Resquícios do passado

Resquícios do passado

Alguns hábitos seculares ainda resistem em áreas isoladas do meio rural do Rio Grande do Sul

Por
Carolina Pastl*

Conforme a capacidade tecnológica do homem se desenvolve, certos saberes e práticas acabam caindo em desuso. Quando isso ocorre, passam a integrar livros de História ou, se ninguém os registra, podem simplesmente ser esquecidos. Mesmo que essa transição, muitas vezes, seja rápida e, atualmente, leve conectividade e máquinas futuristas ao campo, ainda resistem resquícios do passado que se mantêm em rincões isolados no Rio Grande do Sul.

Em Palmas, no interior de Bagé, Afonso Collares (foto acima), 75 anos,ainda faz a lida do campo à moda antiga na fazenda estabelecida pelos bisavós em 1812, que assumiu em 1966, após a morte do pai. “Da minha vida, decidi fazer o que gosto”, conta, relatando que trabalha com laço, faz marcações a pialo e cavalga pela manhã e à tarde, depois da sesta.

Collares costuma banhar seus animais no Alto do Camaquã para tirar carrapatos. Ao fundo, os pelegos presos em estacas para secarem. | Foto: Marcia Collares/Divulgação

Ainda que mantenha hábitos originários do período colonial, Collares reconhece que algumas práticas mudaram. Enquanto seus bisavós caçavam gado bagual com laço para se alimentar, hoje ele tem a sua própria produção de terneiros para venda e subsistência. E quando pensa no futuro seu sentimento é de preocupação: “Os jovens de hoje não são ‘chegados’ à atividade campeira. Vejo pelo meu neto. Às vezes eu acho que parei no tempo”, constata.

Collares trabalha com gado para venda e subsistência. | Foto: Marcia Collares/Divulgação

No entendimento do professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e coordenador do Programa de Pós-Graduação de História, Fábio Kühn, é inevitável que hábitos antigos sejam extintos no decorrer do tempo, tendo em vista todo o processo de modernização econômica, intensificado no século passado. “Claro que há profissões que se mantêm, mas elas acabam sendo mais remanescentes do que fundamentais”, complementa.

Profissões como a de Alfredo Gonçalves, 60 anos, que há 50 anos trabalha com esquila “a martelo” (tosa feita com tesoura) no interior de Jaguarão, acompanharam a expansão da pecuária no Estado, a transição para múltiplos usos do campo e foram muito requisitadas no passado. “Agora mudou. Só se contrata aqueles que têm máquina para isso”, relata Alfredo, que espera pela aposentadoria e entende que a chegada dos tecidos sintéticos e a redução dos rebanhos de ovinos fizeram minguar a demanda por suas habilidades.

Em Jaguarão, Alfredo Gonçalves, trabalha com esquila a martelo há 50 anos e admite que a demanda por suas habilidades caiu à medida em que chegavam os tecidos sintéticos. | Foto: Escritório Municipal de Jaguarão da Emater/RS-Ascar/Divulgação

Enquanto a tradição pecuária iniciou-se com a chegada de colonizadores ao Estado, a agrícola formou-se no Século 19 com imigrantes europeus, que se estruturaram em pequenas propriedades. Os tataravós de Edson Thiesen vieram da Alemanha e fazem parte deste período da História. Como resquício, até hoje, na zona rural de Saldanha Marinho, ainda está em pé um moinho colonial daquela época, usado por três gerações. Edson admite que “hoje é mais viável ir no mercado e comprar o alimento pronto do que colher o trigo, processá-lo e fazer o pão”, mas mantém o trabalho de moagem por amor à história da família.

Em Saldanha Marinho, trabalho de moagem é mantido pela família Thiesen por amor à história dos antepassados. | Foto: Arquivo Pessoal de Edson Thiesen

Segundo Kühn, a partir de 1950 a antiga oligarquia pastoril passou a perder espaço político e influência e, diante da crescente concentração das atividades comerciais e industriais nos centros urbanos, houve um forte movimento de êxodo rural, que permanece até hoje. Tanto é que, pelos dados do IBGE, a população rural gaúcha caiu 37%, de 2,5 milhões de pessoas em 1980 para 1,6 milhão em 2010. Kühn também atribui as motivações de grande parte desse movimento aos descendentes de europeus. “As terras que eles recebiam eram muito pequenas e suas famílias eram numerosas. A partilha ficava inviável.”

Na visão do professor, talvez alguns hábitos tenham remanescido ainda mais no Rio Grande do Sul. “A ideia de tradição é muito forte por aqui”, observa. “Mas é preciso entender que esse mundo rural não existe mais. E o de hoje também não existirá no futuro.”

