Retomada cautelosa

Retomada cautelosa

Turismo rural volta a receber visitantes e demonstra otimismo para os próximos meses

Por
Halder Ramos

O turismo rural foi diretamente afetado pela pandemia do coronavírus. Diversas propriedades ficaram fechadas de março e junho de 2020. Outras demoraram mais a reabrir ao público. Como os turistas têm optado mais por atividades ao ar livre, o segmento demonstra otimismo com a perspectiva de voltar a receber os fluxos de visitantes que acolhia até 2019 e, inclusive, ampliá-los. No entanto, o recomeço requer cautela, especialmente, pelas questões de saúde dos produtores rurais. Conforme a turismóloga Fernanda Costa da Silva, da Emater-RS/Ascar, o mercado consumidor precisa entender que o turismo rural “é diferente do convencional”, que conta com hotéis urbanos, parques e restaurantes. “São famílias inteiras que trabalham e podem adoecer muito rápido, com menos acesso à saúde. É necessário consumo consciente e respeito aos protocolos sanitários”, diz.

Para a especialista, a ansiedade em reabrir as porteiras não pode vir acompanhada de displicência com a prevenção. Fernanda observa que o próprio mercado está fazendo uma pressão natural pela retomada. “É uma questão bem complexa. As pessoas estão querendo fazer turismo, mas não querem seguir os protocolos e as famílias acabam cedendo. Algumas atendem mais do que poderiam. Para os que estão reabrindo seus negócios, sugiro que busquem qualificação e informações sobre como manter as atividades sem causar danos para a saúde”, afirma.

Em 2021, a Emater planeja assessorar 2.515 famílias em 156 municípios gaúchos para desenvolver atividades de turismo rural. Segundo Fernanda, a preocupação desde o começo da pandemia é com a qualificação. “O negócio possui uma configuração familiar. Nos preocupamos em orientar as famílias a separar os idosos. Evitar que as pessoas mais velhas trabalhem com turismo. Quem está tocando são os mais jovens. Foi um movimento que deu para perceber”, atesta.

Como não há estatísticas referentes ao movimento do turismo rural no ano passado, Fernanda constatou que os reflexos da pandemia foram mais sentidos em municípios isolados. E enumera algumas observações, como as de que, em algumas regiões, o poder público foi mais atuante; em outras, as famílias mudaram seus serviços; em geral, a quebra maior foi até julho; e, depois, os atendimentos voltaram parcialmente. “No entanto, a retomada não foi homogênea e variou muito de região para região”, complementa.

Segundo a turismóloga, as famílias buscaram adaptação para driblar os efeitos da pandemia. Ela cita o exemplo do roteiro Caminhos Rurais de Porto Alegre, que ficou fechado até meados de novembro. “Os trabalhadores concordaram em não abrir para turistas antes do verão. Muitos mudaram seus serviços e conquistaram um mercado que não tinham, migrando para o atendimento via delivery. Levaram orgânicos para quem não tinha acesso”, elogia.

 

Festa anual leva interior à cidade

Tanto nas casas do interior quanto na Festa da Colônia, na área urbana de Gramado, visitantes têm contado com as delícias produzidas pelos agricultores locais. | Foto: Cleiton Thiele

O turismo rural é um dos segmentos fortes do setor em Gramado, na Serra Gaúcha. Vias pavimentadas levam às localidades do interior, que recebem grupos de turistas para mostrar a origem das famílias que ajudaram a construir o município, que é case de sucesso internacional do segmento. Para celebrar a tradição da colonização italiana, alemã e portuguesa, Gramado promove anualmente a Festa da Colônia. É o período em que os agricultores deixam suas propriedades na zona rural para receber os visitantes no centro da cidade, nos pavilhões do ExpoGramado.

Em 2020, a programação foi cancelada por causa da pandemia. Em 2021, o prefeito Nestor Tissot pretende retomar a festividade. Tradicionalmente organizada no primeiro quadrimestre do ano, desta vez a festa, que chega à sua 30ª edição, está programada para 23 de setembro a 12 de outubro.

Para realizar a Festa da Colônia, serão necessários investimentos na estrutura do espaço que abriga as festividades. “Existem várias melhorias que precisam ser executadas para garantir que tenhamos uma festa à altura de Gramado. O atual espaço está necessitando de reformas. As estruturas de madeira estão deterioradas e precisam ser substituídas imediatamente”, afirma o prefeito.

Conforme Tissot, o evento é muito mais do que uma simples festa e torna-se a oportunidade de reverenciar a cultura e relembrar o início da colonização local. “A Festa da Colônia representa a perseverança de um povo aguerrido e destemido que enxergou no alto da Serra do Rio Grande do Sul uma oportunidade de vida. É emocionante perceber que nossos colonos são pessoas que trabalham incansavelmente para ter seus produtos expostos para pessoas de todo o Brasil. Tudo aquilo que é apresentado durante os dias que ocorrem as festividades é a prova viva de que quando preservamos nossas essências sempre teremos um legado incrível para apresentar às futuras gerações”, acredita.

