com o mundo e a sociedade mudando em determinados aspectos em uma velocidade que era inimaginável há 35 anos. Basta lembrar que a internet comercial só chegou ao Brasil em 1995 e o quanto tudo foi impactado a partir dali. Sendo assim, é previsível que os temas abarcados na Constituição estejam cercados de desafios que caberá ao futuro resolvê-los. Seja encontrar e incorporar à carta saídas para enfrentar as mudanças climáticas no meio ambiente, seja aperfeiçoar os mecanismos de distribuição e acesso à cultura para a população. O CP conversou com especialistas de várias frentes, que analisam quais são os principais avanços a serem conquistados nos anos que virão.

Trabalho

A tecnologia trouxe novos desafios para a legislação trabalhista e a questão dos trabalhadores por aplicativo é um caso prático que esbarra nessa tecla. Com uma possível regularização já avizinhada e um projeto de lei do Executivo quase indo para o Congresso Nacional, a medida ainda causa desconforto. As empresas, que integram o Grupo de Trabalho criado pelo governo federal para tratar do assunto, só cogitam firmar acordo caso a natureza jurídica delas seja definida como “intermediação do serviço”, e não “transporte”. Querem também estabelecer que não há vínculo trabalhista dos profissionais com as plataformas. O que, segundo o ex-procurador-chefe do MPT-RS, Rafael Pego, não ocorre. “Se tem um aplicativo que tu tens que habilitar, ele fixa as coisas como preço e padrões de conduta, tu não tens cliente direto e o cliente é da empresa ou da plataforma, ela que faz essa conexão, tudo isso é um elemento que denota controle. Até mesmo se a pessoa não atende ou desliga (o aplicativo) e é excluída por isso ou por (má) avaliação, aí tem um poder disciplinar, uma punição. Tudo isso é muito parecido com a subordinação clássica que a gente tem no Direito do Trabalho”, reforça. Esse debate, porém, já ocorre no judiciário, por isso a importância em tratar do assunto nas instâncias legais. 

A previdência social é outro fator que, apesar de revisto há poucos anos, precisará ser encarado novamente. Mas a saída possível para a regularização do sistema cruza dois problemas centrais, segundo Wagner Balera, diretor dos cursos de graduação e pós-graduação de Direito Previdenciário da PUC-SP: a inadimplência do Estado e o excesso de privilégios para as classes mais altas do serviço público. Uma reforma que vencesse esses impasses deveria, também, considerar outro pagador que não está recebendo a conta como deveria, o agronegócio. Hoje, no entanto, o “tapa buraco” da previdência é um remédio amargo para o povo brasileiro, trata do aumento da tributação.

Cultura

Em termos de futuro, o setor cultural parece esperar menos novas leis e mais a melhor aplicação das atuais. Ou então uma leitura mais social daqui para a frente, de modo a assegurar que a distribuição beneficie quem de fato precisa. “Têm coisas que não precisam do apoio do Estado. Basta fazer uma análise do contexto econômico que vai se ver que há casos que por si só no mercado se resolve. Um show, por exemplo, do Fábio Júnior. Isso é pago com dinheiro privado, se sabe que mesmo caso o ingresso seja caro, vai vender. Já outras atividades não existem sem investimento público, como teatro, circo e  dança, por exemplo”, observa Vítor Ortiz, ex-secretário-executivo do Ministério da Cultura e ex-secretário de Cultura de Porto Alegre, lembrando ainda que todo e qualquer investimento público feito precisa ter algum retorno para a sociedade. Neste sentido, observa ele, experiências recentes de uma distribuição mais ampla no setor cultural, como as Leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, precisam se tornar tendência daqui para frente.