 

Encontros com a história

O Rio Grande do Sul de passado rural ainda pode ser visto em algumas atividades profissionais que vão se tornando raras, na elaboração de alimentos e confecção de agasalhos com métodos antigos, no cultivo de plantas que um dia foram importantes para a economia local e até no uso da língua materna por descendentes de imigrantes que não dominam o português.

Castração a pealo, por tradição

Em Eugênio de Castro, família Da Rosa mantém a técnica viva na propriedade e também presta o serviço a vizinhos na mangueira. | Foto: Franciane Lunardi/Divulgação

Antigamente, no campo, tudo era feito de forma artesanal. Na pecuária, por exemplo, a castração a pealo era, além de necessária, uma festa. O método, que já não é praticado pela maioria dos pecuaristas por causa do modelo de produção mais intensificado, consiste em montar a cavalo e laçar o bovino em movimento para contê-lo. Depois, se retira os testículos por meio de um corte de faca afiada na bolsa escrotal.

No município de Eugênio de Castro, a família da estudante de Medicina Veterinária da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí) Bianca da Rosa, 23 anos, ainda mantém a tradição para manejar o rebanho de 50 cabeças de gado. “Fazemos também na mangueira, para alguns vizinhos, quando pedem, sem cobrar nada”, acrescenta Bianca. Além disso, a família também castra seus animais com métodos mais modernos, como o burdizzo, em que se utiliza uma ferramenta tipo torquês para esmagar os ligamentos dos órgãos reprodutores.

Bianca observa que atualmente há importadores de gado em pé que preferem o animal inteiro, não castrado. Por isso, ela receia que o método se perca. “Acho difícil que isso permaneça por muito tempo. É uma técnica mais complicada de se fazer, exige mais tempo e habilidade”, explica.

 

Terapia na tecelagem artesanal

Carmem mantém prática que aprendeu aos 10 anos e domina o processo, da tosquia à confecção do agasalho. | Foto: Marciele Aristimunho/Divulgação

A tecelagem artesanal, sem costura, apenas o entrelaçamento de fios, é milenar e, de acordo com historiadores, acompanha o homem desde os primórdios da civilização. Na América do Sul, alguns povos indígenas já teciam lã de animais, como de lhamas. Com a introdução de rebanhos de ovinos pelos jesuítas no Estado, o hábito de fiar a lã e tecer agasalhos se tornou tradicional entre os gaúchos. No interior do município de Quaraí, a dona de casa e agricultora familiar Carmem Maria Aristimunho, 70 anos, mantém a prática, que aprendeu com a sua mãe, aos 10 anos. Para tecer um xergão, tapete ou agasalho, Carmem ganha lã ou tosquia suas próprias ovelhas. No primeiro passo, desmancha o véu, ainda sujo. Em seguida, faz todo o fio no fuso. “Com a lã suja, o fio fica mais resistente”, explica. Então ela lava, faz o novelo e coloca no tear os fios verticais, tramando os outros na horizontal, passando um por dentro e um por fora. “Hoje faço e vendo menos porque estou ruim das vistas. Mas sigo na atividade porque é uma terapia”, relata.

Fio de lã é feito a mão por Carmem. | Foto: Caroline Saldanha/Divulgação

 

Parteira atua em “urgência” local

Maria vive em comunidade rural e é chamada quando mães sentem que não terão tempo de chegar ao hospital. | Foto: Arquivo Pessoal de Maria Vangelista/Divulgação

Há algumas décadas, era difícil imaginar uma criança nascendo em outro lugar que não fosse em casa. As parteiras eram um alento para gestantes que não tinham a quem recorrer. Na Linha Nossa Senhora Aparecida, comunidade rural do município de Tunas, ainda hoje ocorre isso. Lá só há um posto de saúde e o hospital mais próximo fica em Arroio do Tigre, a 36 quilômetros. É por isso que a agricultora e revendedora de cosméticos Maria Vangelista, 64 anos, atua como parteira desde os 16 anos, apesar de não ver nisso uma profissão e nunca cobrar por esse tipo de serviço. “Faço porque é preciso. Às vezes, a mulher não consegue ‘segurar’ durante a viagem até o hospital e o filho acaba nascendo”, explica, lembrado que, sem seus préstimos, mãe e filho podem correr riscos.

Até agora, Maria já fez 51 partos. “Alguns (bebês) estavam ‘de lado’, outros enrolados no cordão. Mas todos nasceram e estão com muita saúde, graças a Deus”, se alegra. “O bebê é como uma laranja, cai quando está maduro. Todos têm o seu tempo.”

