Qualidade de vida para os pets

Qualidade de vida para os pets

Tratamentos, técnicas e serviços melhoram a saúde e o dia a dia de animais de estimação

Por
Taís Teixeira

Os animais de estimação ocupam cada vez mais espaço nos núcleos familiares. Assim como nós, muitos podem nascer com algumas doenças ou adquiri-las no decorrer da vida. Normalmente, ver o bichinho de estimação doente é um sofrimento para os tutores. Porém, a medicina veterinária vem disponibilizando mais variedades de tratamentos para obter diagnósticos precoces e cada vez mais precisos, que trazem, como consequência, mais bem-estar e prolongam os anos de vida desses companheiros.

Médica veterinária há quase 11 anos, Gabriela Becker da Silva se especializou para atender os problemas dos animais. Com o uso da fisioterapia, tratamento mais convencional, acupuntura, quiropraxia e ozonoterapia, ela aposta na medicina integrativa para oferecer melhores condições de saúde e mais tempo de vida aos animais juntos aos tutores. “Não são métodos excludentes, mas, ao avaliar o estado de saúde do animal, eu percebo qual tratamento é o mais adequado àquele momento e se pode ser associado ou não a outro”, explica. Os tratamentos não podem ser aplicados indiscriminadamente. É preciso ter um diagnóstico para avaliar qual método será mais eficiente para sanar o problema reportado naquele momento. Gabriela chama a atenção para a fisioterapia, tratamento que se caracteriza pelo uso de equipamentos, que, muitas vezes, é visto com desconhecimento. “Muitos tutores já pedem exercícios para fazer em casa com o animal já na primeira consulta, sendo que a fisioterapia é feita de fases”, distinguiu. A veterinária reforça que o exercício é um procedimento adotado nas fases finais, mas não no primeiro momento, em que o animal costuma chegar com muita dor e precisa ser tratado com analgesia.

A quiropraxia já se caracteriza pelo tratamento manual, por meio da palpação, com foco na mobilização dos ossos da coluna. “É um ajuste, um alinhamento feito na coluna para melhorar as condições de mobilidade”, esclareceu, frisando que, embora o foco seja a coluna vertebral, a técnica pode ser aplicada em outras partes do corpo. “É importante diferenciar que a quiropraxia para animais não é igual à dos humanos”, contou. As principais indicações são para pacientes que não sentem tanta dor e permitem a manipulação manual.

Já a acupuntura foi a primeira técnica a que ela se dedicou. Ela conta que muitos tutores duvidam que seja possível colocar as agulhas nos animais por serem muito agitados, mas que se surpreendem ao ver o resultado. “As agulhas vão sendo colocadas em pontos específicos e os animais vão relaxando.” O método atua no estímulo por meio de agulhas de 335 pontos. Por meio dessa aplicação, ocorre a liberação de hormônios produzidos pelo próprio organismo, agindo de forma profunda nos órgãos vitais. Gabriela também está habilitada a tratar com ozonoterapia. Segundo ela, a prática ajuda a estimular a produção de células bacterianas no intestino, cicatrizar feridas, entre outros.

Uma das pacientes da veterinária é a Brigite, uma Buldogue Francês de 9 anos. Ela deu início ao tratamento em junho de 2019, quando apresentou um quadro de cistite recorrente e hérnia discal por ter hemivértebra, um problema na coluna. “Após algumas sessões de ozonoterapia conseguimos estabilizar a infecção urinária e atualmente não tem mais cistite recorrente”, disse Gabriela. Ela segue tratando a coluna com acupuntura. Há um ano, desenvolveu um linfoma intestinal que trata com ozônio intrarretal e está estagnado.

A tutora, a dentista Mariana Menezes, disse que Brigite está caminhando melhor e que tem mais força nas patas traseiras com a associação de tratamentos. “Ela está com uma qualidade de vida melhor.” Mariana relata que a pet teve um problema muito sério de pele, mas que passou por uma recomposição rápida dos tecidos por meio da ozonoterapia. “Dava para ver os órgãos internos dela, mas a recuperação foi excelente”, relatou.

