Retrospectiva 2020: O isolamento

Retrospectiva 2020: O isolamento

Governos colocaram milhões de pessoas em confinamento enquanto travavam uma batalha por mais vagas na rede hospitalar

Por
Jonathas Costa

Pegos de surpresa com o rápido avanço da pandemia, governos de todo o mundo colocaram milhões de pessoas em confinamento enquanto travavam uma batalha por mais vagas na rede hospitalar. O resultado foi a ressignificação do que um dia já foi considerado ‘normal’.

Pânico nas bolsas

O mercado global iniciou o ano sob intensa pressão com as incertezas causadas pela Covid-19. Com a China fechada para conter o avanço da doença e o consequente impacto na produção industrial, os mercados despencaram e viveram a maior crise desde 1930. No Brasil, seis circuit breakers chegaram a ser acionados em apenas dois meses. No final do ano, já sob a perspectiva da vacina e com políticas monetária e fiscal expansionistas mundo a fora, o impacto da segunda onda se mostrou menor.

Governo libera verbas e anuncia pacotes

Frente aos enormes desafios impostos pelo novo coronavírus — inclusive financeiros — o governo federal se viu obrigado a editar um verdadeiro ‘orçamento de guerra’. Gastos emergenciais foram autorizados a partir do primeiro semestre para mitigar os efeitos da pandemia sobre a atividade econômica. As medidas foram possíveis após a suspensão de regras fiscais para que as despesas emergenciais não ficassem sujeitas a regras fiscais, como o teto que limita o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior.
O programa que mais consumiu recursos públicos em 2020 foi o pagamento do auxílio emergencial. O benefício, inicialmente de R$ 600 e depois diminuído para R$ 300, foi essencial para manter a renda da população. Também foram criados programas para garantir a manutenção de empregos formais, suspender ou postergar pagamento de impostos e linhas de crédito para empresas. O Ministério da Economia estima que as despesas do governo relacionadas à pandemia chegaram a R$ 620,5 bilhões. 

Suspensão de contratos

Em março uma medida provisória do governo gerou forte reação política ao prever a suspensão de contratos de trabalho pelo período de até quatro meses sem pagamento de salário. Rodrigo Maia chegou a afirmar que a medida causou “pânico” e “crise desnecessária”. A medida acabou suspensa no mesmo dia e substituída, posteriormente, pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, que autorizou redução de jornada, mas com pagamento de salários, parte deles assegurados pelo governo.

Portas baixadas e prejuízos nas alturas

A necessidade de conter o avanço do vírus impôs duras restrições ao setor de serviços em todo o mundo. No Rio Grande do Sul, segundo a FCDL-RS, apenas entre março e abril o setor perdeu 44,5 mil postos de trabalho. No período, apenas 5% dos lojistas puderam operar e a queda média de faturamento foi superior a 50%. Para 26% das lojas, não foi possível faturar um centavo sequer.

Aulas suspensas, do Ensino Básico ao Superior

No dia 16 de março, quando anunciou a suspensão das aulas em todo o Estado a partir do dia 19 daquele mês, ninguém imaginou que a medida se arrastaria ao longo de todo o ano. As aulas remotas alteraram a rotina das famílias em 2020 e serviram para ampliar o abismo entre as redes pública e privada em todo o país. Antes do mesmo lado, governo e professores têm divergido sobre o retorno seguro das atividades presenciais.

Governadores em rota de colisão com o Planalto

O enfrentamento da pandemia evidenciou a crise entre governadores e o governo federal, especialmente de estados que adotaram medidas mais duras em relação à transmissão do vírus. De olho em 2022, o campo de batalha mais estridente ocorreu entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador paulista João Doria (PSDB), que se estendeu até o final do ano com o debate sobre a vacinação. Em abril, o STF determinou de forma unânime que governadores e prefeitos tinham poder para determinar regras de isolamento, quarentena e restrição de transporte e trânsito em rodovias. A decisão esvaziou os poderes do governo federal sobre a definição de quais atividades eram essenciais e serviu de combustível para manifestações pró-governo em várias cidades do país. 