A atuação de Maria começou por acaso. Quando era adolescente, recebeu um pedido de ajuda de uma parteira da comunidade, hoje já falecida. Depois do nascimento, Maria começou a “limpar” a placenta do bebê. Mas havia um gêmeo e ela teve que ampliar sua participação no procedimento. “Aprendi na hora”, lembra.

Atualmente, Maria recebe equipamentos de hospitais para suas atividades. Apesar do apoio, receia que isso tenha fim. “As pessoas acabam se esquecendo dessas práticas antigas”, constata.

 

Guasqueiro atende encomendas

Carlos também é alambrador, mas percebe mais demanda pelas peças de couro que produz. | Foto: Arquivo Pessoal de Carlos Garcia/Divulgação

Uma profissão tradicional do campo é a de alambrador, profissional autônomo que constrói cercas de arame para demarcar propriedades e suas divisões internas. Na zona rural de Santa Vitória do Palmar, ainda reside um deles: Carlos Garcia, 55 anos. Apesar de nunca ter trabalhado só com isso, ele diz que a dedicação exclusiva seria “complicada” nos dias atuais. “As estâncias usam cada vez mais a cerca elétrica, que é mais barata”, observa.

Além da aposentadoria e deste ofício, outro “ganha-pão” que Garcia tem desde os 13 anos é a profissão de guasqueiro (fabricante de peças de equitação, encilha e indumentária regional a partir de couro cru). Mas não era o que ocorria no passado, quando não se vendia esse tipo de peça, já que cada um fazia a sua. Quando essa prática começou a ser esquecida, ampliou-se o mercado de quem produzia para venda a terceiros.

Hoje, Carlos sova e faz rédeas e bainhas de faca a partir de couro comprado de dois frigoríficos do município e vende sob encomenda. Como alambrador, faz cercas com linhas de arame, sustentadas a cada 15 metros por um moirão. Ao contrário do que prevê para o alambrador, Carlos entende que a profissão de guasqueiro não deve acabar tão cedo. “Antes, ninguém queria ensinar o que sabia. Hoje, muitas pessoas estão ensinando. Os rodeios de cavalos crioulos também ajudaram muito a recuperar essa profissão antiga”, acredita, acrescentando que 90% dos seus clientes são crioulistas.

Rédeas (foto acima) e mango ou chicote (abaixo) produzidos por Garcia. | Foto: Arquivo Pessoal de Carlos Garcia/Divulgação

 

Carreta usada na comercialização

Quinhones tem saudade dos tempos em que acampava com uma “turma grande”. | Foto: Arquivo Pessoal de Atos Quinhones/Divulgação

O município de São Gabriel é conhecido por ser o último reduto dos carreteiros. Antigamente, havia mais de 100 deles. Há 20 anos, eram cerca de 40. Hoje são apenas dois. Um deles é Atos Langendorf Quinhones, 57 anos, que está na atividade desde os sete anos, junto com seu pai. O outro é Ireno Costa, 67 anos.

A origem dessa profissão no município remonta à história do sobrenome “Langendorf”. Segundo extensionistas da Emater, um imigrante alemão com este sobrenome resolveu parar na região e iniciou a prática para sobreviver. A partir de 1900, se tornou tradição local que os homens da família vendessem em carretas na cidade os produtos colhidos em suas lavouras.

Atualmente, Quinhones trabalha como carreteiro mais no inverno, vendendo principalmente batata doce, a qual considera sua fonte de renda. “Compensa mais do que vender melancia e outras frutas no verão”, explica. De onde ele mora, são 44 quilômetros ou dois dias de viagem até a sede de São Gabriel com a carreta de duas rodas, que ele mesmo construiu, há 30 anos, puxada por juntas de bois.

Carreta que Quinhones construiu há 30 anos. | Foto: Arquivo Pessoal de Atos Quinhones/Divulgação

“Eu ainda ando de carreta porque gosto”, diz Quinhones. Além disso, ele também conta que quando vai à cidade com sua camioneta vende menos, pois anda mais rápido. Com a carreta, fica dois dias circulando. “Mas tenho mesmo é saudade do tempo que a gente ‘carreteava’ com uma turma grande. Era uma diversão. Tinha acampamento e contávamos causos”, recorda. “Na hora que eu e o outro carreteiro pararmos, isso termina por aqui”, prevê. A falta de interesse por carretas pode ser atribuída à popularização do automóvel ou à preferência por carroças puxadas a cavalo, mais rápidas.