Outro tipo de tratamento novo é feito com uso de Cannabis medicinal, aplicada em pacientes com dores crônicas e quadros neurológicos acentuados que não respondem mais com tanta eficiência a outros tratamentos. Como é uma alternativa ainda considerada recente, há o Projeto de Lei 369/2021, que autoriza veterinários a prescreverem produtos à base de Cannabis sativa, erva que também é usada como droga psicoativa, popularmente conhecida como maconha, e proibida no Brasil para este fim. Segundo o texto, que tramita na Câmara dos Deputados, produtos com essas características poderão ser ministrados em animais por seus proprietários ou tutores desde que haja prescrição de médico veterinário habilitado. Os produtos deverão ser previamente autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou, caso sejam importados, por autoridades competentes no país de fabricação.

O veterinário Yuri Machado Lopes é tutor do Bruce, da raça Dachshund, mais conhecida como “salsichinha” ou “linguicinha”. O peludo vai fazer 17 anos em junho. Yuri contou que o cão iniciou a terapia canábica há dois meses devido a uma disfunção cognitiva, comparada ao Alzheimer em humanos, e também por sentir dores nas articulações. “Desde que começou o tratamento, ele teve aumento significativo do apetite, pois passou por uma internação e perdeu muito peso, que foi recuperado com o aumento de fome causada pela medicação”, contou. O tutor também disse que notou mudanças no equilíbrio do animal, alterações visíveis nas sessões de fisioterapia. “Ele está caminhando melhor.” Lopes relatou que ficou sabendo desse tratamento por meio de colegas e de muitos estudos que estão sendo divulgados. “O Bruce tinha alterações neurológicas, que não vejo mais nele uma movimentação no olho e não teve mais convulsões desde que começou essa terapia”, enfatizou o tutor e veterinário.

Cinomose

Cinomose canina é uma doença altamente contagiosa causada por um vírus da família Paramixoviridae, do gênero Morbilivírus que acomete principalmente os cães jovens. Sua transmissão ocorre por contato direto, através de aerossóis ou alimentos e objetos contaminados. Tem um período de incubação média de quatro dias e dentre alguns sintomas estão febre, catarro conjuntival, rinite purulenta, tosse, diarreia mucossanguinolenta e pústulas abdominais, podendo assumir também a forma nervosa

Medicamento ganha espaço, mas diagnóstico e uso corretos são fundamentais

O tema do uso de medicamento à base de Cannabis tem entendimentos plurais na Medicina Veterinária. O veterinário e presidente do Sindicato Médico Veterinário do Rio Grande do Sul (SimvetRS), João Batista Pereira Junior, ressalta que há muitos profissionais procurando cursos para se habilitar na indicação de tratamento à base de Canabidiol, substância derivada da Cannabis, mas que não concorda que os eles se apresentem como “canabidiolista”. “O curso ensina a ministrar o medicamento à base de Canabidiol, mas não dá essa chancela de ‘canabidiolista’, não há especialista em Canabidiol”, reitera, salientando que é preciso ter um conhecimento da molécula extraída para a produção de medicamentos, o que exige outro preparo.

O dirigente reforça que é necessário ter cautela quanto à temática e não deixar que o viés mercadológico interfira nos processos. “O uso do Canabidiol tem resultados, em especial como analgesia em processos de dores crônicas e é satisfatório em alguns quadros neurológicos, como na sequela de cinomose, mas não dá para generalizar e defender que é bom para tudo, como muitos profissionais têm propagado”, comenta. Ele recomenda atenção ao que os cursos estão ofertando para esse fim, que estão atraindo mais profissionais jovens do que os mais maduros.

A veterinária Viviane Machado Pinto, anestesista e docente há mais de 20 anos na Faculdade de Medicina Veterinária da Ulbra, receita medicamentos à base de Canabidiol há um ano. Ela relatou que o medicamento apresenta resultados efetivos quando aplicado como analgesia, atuando no controle da dor e em quadros de epilepsia, agindo no controle de convulsões. A docente explica que a pesquisa em medicamentos com essa substância já existe há muitos anos, mas que nos últimos cinco anos houve aumento no interesse de profissionais e de tutores por esse tipo de terapia. “O uso efetivo é para tratar doenças com dores crônicas, hérnia de disco, artrite reumatoide, artroses, epilepsia, entre outros.”