 

Modelo é familiar

Pedro e Zulmira Foss ficaram oito meses sem contato com os turistas e agora voltaram a fazer a recepção no café colonial da família. | Foto: Halder Ramos / Especial / CP

O modelo de negócio no turismo rural é essencialmente familiar. Reúne avós, filhos e netos no atendimento ao visitante. Com a pandemia, as famílias optaram por manter os mais velhos distantes do contato direto com o turista para evitar riscos à saúde. “O nonno e a nonna ficaram afastados até dezembro. Estavam adoecendo de tristeza. Quem mais sentiu foram eles. Estavam acostumados a receber os turistas há 22 anos ininterruptos”, conta Denise Foss, que trabalha com os pais, irmãos e sobrinhos no Caffé Della Nonna, na localidade de Linha Bonita, interior de Gramado.

Após oito meses sem contato direto com os turistas, Pedro e Zulmira Foss voltaram a fazer a recepção aos visitantes no café colonial da família. Com máscaras e mantendo a distância, cantam músicas italianas e, usando o bom humor, reforçam a importância do respeito aos protocolos para os turistas. “Tem que passar álcool em gel e é obrigatório usar a máscara. Também tenho uma cachaça de ameixa que espanta o coronavírus”, brinca Pedro.

O restante do atendimento é responsabilidade dos filhos Marcelo, Jaqueline e Denise e dos netos Joice Caroline e Gustavo. “Não sentimos tanto a crise porque trabalhamos em família. Não temos funcionários. É um negócio que começou com o pai e a mãe. Quando fechamos, não recebíamos, mas não tínhamos despesas”, explica Denise.

De acordo com ela, o empreendimento rural fechou em 20 de março e foi reaberto em 12 de junho. Enquanto não recebia turistas, a família optou por reformar a estrutura física do café. “Trocamos o piso e colocamos forro no galpão, além de fazer a dedetização. Todos os participantes do nosso roteiro Raízes Coloniais fizeram melhorias”, diz Denise. “Pensamos que não ficaríamos tanto tempo fechados. Vínhamos de uma temporada extraordinária. Fevereiro e março de 2020 estavam registrando grande movimentação. Com o fechamento, optamos por realizar as reformas”, completa a irmã, Jaqueline.

Sem turistas, a família passou a vender seus produtos por delivery. “Criamos o café colonial na caixa”, destaca Jaqueline. “Vendíamos queijos, salames e geleias pela internet.”

Depois da implantação do protocolo estadual de distanciamento, a atividade foi voltando aos poucos. “Desde que reabrimos, nunca deixou de aparecer gente. Fizemos vendas particulares pelo nosso site, mas foi uma retomada lenta. Os grupos de agências demoraram um pouco mais, voltaram a partir de 28 de agosto. Foi como recomeçar do zero”, recorda Jaqueline.

Entre as medidas adotadas, a família Foss reduziu o número de lugares do café para aumentar o distanciamento entre as mesas, instalou uma placa acrílica transparente para isolar o músico do público e espalhou dispensadores de álcool em gel. Em clima de precaução, a interação com os turistas diminuiu. Voltou a recepção com música ao vivo, mas o uso de máscaras é obrigatório. Jaqueline lembra que, “no começo, o turista ficava um pouco resistente quanto ao uso da máscara, mas hoje entende melhor.

Para ela, a retomada do setor foi impulsionada pela necessidade das pessoas de sair de casa após meses de confinamento. “Elas queriam sair de suas cidades e passear pelo interior. O turismo rural tem procura por ser aberto. O público quer fugir de aglomerações e curtir ao ar livre. Não quer passar o dia todo trancado”, acredita.

Para a família Foss, a retomada deve ocorrer ao longo de 2021. “Temos uma expectativa boa a partir de março. Janeiro surpreendeu dentro de um cenário de pandemia. Conseguimos manter a capacidade permitida de 50%, mas ainda não nos sentimos confortáveis para ter a casa cheia”, explica Jaqueline.

 

Raízes coloniais

O Tour Raízes Coloniais contempla a visita a quatro propriedades na localidade de Linha Bonita: Casa Centenária, Ervateira Marcon, Museu Fioreze e Caffé Della Nonna – da Família Foss –, última etapa do percurso. O roteiro recebe grupos montados por agências e particulares e conta com ônibus próprio. “O ônibus tem capacidade para 50 pessoas, mas nunca ocupamos mais de 30 lugares, mesmo que seja permitido”, afirma Denise Foss.

No Museu Fioreze, a atividade turística deve retornar ao fluxo normal somente após a vacinação. O fundador do espaço, Nelson Fioreze, 84 anos, ainda não voltou ao trabalho com turistas. O negócio é tocado pelo filho, Giovani. “O pai não atende em função dos riscos. Faço o atendimento com minha esposa. É uma situação que preocupa. Vai demorar até a vacina chegar para nós”, afirma Giovani.

No recesso geral da pandemia, o faturamento familiar foi mantido com o que é produzido na agroindústria. “Vendo uva, vinho, licor, mel, geleia e outros produtos. Tudo agrega. Ficamos com o museu fechado por quase três meses e fomos reabrindo aos poucos. Hoje, procuramos manter o distanciamento e não deixamos aglomerar”, diz.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895