 

Doce de tacho no interior de Bagé

Preparo no fogo de chão deixa guloseimas mais gostosas do que se fossem feitas no fogão, afirma Vera Colares. | Foto: Arquivo Pessoal de Vera Colares/Divulgação

Em Bagé, no distrito de Palmas, Eny Collares, 79 anos, descendente de alemães, que foi casada com Godofredo, descendente de portugueses, já falecido, mantém viva a tradição de fazer marmelada no tacho, aprendida com os pais e com os sogros, e é acompanhada na prática pelas filhas Vera e Marcia Collares. Hoje, a família de pecuaristas faz doces de marmelo, figo, pêssego e pera a partir das frutas da propriedade, para consumo próprio e para vender em feiras locais.

“No caso da marmelada, por exemplo, nós descascamos e colocamos o marmelo na máquina de esmigalhar carne para formar uma papa. Depois, misturamos com açúcar e água dentro do tacho, em fogo de chão. Quando começa a desapegar do tacho, está pronto”, detalha Vera. São cerca de três horas mexendo a mistura sem parar. “O sabor é bem diferente daquele feito no fogão”, garante.

Outro fato curioso da família é que eles ainda usam vassouras feitas com galhos de vegetais, como alecrim e carqueja, para varrer o pátio. “Era o único tipo de vassoura que havia antigamente e agora as pessoas continuam usando porque gostam”, conta Marcia. “Minha mãe adora uma vassoura de alecrim. Quando eu era criança e saia para o campo, sempre procurava uns ramos bons para fazer a vassoura.”

Vassoura com plantas (de carqueja na foto) ainda é muito utilizada pela família Collares. | Foto: Marcia Collares/Divulgação

A família receia que essas práticas se percam ao longo do tempo. Foi por isso que participou, com a comunidade, da criação da Associação para Grandeza e União de Palmas, que visa preservar o meio ambiente e a cultura na Campanha gaúcha.

 

Casal só se comunica em alemão

Rudi e Edi falam o dialeto hunsrückisch e, sem praticar o português, recorrem à mímica para se fazer entender quando têm de ir à cidade. | Foto: Leci Oberherr/Divulgação


Mário e Dolorina mantém o dialeto vêneto nas conversas familiares e recordam dos tempos em que eram proibidos de conversar na língua de seus antepassados. | Foto: Camila Rigotti/Divulgação

Entre os Séculos 18 e 20, milhares de imigrantes alemães e italianos chegaram ao Brasil. Até hoje, o uso de variantes das duas línguas está entre as principais marcas desse fato histórico e ainda pode ser constatado em muitas comunidades rurais do interior do Rio Grande do Sul.

Há até exemplos extremos, como na zona rural de Sapiranga, onde um casal fala apenas alemão, no dialeto hunsrückisch. São os agricultores Rudi, 85 anos, e Edi Rost, 83 anos. Seus tataravós vieram da Alemanha e ambos se estabeleceram em Boa Vista do Herval, trabalhando como agricultores. No interior de Vanini, Mário, 87 anos, e Dolorina Canal, 86 anos, falam quase só o dialeto vêneto da língua italiana, trazida pelos seus avós, e poucas palavras em português.

Mas para os dois casais não foi fácil manter a língua aprendida dos pais. “Durante a Era Vargas, minha família escondia o rádio que transmitia programas em alemão em uma massa de pão. Os policiais circulavam em nossa casa todo o tempo”, conta Edi.

Já Mário relata que, no colégio, também era proibido falar a língua de seus antepassados. “Mas eu e meus colegas descendentes cantávamos músicas folclóricas em italiano escondidos no recreio”, recorda, rindo. Fora a proibição, havia o problema de tradução. “Os professores nos mostravam desenhos para entendermos”, detalha Rudi.

Mas como os métodos de ensino de então incluíam alguma agressividade e imposição de castigos pelos professores, os quatro, em situações distintas, tomaram decisões iguais: largaram os estudos antes de chegar ao ensino médio e acabaram não concluindo o aprendizado de português. “Meu pai resolveu me ‘tirar’ da escola antes mesmo de eu aprender a ler e a escrever”, recorda Dolorina.

A família Rost conta que o casal acaba usando a mímica para se comunicar com outras pessoas quando vai à cidade fazer compras, acessar serviços ou passear. “Eles não conseguem falar uma frase em português sem misturar com palavras em alemão”, relata Leci Oberherr, uma das filhas de Rudi e Edi. O mesmo ocorre com Mário e Dolorina. Os filhos e netos dos dois casais, no entanto, têm fluência no português, apesar de ainda se comunicarem em alemão e italiano com suas famílias.

