Quando o hospital ganha ensino e cor

Quando o hospital ganha ensino e cor

Há mais de 30 anos, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre conta com o Programa de Apoio Pedagógico Classe Hospitalar, que trabalha com crianças e adolescentes internados, promovendo atividades lúdicas e escolares

O PAP atende jovens até os 18 anos, por isso, as professoras precisam ajustar conteúdos e fases de aprendizado de cada um

Por
Ana Julia Zanotto*

No Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o estudo não para. Crianças e adolescentes internados podem seguir aprendendo, mesmo em situações adversas. No local, funciona o Programa de Apoio Pedagógico (PAP) Classe Hospitalar, da Escola Estadual de Educação Profissional em Saúde no HCPA, que atende as unidades de Pediatria, Oncologia Pediátrica, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Infantil, Psiquiatria da Criança e do Adolescente e Casa de Apoio.

Em meio aos tons pastéis dos corredores do Hospital, é possível encontrar cores, pinturas e desenhos. Na unidade Psiquiátrica para Crianças e Adolescentes, o espaço acolhedor chama atenção. Iniciado em 1990, na unidade Pediátrica, o programa pedagógico PAP se estendeu para a psiquiatria em 1997. Até 2022, a unidade era espalhada por mais de um andar do Clínicas. A professora Alice Souza Sá Brito, que atua no Programa há 9 anos, conta que ter um espaço específico para a realização de atividades pedagógicas foi uma conquista que facilitou o atendimento dos estudantes. Inaugurado em 22 de fevereiro de 2022, o local homenageia Maria Lucrécia Zavaschi, professora jubilada da psiquiatria e que segue contribuindo na unidade. 

O PAP atende jovens até os 18 anos. Por isso, com alunos em diferentes faixas etárias, as professoras Alice e Leandra Cecconi Jurie precisam ajustar conteúdos e fases de aprendizado de cada um. Para participar, ao serem internados, os pacientes passam por entrevista, junto com os familiares, para que a equipe identifique a situação escolar. “Acontece, muito, de os alunos chegarem e não estarem matriculados numa escola. E, infelizmente, ocorre entre os de maior vulnerabilidade social. Então fazemos contato com a Secretaria Estadual da Educação ou com a Central de Vagas do município, buscando que essa criança já saia daqui com uma vaga assegurada.” 

Após interação inicial com os familiares, as professoras contatam a escola para reunir materiais e informes visando dar sequência aos estudos do aluno. Alice explica que a comunicação com a escola é fundamental para que as atividades possam ser planejadas. “Os médicos querem muito que as crianças desenvolvam essas atividades”, completa.

O acompanhamento dos alunos é semanal, por meio de reuniões entre a equipe e os próprios pacientes e familiares. Nesses encontros, é relatado o andamento das atividades e feita a programação para a semana seguinte. “A meta é dar continuidade à rotina, como lá fora. É como acordar ou tomar café. Eles têm horário para tudo aqui. E o período da manhã é dedicado às coisas da escola”, diz Alice.

Além disso, há regras a serem seguidas pelos pacientes e familiares. Alice argumenta que podem variar, de acordo com a unidade. A Psiquiatria é uma das que mais possui rotina e regras. Logo que a internação é feita, a criança ou o jovem fica 48 horas afastado do celular. E após esse tempo, o uso é controlado, assim como saídas para passeios e demais atividades. Conforme o avanço, eles conquistam acesso aos eletrônicos e passeios. Assim também funciona o retorno à escola, que é gradual, seguindo a melhora do paciente.

“Eles continuam com atividades com a gente pela manhã. E, à tarde, vão para a escola. Mas, muitas vezes, o problema está na escola. Aí precisam readaptação.” Alice lembra que todo o processo se dá em contato entre a equipe e a escola, de modo a facilitar a volta do aluno à sala de aula. 

Ambiente colorido e lúdico, feito pela equipe Arquitetos Voluntários, auxilia no processo de aprendizagem das crianças e dos jovens. Para a professora Alice, o espaço é uma conquista do Programa | Foto: Guilherme Almeida

AVALIAÇÕES E  ANO LETIVO

Na Psiquiatria, as internações são de, no mínimo, 15 dias, e sem um prazo máximo de acolhida. Porém, o maior tempo de internação é cerca de seis meses. Portanto, geralmente não há estudantes que passam o ano letivo completo realizando atividades no PAP.

Ainda assim, é frequente a realização de provas finais ou atividades avaliativas para aprovação do aluno, principalmente nesta época de final de ano letivo. A professora conta que já tiveram casos em que as provas foram aplicadas como acontece em uma sala de aula. Sem consulta, com supervisão e tempo contado. A instituição de ensino envia o material, e as docentes do PAP aplicam o exame. 

Mas cada caso é único, e atendido em particularidade. A participação nas atividades escolares é obrigatória, pelas regras da psiquiatria. Mas há casos em que o aluno não tem condições de participar. Dessa forma, a avaliação individual e personalizada é um ponto forte da unidade. 

Há, ainda, situações em que o aluno é aprovado pelo Conselho Escolar, sem necessidade de testes. E se avalia o desempenho e as notas do estudante ao longo do ano. 
 

PROTAGONISMO

Semanalmente, às terças-feiras, também são promovidas as assembleias, momento em que a equipe, os pacientes e familiares se reúnem para que todos tenham um espaço de expressão. “A gente discute tudo que é assunto. Eles podem trazer sugestões ou reclamações, o que quiser. A gente fala de tudo”, revela Alice.

Ter espaços para brincar, aprender e desenvolver protagonismo é essencial para as crianças e os adolescentes. E a equipe busca desenvolver atividades que melhorem a experiência desses jovens. E além das sugestões em assembleias, as crianças assumem a função de secretários da reunião, ficando responsáveis pelo desenvolvimento da ata. “A gente tenta fazer ficar um pouco melhor, porque ninguém gosta de estar dentro do hospital”, pontua Alice.

 

* Sob supervisão de Maria José Vasconcelos

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895