Viviane, que também tem mestrado e doutorado na área, esclareceu que a recomendação do tratamento com canabinoides depende do diagnóstico do paciente. Ela ressalta que, geralmente, os animais que chegam até ela já passaram por mais de um veterinário e já tomam mais de uma medicação, que não surte mais efeito, fazendo com que os tutores busquem outras soluções. “Por exemplo, o animal toma um anticonvulsionante, mas segue tendo convulsões, então entramos com os canabinoides para ver o quanto conseguimos melhorar esse quadro”, detalhou. No entanto, ela assinala que o medicamento pode ser ministrado como primeira alternativa e não necessariamente depois de outros tratamentos.

O medicamento é ministrado de acordo com o que será tratado. É disponibilizado em óleo no Brasil e é prescrito em gotas, com ingestão via oral. “Precisa ser em óleo para manter o princípio ativo”, comentou. Os canabinoides também podem auxiliar no tratamento de doenças dermatológicas (quando os animais se coçam muito) e distúrbios de comportamentos (animais agressivos ou com quadros de depressão). A formulação tem uma atuação global, mas não se pode dizer que é indicada para tudo, ainda há muitos estudos de comprovação”, destacou Viviane. A anestesista adiantou que há estudos que apontam para uma possível melhora em diagnósticos oncológicos, promovendo ação anti-inflamatória nesses casos, o que melhoraria o estado do animal.

Segundo dados da Abinpet (Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação), o Brasil já tem a segunda maior população de cães e gatos do mundo, com 44,3% dos 65 milhões dos lares brasileiros abrigando ao menos um cão, enquanto 17,7% têm ao menos um gato. O país conta com 52 milhões de cães e 22 milhões de gatos, perdendo apenas para os EUA, que contabilizam 73 milhões de cães e 75 milhões de gatos.

Cadeira de roda é uma alternativa viável para animais que não caminham

Além de tratamentos, equipamentos voltados para exames ou para melhorar a vida dos pets se diversificam. Um exemplo é a cadeira de rodas para animais que têm restrição parcial ou total de mobilidade. Esse item tem sido fundamental, já que a movimentação é vital para os animais Há 24 anos, o biomédico e técnico de laboratório do Hospital Escola Veterinário da Ulbra Sandro Cesar Pereira de Ramos percebeu que, apesar da multiplicidade de tratamentos, muitos animais não poderiam caminhar por terem sido acometidos por lesões irreversíveis. “Comecei a fabricar de brincadeira, para tentar suprir essa falta no mercado, principalmente no Rio Grande do Sul, e surgiu a oportunidade de fazer junto aos veterinários das áreas de neurologia e fisioterapia”, contou. Dessa brincadeira até hoje, passaram-se 15 anos dedicados à produção dessas cadeirinhas aqui no Estado. A construção do equipamento não segue um padrão, já que cada uma é feita para atender as necessidades de um animal específico. “Primeiro eu preciso entender porque ele deixou de caminhar, se foi por uma lesão, um problema de coluna, uma sequela de cinomose”, comenta Ramos.

O biomédico relata que compreender como está o animal é importante para verificar se é o caso de uma cadeira para patas traseiras ou dianteiras, por exemplo. “Depois que identificamos as causas, envio um vídeo para o tutor tirar as medidas do animal para iniciar a produção”, explicou. Quando fica pronta, é marcado o local de entrega para regular e fazer ajustes no animal. Atualmente, o técnico produz cerca de 15 cadeiras por mês. Elas duram, em média, de cinco a seis meses, conforme o comportamento do animal. “Alguns são muito agitados e estragam mais rápido”, explicou. Por isso, a manutenção geral deve ocorrer pelo menos uma vez ao ano, sendo que outros consertos, como troca do assento, que é de espuma e flexível, ou troca de rodas é feita de acordo com o uso. O preço varia. “De R$ 250,00 a R$ 580,00, conforme o porte do animal”, explicou. Já a manutenção é a partir de R$ 50,00.

