Rede privada avalia o Novo Ensino Médio

Rede privada avalia o Novo Ensino Médio

Dirigentes sindicais concordam com adaptações ao modelo

Por
Daiana Garcia

A implementação do Novo Ensino Médio (NEM), iniciada em 2022, tem gerado amplos debates, principalmente devido às diferenças na aplicação nas redes pública e privada. Instituída em 2017, pela Lei 13.415/2017, a reforma conta com mudanças importantes na divisão dos conteúdos da grade curricular, inclusão de Trilhas de Aprendizagem, em disciplinas eletivas e Itinerários Formativos. Na rede pública, professores e alunos pedem pela revogação completa. Já na rede privada, onde se tem maior estrutura para implementação, existem divergências de opinião entre professores e escolas, mas ambos concordam que adaptações são necessárias.

O Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro/RS) publicou, em abril deste ano, nota pública de apoio à revogação do NEM. No documento, a entidade aponta que a nova política foi “imposta de cima para baixo, sem a realização de audiências públicas e consultas populares”. Sani Cardon, diretor do Sinpro/RS, considera que a reforma representa um grande distanciamento entre os ensinos privado e público. Argumenta que as escolas particulares não têm tantas dificuldades com as mudanças e se adaptam. “Existe uma condição melhor de adequação às reformas. Falando em gestão, a escola não tem dificuldade. O grande problema está na rede pública, onde falta estrutura e formação continuada”, aponta. 

Sobre as Trilhas de Aprendizagem, divididas em cinco grandes áreas principais (Linguagens, Matemática, Ciências Humanas e Sociais, Ciências da Natureza ou Formação Profissionalizante), Sani assinala que “é um enfraquecimento dos conceitos básicos do ensino”. Para ele, a 5ª Trilha, que trata da formação profissional, “tira o foco dos estudantes que querem entrar na faculdade”. 

Por não se tratar de um ensino profissionalizante ou técnico de fato, com emissão de diploma, ele entende que esta Trilha encaminha o aluno para atividades laborais antes de ele ter oportunidade de chegar à universidade. “No ensino público, estão trabalhando o 5º Itinerário com parcerias público-privada e o ensino está se desonerando para fazer essas parcerias.” Já na rede privada, revela que a grande maioria das escolas tem trabalhado com os 4 primeiros Itinerários, que fortalecem as grandes áreas do Ensino. “Os professores acabam se adequando, pois é um reforço às 4 grandes áreas”, avalia. 

A respeito da Consulta Pública promovida pelo Ministério da Educação (MEC) e encerrada no dia 6/7, Sani opina que “esse debate, no mínimo, está fazendo com que haja reflexão sobre alguns pontos, para que possam ser revogados”. Diz que, desde o início da Consulta, o Sinpro/RS acompanha fóruns e audiências públicas. 

“Estamos participando e representando os professores do ensino privado. Temos feito encontros para debater o assunto, com participação de especialistas da área.” Ele acrescenta que o ponto essencial para a melhoria do ensino na rede pública é o investimento. “A escola pública com investimento pode fazer seu currículo sem parceria, utilizando sua infraestrutura, fazendo concurso e fortalecendo o currículo-base e as próprias escolas técnicas que nós já temos.” Por fim, frisa que é necessária a revogação do NEM. “Tem que ter uma modificação. Não podemos continuar com essa reforma da reforma como foi implementada.”

Sinepe/RS

O presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Privado do RS (Sinepe/RS), Oswaldo Dalpiaz, afirma que, para a entidade, o “pensamento é único: somos contra a revogação da lei que institui a reforma. Somos a favor de algumas adaptações e adequações”. 

Ele relembra que, desde a instituição da lei, em 2017, as escolas particulares se prepararam. “Foram muitas horas de capacitação, investimento em materiais, aplicações em infraestrutura para que o Ensino Médio fosse bem aplicado.” Entretanto, pondera que existem algumas “dificuldades e limitações”, o que, segundo ele, já se é esperado em qualquer processo de implantação de um novo modelo. Entre os pontos que podem ser adaptados, o dirigente destaca as disciplinas eletivas. 

“Se estabeleceu um número elevado de eletivas, o que atrapalha transferências, por exemplo. O ideal seria o MEC estabelecer um determinado número e intensificar quais as escolas poderão ofertar.” Ele explica que as escolas têm concepções diferentes e as eletivas “devem ir ao encontro das necessidades de cada instituição”. Além disso, salienta que “não há clareza para aplicação dos Itinerários Formativos. A maioria está fazendo conforme o que estabelece a lei e talvez seja possível adaptar e fazer um pouco diferente”, sugere.

