Registros da Independência: O despertar da Nação

Registros da Independência: O despertar da Nação

A abertura dos portos no Brasil Colonial

Por
Landro Oviedo

Como colônia, o Brasil estava fadado a ser um território de exploração de suas riquezas exportadas para a metrópole em condições impostas pela Corte. Uma ajuda providencial da história, contudo, contribuiu para acelerar um processo que se desenvolvia lento, ainda que em meio a um panorama de mudanças significativas, como a independência das colônias inglesas na América, em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789.

Em novembro de 1807, Napoleão Bonaparte invadiu Portugal e a consequência mais imediata foi a transferência do governo de Dom João VI para o Brasil. A família real aportou em Salvador, na Bahia, em 22 de janeiro de 1808. Aqui chegando, foi preciso incentivar a geração de rendas que pudessem resultar em aportes para o erário, ainda mais considerando que aos gastos de sua família se somariam os da sua comitiva, que envolvia um contingente de 15,7 mil pessoas, entre ministros e empregados, total que representava 2% da população portuguesa da época. 

Foi dentro da necessidade objetiva, e a rogo de José da Silva Lisboa, também conhecido como visconde de Cairu, que Dom João VI, apenas seis dias depois de pisar em território brasileiro, determinou a abertura dos portos do Brasil às nações amigas, especialmente para a Inglaterra, com a qual a monarquia havia uma relação histórica de ligação. Foram os ingleses, inclusive, que providenciaram a escolta dos navios reais para livrá-los de um eventual ataque, além de instalarem-se como credores da fazenda real.

A abertura dos portos, numa escala progressiva, pode ser considerado fator que muito contribuiu para transformar a realidade de uma colônia que começou a sofrer uma reviravolta em seu destino. Ser o centro de governança de um império que se alastrava pelo mundo, com sua forte presença no mapa das nações à época, ainda que sob constante ameaça de domínio pelas forças francesas, era auspicioso para seu futuro. Com Napoleão derrotado, começou a demanda dos portugueses para ter seu rei de volta.

 

“Que se permita navegarem Livremente…”

Ofício do conde da Ponte, de 27 de janeiro de 1808, pedindo a D. João, então Príncipe Regente da Coroa portuguesa, a abertura dos portos brasileiros ao comércio recíproco e à navegação livre, a todas as nações amigas.

Senhor:

Este Régio Ofício N.º 60, que de Ordem de Vossa Alteza Real que eu me pusesse em um estado de defesa respeitável, e capaz de repetir com vantagem qualquer ataque hostil que contra essa Capitania tentasse a Nação Britânica, ignorando-se ainda o como aquela potência receberia a resolução que Vossa Alteza Real havia tomado de lhe fechar os portos de Portugal: estas são são as últimas ordens que Vossa Alteza Real houve por bem fazer expedir e que continuariam a ser o inviolável regimento de todos os meus procedimentos nas circunstâncias que se oferecessem, enquanto não ocorressem tão justos motivos de reconhecer que os ingleses permanecem na mais íntima aliança com a nossa Nação, e que nossos inimigos são a França e a Espanha; permita pois Vossa Alteza Real, já que os céus propícios aos votos da Nação preservaram a Sua Real pessoa e toda a Real Família das calamidades e perigosos incômodos de uma viagem longa e concederam a esta Capitania a glória, e inexplicável prazer, e satisfação de ser a primeira, ainda agora, ao receber seu Soberano, e a tributar-lhe os puros votos de uma verdadeira vassalagem e fidelidade sem exemplo, que eu, em nome do comércio, da lavoura, em benefício de todos estes habitantes q a bem dos Rendimentos Reais implore a Vossa Alteza Real.

Primeiro. Que se levante o embargo sobre a saída livre dos navios, fazendo-se público na Praça Comerciante, que são nossos inimigos França e Espanha, e nossa aliada a Grã-Bretanha, e que debaixo dessa hipótese se permita navegarem livremente para os portos que, ou as notícias públicas, ou as particulares de seus correspondentes, lhes indicarem mais vantajosas e suas especulações.