A veterinária e docente Viviane Machado Pinto, que ministra tratamentos à base de canabinoides, fisioterapia, acupuntura, quiropraxia, fitoterapia e terapia neural, explica que a indicação para o uso de cadeirinhas deve ser precedida de um diagnóstico. “Nós percebemos se o animal tem perspectiva de voltar a andar sozinho ou está em recuperação”, relatou a profissional. Ela ressalta que há vários tipos de cadeirinhas, sendo algumas para ter locomoção, outras com um “pezinho” que ajuda a planificar a musculatura. “Quando eles perdem a capacidade de andarem sozinhos, muitos ficam deprimidos porque essa não é a natureza dele e a cadeirinha proporciona autonomia, qualidade de vida”, ressalta Viviane. Os cães costumam se adaptar com mais facilidade, o que não quer dizer que os gatos não consigam. “Os felinos têm mais restrições para adaptações e são ninjas. Enquanto se está preparando a cadeira, já estão dando um jeito de se locomover”, realça.

Aventuras de Pitta

Pitta já caçou galinhas e um tatu no sítio onde vive, na Lomba do Pinheiro, em Viamão. Junto com mais dois cães e um gato, todos adotados, ela não fica para trás quando o assunto é correr. Quem vê, nem pensa que Pitta é cadeirante desde os cinco meses. Ela vai fazer 4 anos. Aos 45 dias, foi encontrada na rua pelo seu tutor, o jornalista Rodolfo Rospide Junior. Um tempo depois, ela sofreu um acidente, que imobilizou as patas traseiras. “Ela estava triste, ficava só deitada.” Quando começou a usar a cadeirinha, o comportamento mudou. “Devolveu vida, o caminhar, o correr, ela sorri quando vou colocar a cadeirinha nela.” A adaptação foi imediata. “Ela saiu andando na hora, são as pernas dela”, diz. O equipamento também é usado na hora das refeições. “Antes ela comia deitada e tinha menos apetite, agora, se deixar, ela come na tigela de todos”, brincou. “Com a pandemia, eu vim para o sítio para ela ter mais espaço. Ela está feliz, corre por tudo, sou apaixonado por ela”, confessa.

Lazer para clientes de quatro patas

de saúde, outros serviços foram ampliados visando ao bem-estar dos animais de estimação. O que antes se restringia à rotina de pessoas, foi adaptado ao mundo dos pets. Um exemplo são creches e hotéis para os peludos, um segmento que está ganhando espaço com a inserção dos animais nas famílias. Enquanto a empresária Rafaela Graziottin e o marido trabalhavam fora, o cão Ogro ficava em casa sozinho. Foi essa situação que despertou em Rafaela o desejo de ocupar o tempo de espera do cão pelos tutores com atividades mais produtivas. Porém, na época, por volta de 2005, ela percebeu a ausência desse tipo de serviço no Estado. “Comecei a procurar e não tinha nada para fazer aqui no Rio Grande do Sul, mas em São Paulo já existia esse serviço de creche.” Rafaela também considerou a vontade de ser empreendedora e foi para São Paulo conhecer o serviço. “Decidi que ia colocar esse negócio no RS.”

Durante dois anos, ela e o marido se prepararam com cursos e treinamentos e abriram o negócio em 2008. A proposta era ser um centro voltado para lazer, recreação e socialização dos animais. “Não oferecemos tratamentos”, enfatizou. O trabalho oferece creche e hotelaria. A creche é apenas para cães. Hoje, uma média de 30 cães comparecem aos espaço por dia. “Eles têm uma rotina de brincadeiras, almoço, hora do sono”, explica, contando que cada um tem sua agenda com anotações de como foi o dia do pet. O “cão-aluno” passa por uma avaliação antes de ser aceito. “Nós não trabalhamos com animais que se exige o uso de focinheira para andar na rua”, explica, ressaltando que se o cão for de pequeno porte, mas não se mostrar confortável junto aos demais, ela prefere não integrá-lo ao grupo. Machos não castrados e fêmeas no cio também não entram. “É melhor para manter a supervisão segura”, comentou.

Já para gatos, que são animais menos socializados, há apenas a parte de hotelaria. “Eles ficam em suítes e não interagem com outros hóspedes”, explicou. Rafaela disse que nos últimos cinco anos houve o aumento da procura por esse tipo de trabalho. “O convívio com animais mudou. Antes ficavam nas ruas e comiam restos de comida; hoje são membros oficiais das famílias e há a preocupação em oferecer o melhor”, explicou.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895