'Têm coisas que não precisam do apoio do Estado. Um show, por exemplo, do Fábio Júnior. Isso é pago com dinheiro privado, mesmo com ingresso caro, vai vender'

Outro ponto importante é avaliar o próprio acesso. Neste sentido, há uma diferença entre o oferecimento e as condições sociais para que o evento seja de fato desfrutado. Mestre em Memória Social e Bens Culturais e diretor do Theatro São Pedro, Luiz Armando Capra Filho atenta para o fato de que nem sempre oferecer um ingresso gratuito é garantia de acesso à cultura para quem recebe. “Isso não necessariamente funciona assim. Se eu der um ingresso para uma comunidade, eles de fato conseguem chegar ao teatro, ter condução? Conseguem reconhecer que esse espaço também é deles? Que a cultura é de todos, inclusive para eles?”, questiona. Por isso, por mais que a carta de 1988 tenha trazido conquistas importantes, a reflexão precisa permanecer. “A Constituição antecipou uma série de questões. Por exemplo, o reconhecimento de culturas tradicionais, quilombolas, dos povos originários, da cultura indígena. Tudo está lá. Mas ainda há espaço para avançar”, acredita.

Direitos

Apesar dos avanços na conquista de uma série de direitos, como a garantia da retomada da liberdade de expressão e direito de reunião, ainda há uma série de avanços a serem conquistados nesta área, até mesmo pelas mudanças que a sociedade testemunhou ao longo dos últimos 35 anos. A começar pelo racismo. Ainda que hoje a prática seja considerada crime, a punição ainda é pequena para a proporção com que ocorre. Por isso, para o procurador do Estado/RS Jorge Terra, se faz necessário um movimento de reparação formal por parte do Estado. “Essa reparação não precisa ser necessariamente econômica. Pode acontecer, por exemplo, na forma da criação de um museu”, aponta, lembrando da importância, principalmente para os mais novos, em se reconhecer em figuras importantes. “Crianças negras no colégio se viam como associadas à escravidão. Isso gera um impacto, seja com ela ou os pais”, complementa Terra.

'Não é conferir privilégios, é ter os mesmos direitos. Precisamos de ações afirmativas e de uma lei específica aprovada em relação aos direitos específicos de uma comunidade que tem necessidades específicas'

As questões ligadas aos direitos da comunidade LGBT carecem de uma atualização ainda maior, visto que o tema sequer é citado de forma explícita na carta de 1988. O Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, de 2018, por exemplo, não avançou no Senado. “Não é conferir privilégios, é ter os mesmos direitos. Precisamos de ações afirmativas e de uma lei específica aprovada em relação aos direitos específicos de uma comunidade que tem necessidades específicas. Seria importante uma lei federal aprovada pelo Congresso Nacional para garantir esse direito e para sairmos dessa sombra da insegurança jurídica”, defende Izadora Barbieri, advogada especialista na área. Para a também advogada e sócia, Brenda Melo, a falta de espaço para discussão acaba sendo mais um entrave. “Temos pontos a avançar no Brasil na questão das pessoas trans-não binárias e intersexo. A falta de uma regulamentação médica, por exemplo, faz com que ocorram uma série de violências com esse segundo grupo”, completa.

Educação

No final da década de 1980, o desafio era ampliar o acesso à educação. Era conseguir reduzir o número de analfabetos. O saldo, após 35 anos, é positivo. Porém, apesar dos avanços, garantir acesso das crianças e jovens brasileiros à escola ainda não é uma questão totalmente resolvida. O acesso e, especialmente, a permanência e a distorção idade/série ainda são realidades, como aponta a pesquisadora e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Nalu Farenzena.

Se levar o estudante para dentro da sala ainda é difícil, garantir qualidade se vislumbra ainda mais complexo. O sétimo inciso do artigo 206 da Carta Magna prevê que deve ser garantido o padrão de qualidade. Porém, na prática, esse objetivo ainda está distante. Inclusive, o desafio tem até nome, ou melhor, uma sigla: CAQi (Custo Aluno - Qualidade Inicial). O indicador é responsável por fazer um cálculo entre a necessidade de investimento ao ano por aluno em cada etapa escolar. “Se em 1988 o desafio era garantir direitos e depois se avançou na equidade do acesso, agora se foca na qualidade”, resume Marcelo Lucio Ottoni de Castro, consultor do Senado e estudioso da área. Parte desse processo de elevar a qualidade envolve outros fatores, segundo os especialistas: a formação de profissionais e os parâmetros para avaliar a aprendizagem.

Desafio na educação passa por qualificar a aprendizagem / Crédito: Maria José Vasconcellos / Especial CP

Para o conselheiro do TCE-RS, Cezar Miola, em um olhar mais amplo, ainda é preciso avançar no Sistema Nacional de Educação (SNE), responsável por estruturar o regime de colaboração entre os entes federados. “É importante uma política nacional, que defina as competências de cada esfera. Está faltando esse regime (coletivo). E isso é importante para uma melhor oferta, que é o principal desafio do país”, diz Ottoni de Castro.