Segundo. Que seja admitida a despacho toda a qualidade de fazenda sem exceção com aqueles direitos que o Governador do Estado com o Provedor, e Administrador da Alfândega, Procurador da Coroa e Escrivão, e Tesoureiro Deputados da Real Junta da Fazenda interinamente estabeleceram, enquanto Vossa Alteza Real não ordenar um Regimento Geral pelo qual se dirija este importante objeto, e a mais interessante ramo de rendimento da Real Fazenda.

Terceiro. Que se tratem os navios, cargas, e indivíduos daquelas duas nações como de potência inimiga, aprendendo-se para a Real Fazenda os barcos e carregações, e pondo-se em cautela os indivíduos até oportuna ocasião de os fazer transportar a outro qualquer porto.

Estas três rogativas são as que no meio de uma confusa perplexidade, e no intervalo de continuo serviço em que tenho a honra e glória de empregar-me para o cumprimento das Ordens de Vossa Alteza Real, se me apresentam como mais dignas da atenção de Vossa Alteza Real, e que não podem sofrer delongas sobre a sua concessão, sem incalculável prejuízo do comércio, perda iminente da lavoura, miséria e necessidade imediata dos habitantes e estagnação total dos Rendimentos Reais.

À muito Alta e Poderosa Pessoa de Vossa Alteza Real, guarde Deus, como havemos mister. Bahia, 27 de janeiro de 1808.

(a) Conde da Ponte

A abertura dos portos

Conde da Ponte, do meu Conselho, Governador e Capitão General da Capitania da Bahia. Amigo. Eu o Principe Regente vos envio muito saudar, como aquelle que amo. Attendendo á representação, que fizestes subir á minha real presença sobre se achar interrompido e suspenso o commercio desta Capitania, com grave prejuizo dos meus vassallos e da minha Real Fazenda, em razão das criticas e publicas circumstancias da Europa; e querendo dar sobre este importante objecto alguma providencia prompta e capaz de melhorar o progresso de taes damnos: sou servido ordenar interina e provisoriamente, emquanto não consolido um systema geral que effectivamente regule semelhantes materias, o seguinte.

Primo: Que sejam admissiveis nas Alfandegas do Brazil todos e quaesquer generos, fazendas e mercadorias transportados, ou em navios estrangeiros das Potencias, que se conservam em paz e harmonia com a minha Real côroa, ou em navios dos meus vassallos, pagando por entrada vinte e quatro por cento; a saber: vinte de direitos grossos, e quatro do donativo já estabelecido, regulando-se a cobrança destes direitos pelas pautas, ou aforamentos, por que até o presente se regulão cada uma das ditas Alfandegas, ficando os vinhos, aguas ardentes e azeites doces, que se denominam molhados, pagando o dobro dos direitos, que até agora nellas satisfaziam.

Secundo: Que não só os meus vassallos, mas também os sobreditos estrangeiros possão exportar para os Portos, que bem lhes parecer a beneficio do commercio e agricultura, que tanto desejo promover, todos e quaesquer generos e producções coloniaes, á excepção do Páo Brazil, ou outros notoriamente estancados, pagando por sahida os mesmos direitos já estabelecidos nas respectivas Capitanias, ficando entretanto como em suspenso e sem vigor, todas as leis, cartas regias, ou outras ordens que até aqui prohibiam neste Estado do Brazil o reciproco commercio e navegação entre os meus vassallos e estrangeiros. O que tudo assim fareis executar com o zelo e actividade que de vós espero.

Escripta na Bahia aos 28 de Janeiro de 1808.

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Na transcrição dos documentos publicados procurou-se observar a mais absoluta fidelidade aos respectivos textos originais. Ressalva-se, contudo, que se atualizou a ortografia e também a sintaxe de determinadas expressões para facilitar a compreensão. Por outro lado, eventuais infidelidades de reprodução devem ser creditadas à ortografia da época, nem sempre de fácil decifração.  

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895