Apesar destas considerações, o presidente conta que a maioria das escolas privadas tem dado um retorno positivo acerca das mudanças, e adianta que o Sindicato deve realizar uma pesquisa de satisfação nas escolas, envolvendo os alunos, para entender como tem sido a adaptação. “Para a gente fazer uma avaliação melhor, precisamos terminar um ciclo, e talvez um segundo ciclo, pois toda implantação de projeto novo precisa de tempo.” Ainda, expõe que, em muitas escolas, houve aumento na procura por matrículas no Ensino Médio, devido a uma nova perspectiva de gestão. “Há um trabalho intenso no sentido de levar metodologias novas e um fazer novo. E isso os alunos estão sentindo. A escola é uma escola nova, que precisa de mais avanços, e estamos caminhando em direção a um ambiente que favorece o desenvolvimento.”

Em relação às diferenças nas redes pública e privada, ele avalia que, devido ao número de escolas, de alunos e professores, na rede privada as coisas acontecem mais rápido. “Mobilizar 20 mil professores é diferente de 60 mil professores”, compara, acrescentando que é preciso olhar para a infraestrutura e a capacitação.

O Sinepe/RS aguarda pelos ajustes que o MEC deve anunciar, principalmente sobre mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Dalpiaz projeta que, a partir de 2025 ou nas matrículas de 2024, sejam feitas novas adaptações. 

Consulta Pública, debates e propostas buscam mudanças

Encerrada na quinta-feira (6/7), a Consulta Pública sobre o Novo Ensino Médio (NEM), promovida pelo Ministério da Educação (MEC), realizou seminários, audiências, fóruns e pesquisas. Participaram diversas entidades, assim como secretários, gestores, professores e alunos. Somente pela plataforma Pesquizap, foram mais de 105 mil respostas.
Agora, de acordo com informações do Estadão, um documento preliminar deve ser finalizado em até duas semanas. A previsão é que a pasta tenha um diagnóstico final em um mês, com mudanças através de deliberações do Conselho Nacional de Educação (CNE).

As alterações no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também são incertas. No MEC, ainda não existe um consenso, mas uma decisão deverá ser tomada até agosto. Para os técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), para haver mudança no Exame esse processo já deveria ter começado, porque novos itens precisam ser elaborados e testados, pelo menos, um ano antes das provas. A revogação do NEM é descartada pela pasta, que pretende é realizar ajustes que conciliem com as principais críticas, como o aumento da carga horária da Formação Básica.

Proposta Consed

Com os desafios de implementação do NEM, entidades têm se mobilizado para sugerir opções de adaptação e, até mesmo, substituição total da legislação. No começo do mês (em 3/7), na última audiência da Consulta, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) entregou ao MEC uma proposta para o NEM. 

O presidente do Conselho, Vitor de Angelo, apresentou o documento elaborado pelos estados. O Consed defende que 300 horas, das 1,2 mil, destinadas aos Itinerários, possam ser usadas para a recomposição de aprendizagens, estudos orientados e outros componentes. Assim como sugere que exista uma “base” para os Itinerários. E para o Enem, a sugestão da entidade é que o 1º dia de provas seja de avaliação da Formação Geral; e o 2º dia, sobre temas relacionados aos conteúdos dos Itinerários. Também a necessidade de investimento em infraestrutura das escolas foi apontada pelo Consed, ao reiterar que a revogação completa da lei é “completamente inviável”. 

Crítica à consulta

A diretora do 39º Núcleo do Sindicato dos Professores do RS (Cpers) e integrante do Comitê Gaúcho pela Revogação do NEM, professora Neiva Lazzarotto, avaliou que a proposta do Consed é uma “confissão do fracasso” da reforma. 

Neiva aponta que, em publicação nas redes sociais, o presidente do Conselho, Vitor de Angelo, informou que a proposta é “similar à que o MEC deve anunciar ao término da consulta”. Assim, para ela, a declaração comprova que, apesar da Consulta, o governo já tinha uma proposta pronta. “Não tínhamos confiança, por isso não estávamos engajados em responder e divulgar a consulta. O MEC já tem uma proposta e já é de conhecimento dos secretários de Educação e de movimentos empresariais.” Desse modo, revela que serão expostas essas manobras e realizadas novas ações de mobilização pela revogação do NEM no Estado. No dia 9/8, uma manifestação já acontecerá em Brasília, promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).

Proposta FNE

Representantes do Fórum Nacional da Educação (FNE) também entregaram, no dia 6/7, ao ministro da Educação, Camilo Santana, o parecer do grupo sobre o NEM. O documento traz propostas e pede a revogação da Lei 13.415/2017.

Das sugestões elencadas pelo FNE foram citadas: ampliação da carga horária da Formação Geral Básica; aumento do investimento na Educação Profissional; garantia da diversificação curricular e do Ensino Médio na modalidade presencial; e organização curricular desta etapa do ensino, com uma base nacional comum e uma parte diversificada, que não devem constituir blocos distintos, mas um todo integrado. Além disso, defende a criação de condições estruturantes, uma política de valorização dos profissionais da educação, entre outros apontamentos. 

O coordenador do FNE e presidente da CNTE, Heleno Araújo, explica que o MEC vai apresentar uma resposta em até 30 dias. “A construção do nosso parecer representa a disposição que todos tiveram para o diálogo”, resume.

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895