 

Guardião de sementes crioulas

Agricultores seguem com culturas de seus avós para manter a biodiversidade ou por apego à tradição 

Menegat preserva 60 variedades, 15 das quais são de milho. | Foto: Arquivo Pessoal de Vilmar Menegat/Divulgação

Selecionar, plantar, distribuir e proteger sementes dos seus avós e dos antepassados de outras famílias é o que o agricultor familiar e ecologista Vilmar Menegat, 58 anos, faz há mais de 20 anos na zona rural do município de Ipê. Popularmente chamado de “guardião de sementes crioulas”, ele possui mais de 60 variedades delas, sendo que 15 são de milho, seis de pipoca e outras 39 de diferentes espécies de trigo, lentilha, girassol, linhaça e feijão. “Cada uma tem um nome, uma cor e uma história, veio de um nonno (avô, em italiano) e de uma nonna (avó)”, conta.

Coloração dos grãos oriundos de sementes crioulas são diferentes daqueles comerciais. | Foto: Arquivo Pessoal de Vilmar Menegat/Divulgação

O trabalho não é antigo, como os demais casos da página central desta edição, mas o objetivo é o mesmo: conservar a biodiversidade genética do passado que pode se perder. “Todo ano seleciono as melhores sementes, seco todas no sol e depois trato de conservá-las em vidros ou em bombonas plásticas em galpões ou até no freezer, quando ocorre alguma intempérie”, detalha o produtor.

Ainda que essas sementes sejam menos produtivas que outras mais comuns no mercado tradicional e competitivo, Menegat afirma que elas geram grãos mais bonitos e de melhor qualidade. Ele também conta que não tem nenhum custo em cima delas, apenas o trabalho de multiplicá-las e conservá-las. “O consumidor busca cada vez mais a origem dos produtos que compra, seja na feira ou no supermercado, o que incentiva o nosso trabalho”, constata. Aos sábados, o agricultor comercializa produtos oriundos dessas sementes (inclusive grãos, que podem servir como sementes) em Porto Alegre, na Feira dos Agricultores Ecologistas da rua José Bonifácio. Também troca e vende sementes.

Para o futuro, Menegat receia que essas sementes se percam, tendo em vista a disseminação de produtos transgênicos e agrotóxicos no meio rural. “Não podemos guardá-las só para nós. O melhor é que outros também façam o mesmo para que isso não se perca”, sugere. Atualmente, há diversos agricultores “guardiões”, como Menegat, principalmente em Tenente Portela, Canguçu, Mampituba, Candelária, Ipê, Porto Alegre e Ibarama, onde ocorre o evento “Saberes, Sabores e Sementes Crioulas” e onde a Associação dos Guardiões de Sementes Crioulas conta com 40 associados.

 

Tungue resiste em propriedade rural de Arvorezinha

Meotti, que cultiva quatro hectares, vendeu para uma indústria fabricante de óleos, tintas e adubos os 10 mil quilos que colheu no ano passado. | Foto: Bruno Meotti/Divulgação

Árvore cujas sementes produziam óleos utilizados em lamparinas na China, o tungue foi introduzido no Brasil no início do Século 20 e chegou a ser muito conhecido no Rio Grande do Sul. Na Serra Gaúcha, foi a fonte de renda de muitos agricultores familiares, de acordo com o extensionista do Escritório Municipal da Emater/RS-Ascar de Arroio do Meio, Elias de Marco. “Hoje a produção é irrelevante, já que a indústria parou de processar o vegetal porque as casas passaram a ser de alvenaria, não mais de madeira, em que se usava muito óleo de tungue (para conservar a construção por mais tempo)”, explica.Roque Meotti, 71 anos, é um dos últimos produtores de tungue em Arvorezinha e um entusiasta da cultura. Ainda que não separe as sementes, ele conserva uma cultura antiga e vende o que colhe para uma empresa de Fagundes Varela, que fabrica óleo, tinta e adubo a partir da fruta, que é 100% aproveitada. “É uma cultura muito boa. Tem pouca gente que planta e não precisa passar veneno, é só cuidar das formigas”, relata Meotti, afirmando que consegue ganhar algum dinheiro com a atividade sem ter despesas significativas. No ano passado, em quatro hectares, ele colheu 10 mil quilos e ganhou R$ 0,72 por quilo.

Fruta do tungue contém sementes que são usadas para fazer óleo de tungue. | Fotos: Bruno Meotti/Divulgação

*Sob supervisão de Elder Ogliari

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895