Registros da Independência: Nasce um novo Reino

Registros da Independência: Nasce um novo Reino

O império conjunto com sede no Brasil

Por
Landro Oviedo

Com a vinda da família real para o Brasil (ilustração acima), a colônia cresceu de importância e o primeiro momento desse novo ciclo que se abria pôde ser constatado na abertura dos portos para as nações amigas, principalmente para a Inglaterra. Isso não foi bem recebido pelas elites portuguesas, que viam seu príncipe regente dar uma importância demasiada para uma terra que deveria ter uma relação de dependência com a matriz lusitana. Todavia, o processo ficou ainda mais complexo e causou ainda maior indignação quando Dom João VI houve por bem tornar ainda mais importante a sede de onde governava e decretou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, designação oficial tornada pública em 16 de dezembro de 1815. 

Houve a elevação do então território colonial do Brasil (1549-1815) a reino para que fosse viável juridicamente uma união política com o Reino de Portugal e dos Algarves em face da transferência da família real e da nobreza portuguesa para a então possessão portuguesa banhada pelo oceano Atlântico no continente americano.

No documento que simboliza esse empoderamento do Brasil, Dom João VI determinou:

"I - Que desde a publicação desta Carta de Lei o Estado do Brasil seja elevado à dignidade, preeminência e denominação de Reino do Brasil
II - Que meus Reinos de Portugal, Algarves e do Brasil formem dora em diante um só e único Reino debaixo do título de Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves (..)"

Esse excerto do decreto mostra que, institucionalmente, o poder estatal não mais fazia distinções hierárquicas entre esses três reinos de Sua Majestade. Com isso, era perceptível que o Brasil entrava numa rota que não poderia ser detida facilmente e que qualquer tentativa de recolonização enfrentaria uma renhida oposição.

Logo após a queda do poderio napoleônico, a partir de 1814, os portugueses começaram a exigir a volta de seu soberano. Dom João VI sabia que sua partida poderia implicar a perda e a fragmentação do Brasil, como já estava ocorrendo com as colônias inglesas e espanholas, estas em terras limítrofes ao território nacional, com todas as implicações decorrentes desse possível contágio republicano. Resistiu até 1821, quando, numa cartada de mestre, deixou seu filho dom Pedro I em seu lugar. 

Há uma frase que diz que quem já foi rei nunca perde a majestade. O Brasil, depois de ser reino, não haveria de retornar a um posto inferior. A história confirmaria que não.

 

“...Seja elevado à dignidade, preeminência e denominação de Reino do Brasil…”

Carta de Lei de 16 de dezembro de 1815

Dom João, por graça de Deus Príncipe Regente de Portugal e dos Algarves d´aquém e d´além mar, em África de Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e da Índia etc. Faço Saber aos que a presente carta de lei virgem, que tendo constantemente em meu real ânimo os mais vivos desejos de fazer prosperar os Estados que a Providência Divina confiou ao meu soberano regime; e dando ao mesmo tempo a importância devida à vastidão e localidade dos meus domínios na América, à cópia e variedade de preciosos elementos de riqueza que eles em sí contêm; e outrossim; reconhecendo quanto seja vantajosa aos meus fiéis vassalos em geral, uma perfeita união e identidade entre os meus reinos de Portugal e dos Algarves e meus domínios do Brasil, erigindo estes àquela graduação e categoria política, que pelos sobreditos predicados lhes deve competir; e na qual os ditos meus domínios já foram considerados pelos plenipotenciários das potências que formarão o Congresso de Viena, assim no Tratado final do mesmo Congresso, sou portanto servido e me praz ordenar o seguinte:

I - Que desde a publicação desta Carta de Lei o Estado do Brasil seja elevado à dignidade, preeminência e denominação de Reino do Brasil.

II - Que meus Reinos de “Portugal”, Algarves e o do Brasil formem d’ora em diante um só único Reino debaixo do título de Reino Unido de Portugal e do Brasil e Algarves.

III - Que os títulos inherente à Coroa de Portugal e de que até agora hei feito uso, se substitua em todos os Diplomas, Cartas de Lei, Alvarás, Provisões e Atos Públicos o novo título de Príncipe Regente do Reino-Unido de Portugal e do Brasil e Algarves d’aquém e d’além mar, em África de Guiné e da Etiópia, Pérsia e da India etc.

E esta se cumprirá, como nela contém. Pelo que mando a uma e outra mesa do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens: Presidente do meu Real Erário; Regedores das Casas de Suplicação; Conselho da minha Real Fazenda, e mais Tribunais do Reino-Unido; Governadores das Relações do Porto, Bahia, Maranhão, Governadores e Capitães Generais, e mais Governadores do Brasil e dos meus Domínios Ultramarítimos; e a todos os Ministros da Justiça desta Carta de Lei, que a cumpram e guardem e façam inteiramente cumprir e guardar, como nela se contém, não obstante quaisquer Leis, Alvarás, Regimentos, Decretos ou Ordens em contrário, porque todas e todos hei por derrogadas para esse efeito somente, como se delas fizesse expressa e individual menção, ficando aliás sempre em seu vigor. E ao doutor Thomaz Antônio de Villa nova Portugal, do meu Conselho Desembargador do Pago e Chanceler mór do Brasil, mando que a faça publicar na Chancelaria Mór do Reino de Portugal, remetendo-se também as referidas cópias às Estações competentes, registrando-se em todos os lugares onde se costumam registrar semelhantes Cartas e guardando-se o original no Real Arquivo conde se guardam as minhas Leis, Alvarás, Regimentos, Cartas e Ordens desse Reino do Brasil. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos dezesseis de dezembro de mil oitocentos e quinze.

Príncipe
Marquês de Aguiar

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Na transcrição dos documentos publicados procurou-se observar a mais absoluta fidelidade aos respectivos textos originais. Ressalva-se, contudo, que se atualizou a ortografia e também a sintaxe de determinadas expressões para facilitar a compreensão. Por outro lado, eventuais infidelidades de reprodução devem ser creditadas à ortografia da época, nem sempre de fácil decifração.  

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895