Essa estrutura perpassa ainda a questão do financiamento. “Entendo que a consolidação do Fundeb permanente, aprovado em 2020, é um desafio. Na mesma linha, é necessário evitar a destinação de recursos públicos sem estratégias e objetivos claros”, detalha Miola, defendendo ainda mecanismos para que a “educação não sofra com os ciclos econômicos e nem com as transições políticas deve ser uma meta prioritária”.

Meio ambiente

De todas as áreas presentes na Constituição, o meio ambiente talvez seja aquela que até o mais leigo dos brasileiros presume que vai necessitar de uma atenção especial nos próximos anos. Afinal de contas, não é preciso muito para testemunhar as consequências cada vez mais trágicas das mudanças climáticas no planeta. Por isso, algumas medidas surgem urgentes e, de uma forma ou outra, terão que ser incorporadas pelas leis. “Um primeiro desafio é reduzir a poluição. Porque essa emissão de gases leva sim a um aumento da temperatura. Talvez devêssemos ter, assim como temos um Código Penal e Civil, também um Código Ambiental em nível nacional”, afirma a professora de direito ambiental e constitucional da PUCRS e advogada Márcia Buhring.

'É preciso criar instrumentos que nos permitam encarar os desafios ambientais dentro da sua complexidade'

Há que se considerar, no entanto, que sucessivos governos - e não apenas no Brasil - já deram mostras suficientes de que sempre há um porém, um obstáculo no meio do caminho para atrasar as mudanças necessárias. Assim - e mesmo que questões ambientais não devessem ser tratadas como utopias, mas sim urgências - convém calibrar as expectativas. “É preciso criar instrumentos que nos permitam encarar os desafios ambientais dentro da sua complexidade. Como os instrumentos de avaliação de impacto ambiental. Trabalhamos muito na base do licenciamento da atividade por atividade.  Temos que começar a usar mais o zoneamento ambiental, a avaliação ambiental estratégica, que são instrumentos que vêm a atividade no seu todo, no seu contexto, e na sua interconexão com outras. Isso sim é planejamento ambiental sério e eficaz”, afirma Ana Maria Moreira Marchesan, coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do MPE-RS.

Há outro caminho que, se não é tão rápido, é muito mais perene: a educação. E neste sentido, Márcia Buhring, acredita que os jovens podem fazer a diferença nas questões de meio ambiente nos próximos anos. “A grande saída é a educação ambiental. A nova geração é melhor que a antiga em termos de educação ambiental”.

Saúde

Se a Constituição de 1988 representou um marco na área da saúde, também trouxe desafios. Especialistas na área convergem sobre a necessidade de constante aperfeiçoamento do sistema. Um desses pontos é o estímulo à prevenção. À frente da secretaria de Saúde de Porto Alegre, Fernando Ritter enfatiza que não é possível fazer ações de saúde pública sem a participação efetiva do cidadão, especialmente no que se refere à prevenção. “Quando não conseguimos solucionar um problema antes de o paciente chegar ao hospital, é porque falhamos”, cita, ao destacar a necessidade cada vez maior de ações junto aos diferentes públicos. “Precisamos avançar mais na área da comunicação e da prevenção”, complementa Ritter. 

E esse aspecto acaba convergindo para outros pontos, como os custos do Sistema Único de Saúde (SUS). "Porque ao financiar o SUS, o Estado tem que cobrar também das pessoas que adotem medidas preventivas", pontua o médico Eduardo Trindade, do Conselho Regional de Medicina do Estado do RS (Cremers). E quando se pensa em prevenção, cita-se campanhas no combate ao tabagismo, sedentarismo e obesidade. "Temos que pensar em começar a educar nossa população para esse cuidado com a saúde de forma a evitar a doença, porque senão a gente vai ter um sistema que vai chegar a um momento insustentável", destaca Trindade.