Escritório na sala de casa

O trabalho remoto também entrou de vez na rotina dos brasileiros. Incentivados pelo governo e até mesmo pela OMS, milhões de trabalhadores passaram a cumprir jornada na sala de casa, o que auxiliou na diminuição da circulação de pessoas nas ruas. Mesmo após as flexibilizações, muitas empresas mantiveram os funcionários em casa, em uma realidade já classificada como ‘novo normal’.

Pransporte público em crise

Manter as pessoas mais em casa e menos nas ruas impactou em cheio o já abalado setor de transporte público, alvo de profundas transformações desde a chegada dos aplicativos. No auge da quarentena, a queda no número de passageiros transportados chegou a 75% em Porto Alegre. As empresas da Capital calcularam que os prejuízos ao longo de 2020 chegaram a R$ 100 milhões.

Desemprego bate recordes

A pandemia provocou efeitos irreparáveis a curto prazo na economia brasileiro. De acordo com o IBGE, a crise econômica que atingiu o país levou a taxa de desemprego a níveis recordes desde o início da série histórica, passando de 12,2% no início do ano para 14,6% no terceiro trimestre. No auge da crise, cerca de 1,6 milhão de vagas foram fechadas no país.

Olimpíadas são adiadas

Apesar das constantes manifestações de otimismo do Comitê Olímpico Internacional (COI) em relação à realização dos Jogos de Tóquio, inicialmente previstos para julho e agosto de 2020, no dia 24 março ficou oficializado que o evento precisaria ser transferido para 2021, um adiamento inédito na história, já que nas outras três ocasiões em que não ocorreu na data prevista — em virtude das duas grandes guerras —, os jogos acabaram cancelados. A decisão só veio após forte pressão das delegações, que começaram a anunciar boicote já que praticamente todas as modalidades tiveram uma temporada totalmente atípica.

Distanciamento Controlado: o RS em bandeiras

Considerado um desafio em todo o mundo, a gestão de uma pandemia exigiu esforços das autoridades para conseguir conciliar a rotina da população e das atividades econômicas, com uma doença até então desconhecida e os limites da rede de atendimento de saúde. E foi no Rio Grande do Sul que nasceu o projeto, depois replicado em vários estados brasileiros, de tentar medir o avanço do contágio e a capacidade da rede hospitalar. Batizado de Distanciamento Controlado, desde maio os gaúchos passaram a conviver com o modelo que divide o Estado em 21 regiões e as classifica em quatro possibilidades de cores: amarela, laranja, vermelha e preta. O programa, gestado pelo Comitê de Dados do Governo do Estado, acabou sofrendo inúmeras alterações — seja para acolher sugestões de especialistas, seja para acomodar pressões políticas ou setoriais. Primeiro veio a possibilidade de as prefeituras e associações apresentarem recursos às classificações apresentadas semanalmente. Depois, em agosto, a cogestão, onde os protocolos das bandeiras laranja e vermelha puderam ser amenizados desde que dois terços das prefeituras da região firmassem concordância. Com o agravamento da pandemia no final do ano, algumas das medidas foram suspensas. 

Escolas e eventos ensaiam retomada

Bem que se tentou. Com sinais de que a pandemia recuava no Brasil e no Rio Grande do Sul, escolas e eventos até iniciaram o processo de volta das atividades presenciais com novos protocolos de biossegurança. Mas dezembro chegou e com eles números alarmantes de alta de casos e mortes, o que levou a um recuou das flexibilizações impostas.

Bandeira preta: um final de ano dramático

O nível mais alto dentro do modelo de Distanciamento Controlado estreou no Estado justamente no final do ano, reforçando o indicativo de que o pior poderia estar começando. Com lotação das UTIs, a região Sul ficou em alerta máximo. Superado o período das festas de final de ano, novas restrições podem ser anunciadas em janeiro. 