Aperfeiçoamento do Sistema Único de Saúde promete ser um dos nortes na área nos próximos anos / Crédito: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Outro elemento de debate é sobre a alta complexidade, que amplia o estímulo para tratamentos extremamente caros e deixa questões, como a baixa e média complexidade, de lado. Nesta linha, Ritter faz uma provocação sobre custo benefício das aplicações de recursos. “O que é mais vantajoso em uma cidade? Abrir dez leitos no hospital ou cinco unidades básicas de saúde? A resposta é: depende”, ressalta, citando que cada localidade tem suas demandas específicas.

Fernando Pigatto, do Conselho Nacional de Saúde, também defende o constante aperfeiçoamento do SUS, mas alerta para algumas ameaças. Um exemplo são os movimentos no sentido de privatizar os serviços da atenção básica, como se viu em algumas cidades, com a argumentação de melhoria na qualidade. Outro ponto são as vulnerabilidades provocadas pelas decisões de governo, como a Emenda Constitucional de 2018 que determinou o Teto de Gastos e retirou valores consideráveis que deveriam ser aplicados na área. “Em 2018, foi aprovada por unanimidade no plenário do Conselho Nacional de Saúde a Política Nacional de Saúde em Vigilância Sanitária, que orienta os governos a atuarem nessa área de vigilância epidemiológica, vigilância ambiental, vigilância da saúde do trabalhador. Todos os aspectos”. “A legislação é excelente, a concretização do que está na legislação depende obviamente da vontade política dos governos”, pontua Pigatto. 

Também depende do governo a decisão de implementar políticas que podem representar, depois, o agravamento de situações. Um desses casos, na avaliação dos especialistas, é saúde mental, que tem recebido cada vez mais atenção, e os atendimentos de média complexidade.

Política

Em 1989, os brasileiros foram às urnas eleger o primeiro presidente da República por meio do voto direto e secreto. Um marco à época, levando em consideração o período da Ditadura Militar e o processo indireto, que levou Tancredo Neves/José Sarney ao comando do Palácio do Planalto. Pouco mais de três décadas depois, dois presidentes retirados do cargo por processos de impeachment, a inclusão da emenda que permite a reeleição e uma grande pulverização partidária, os fantasmas em torno do processo eleitoral e político são outros. Na última eleição, por exemplo, para além do debate de ideias e propostas, que deveria de fato nortear as campanhas, outro personagem ganhou destaque: a urna eletrônica. Movimentos buscaram questionar a sua confiabilidade. Apesar disso, o processo transcorreu e a população elegeu o 39º presidente da República. 

'O compromisso deve ser o de manter todos esses princípios e esse patrimônio que a Constituição Federal trouxe'

Episódios como os descritos e vivenciados recentemente ampliam a necessidade de atenção com os possíveis ataques à democracia, assim como as regras, que regulam as engrenagens políticas. “O compromisso deve ser o de manter todos esses princípios e esse patrimônio que a Constituição Federal trouxe”, ressalta a presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RS), Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak. Neste mesmo sentido, o cientista político da Universidade Federal do RS (Ufrgs), Fabiano Engelmann, ressaltou que a Carta Magna construiu os princípios do regime decmorático, da federação e do modelo presidencialista. “As outras legislações representaram ajustes e também espelham as dinâmicas de relação de forças políticas que se apresentaram nos últimos 30 anos", explica.

Enquanto o Congresso Nacional discute neste momento a proposta de emenda à Constituição (PEC) que anistia os partidos que não cumpriram regras, especialmente, das relacionadas à presença feminina na política, Vanderlei Teresinha destaca que garantir e ampliar a representatividade de outros grupos da sociedade na política é um desafio. Ela cita, por exemplo, o fato de as mulheres representarem a maioria do eleitorado no Brasil e no Rio Grande do Sul, por exemplo, e, mesmo assim, ainda não estarem representadas com a mesma dimensão na política.

Segurança

A compreensão de que o cidadão deveria ser protegido, ao invés de reprimido, foi um marco da Constituição de 1988. Esse fator, entretanto, não resolveu os problemas da segurança pública no país – pelo contrário. Medidas posteriores precisaram ser implantadas para garantir uma execução, ainda que parcial, daquilo que pregava a Carta Magna brasileira. Mas, por óbvio, os problemas não foram sanados por completo. O Brasil ainda padece de números alarmantes e, dia após dia, casos de abuso de poder por parte de integrantes da segurança pública são divulgados. Logo, fica evidente uma necessidade de aprimoramento do sistema e, principalmente, o fim dos vestígios remanescentes de um período autoritário.