Shows on-line e drive-ins como alternativa

Também fortemente impactado pela pandemia, o meio cultural teve que se reinventar ao longo do ano. Logo no início do período de quarentena em várias regiões do mundo, explodiram nas redes as apresentações transmitidas ao vivo. Logo as lives também viraram alternativas de financiamento frente aos cancelamentos de eventos, shows e turnês. Dos grandes nomes do showbiz até os pequenos artistas, não faltaram alternativas de performances. Em maio, Lady Gaga organizou o festival “One World: Together At Home”, que ficou conhecido como a ‘live das lives’ ao reunir mais de 100 artistas, entre eles Elton John, Stevie Wonder, Paul McCartney, Maluma, Shawn Mendes, The Rolling Stones, Lizzo, John Legend, Andre Bocelli, Celine Dion e The Killers. Com a permanência da pandemia, ressurgiram também os antigos drive-ins, com shows de música e teatro e cujas agendas se estenderam até o final do ano.

Festas viram caso de polícia

Como as aglomerações passaram a ser sinônimo de risco à saúde, as forças policiais tiveram trabalho ao longo do ano para reprimir festas e eventos clandestinos que insistiam em ser realizados mesmo com o quadro de UTIs lotadas. Nas redes sociais, artistas e influenciadores que promoveram aniversários ou casamentos com grande quantidade de convidados em plena pandemia não escaparam do julgamento popular e foram ‘cancelados’, outra prática também em alta ao longo do ano. Já em dezembro, as ceias de Natal e Ano-Novo acabaram se tornando a preocupação das autoridades. O que se viu, contudo, é que apesar de as famílias terem promovidos encontros menores e mais seguros, os jovens foram para as ruas na madrugada beber e ouvir música alta. O resultado pode ser colhido em janeiro. 

Estádios vazios e calendário sobrecarregado

O futebol parou por cerca de três meses em todo o mundo e quando a bola voltou a rolar, foi em estádios vazios. Sem fonte de renda dos torcedores e da audiência da televisão, grandes instituições, ligas e equipes entraram em crise, tendo que demitir funcionários e sugerir acordos de redução salarial com suas grandes estrelas (o que não foi bem recebido em diversas situações). O PSG de Neymar conseguiu pela primeira vez chegar à final da Liga, mas perdeu para o Bayern de Munique que, nas quartas de final, aplicou uma goleada histórica em cima do Barcelona: 8 a 2. No Brasil, os estaduais se arrastaram até setembro. Na volta das competições, os times conviveram com o risco de infecção dos atletas. Mas não foi só a pandemia que paralisou o esporte. O combate ao racismo também impactou o futebol, o basquete e a até a F-1, onde Lewis Hamilton sagrou-se campeão mundial pela 7ª vez.

Taxa de juros despenca

Na esteira das preocupações com a crise econômica gerada pela pandemia, em agosto o Banco Central decidiu reduzir a taxa Selic ao menor patamar da série histórica, iniciada em 1996: 2%. A queda foi antecedida por outros quatro cortes consecutivos do índice ao longo do ano e permaneceu assim até a última reunião do Copom, realizada no início de dezembro.

Preço do arroz dispara

Os brasileiros também se viram assombrados com a disparada dos preços de itens essenciais da cesta básica. O vilão da vez foi o arroz. Um pacote de cinco quilos, normalmente vendido a cerca de R$ 15, chegou a custar R$ 40 nas gôndolas dos supermercados. O governo se negou a interferir nos preços, mas fez um apelo aos produtores para reduzir os lucros. 

Reforma estagnada

A reforma tributária prometida por Paulo Guedes não decolou em 2020. Em julho ele apresentou a primeira fatia das propostas, que abrangia apenas a junção do PIS e Cofins em um Imposto de Valor Agregado. Nenhuma outra sugestão foi incluída no texto ao longo do ano. A possibilidade de criação de um imposto sobre transações digitais também gerou polêmica, mas ficou no papel.

Nova nota de R$ 200

Outro impacto da pandemia, a circulação de dinheiro cresceu ao longo do ano ao ponto de colocar em risco o papel moeda. Assim, em setembro o Banco Central decidiu iniciar a circulação de uma nova nota na família do Real, a de R$ 200. Do mesmo tamanho da de R$ 20 e predominantemente nas cores cinza e marrom, a nota trouxe estampado o lobo-guará. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895