Apesar de cada estado e cidade ter a sua especificidade e fórmulas prontas não resolverem todos os problemas, alguns caminhos podem – e devem ser iguais. Aprimorar a cooperação e comunicação entre as instituições (guarda municipal, polícias militar e federal) é um desses caminhos; diminuir a cultura de violência dentro desses locais também. Além disso, especialistas defendem a criação de uma pasta específica para a área no governo federal. “Uma medida importante seria a criação de um Ministério da Segurança Pública, que já existiu e teve resultados interessantes”, defende Rodrigo Azevedo, pós-graduado em Ciências Criminais e professor de Direito da PUCRS. Com um ministério norteando, a integração entre municípios, estados e União em uma política nacional de segurança ocorreria com maior facilidade. “Para além disso, é preciso avançar em legislações que tratem da própria polícia (nos estados) discutir isso”, finaliza Azevedo.

Economia

Após 35 anos e algumas emendas, as linhas que tratam da questão econômica do país seguem sendo motivo de discordância e alvo de mudanças por parte de governantes. Apesar disso, a Reforma Tributária proposta pelo atual governo, que está sendo discutida neste momento no Congresso Nacional, não parece – na visão de alguns especialistas – uma saída viável para uma melhora no sistema tributário e nas finanças do país. O economista Gustavo de Moraes e o advogado tributário Rafael Wagner, convergem ao discordar: nenhum  dos dois acredita que a proposta deverá melhorar a vida dos cidadãos no quesito prático. 

Para Moraes, o projeto não ajuda – e talvez piore – algo que já não funciona bem. Trata-se da centralização de recursos nas mãos da União. Já  Wagner vai além. O advogado afirma que a medida é “disruptiva” por mudar substancialmente o sistema de arrecadações para um no qual “ninguém tem ainda a real compreensão de como isso vai ser vai ser absorvido pela sociedade”. Além disso, ele entende que a unificação dos cinco impostos hoje recolhidos pela União, estados e municípios, irá aumentar – ao invés de diminuir –  a carga tributária.

Na área econômica, reforma tributária é vista com desconfiança por especialistas / Crédito: Miguel Schinchariol / AFP / CP

A relação dos três poderes

Os desafios do Estado Democrático de Direito são grandes, apesar de a Constituição, mesmo com alguns ataques e contestações, ter se mostrado sólida e resistente. De uma forma geral, há princípios previstos na Carta Magna que ainda não foram atendidos na sua plenitude, o que representa um caminho a ser trilhado pelos próprios Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), dentro das suas funções.  A defesa dessas limitações também demonstra-se um desafio, especialmente no momento em que temas sensíveis à sociedade estão em debates, praticamente simultâneos nas esferas de Poder, como o caso do marco temporal das terras indígenas, que teve julgamento concluído no sentido de sua rejeição, ao mesmo tempo que no Senado, um projeto era votado confirmando o seu conceito. 

Especialistas da área do Direito defendem a maior atuação por parte do Legislativo, na regulamentação de legislações como um caminho para reduzir o processo de judicialização, que segue  crescente. Para o professor de Direito Constitucional, Darci Guimarães Ribeiro, para que haja o efetivo atendimento do que está previsto na Constituição é preciso que leis sejam cumpridas, o que ainda não é uma realidade atual, além do constante fortalecimento das instituições.  "Nós temos que ter instituições sólidas. Não existe sociedade que se desenvolva sem isso. É fundamental”, enfatiza.

'Nós temos que ter instituições sólidas. Não existe sociedade que se desenvolva sem isso. É fundamental'

Para tal, a diretora da Faculdade de Direito da Ufrgs, Claudia de Lima Marques, considera que a vigilância aos direitos adquiridos com a Constituição deve ser permanente, especialmente no momento político em que o diálogo é complexo e limitado. “Em momentos de pouco diálogo, em que há uma certa agressividade no ar em relação às posições diferenciadas, devemos manter as conquistas que já temos e preservá-las”, aponta.

 

* Sob a supervisão de Mauren Xavier e Carlos Corrêa

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895