RS tem cenário de estímulo ao plantio do milho

RS tem cenário de estímulo ao plantio do milho

Mesmo com inúmeras preocupações, agricultores investem no cultivo do cereal, mirando em oportunidades como a exportação para a China

Por
Camila Pessôa

Mesmo com a estiagem severa que atingiu as lavouras de milho na última safra, os custos altos e a preocupação trazida pela cigarrinha, praga que atinge a cultura mais intensamente desde o ano passado, os produtores gaúchos estão investindo no plantio para o ciclo 2022/2023, de olho em novas oportunidades no mercado externo. Uma delas é trazida por um acordo comercial entre a China e o governo brasileiro, que poderá concretizar a venda do grão produzido no Brasil ao país asiático ainda em 2022. O acordo pressupõe a exportação de milho colhido na safra 2021/2022 mesmo sem o acompanhamento de pragas e fungos exigido pela autoridade sanitária a partir de 2023. Segundo o Ministério da Agricultura, apesar da flexibilização, não há data para o primeiro embarque e nem volume estimado.

Com o acordo, o Brasil ingressará em um mercado potente de consumo de milho, uma vez que a China vem aumentando suas importações do grão e a agricultura brasileira é a segunda maior exportadora da commodity no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Entre 2020 e 2021, as importações de milho pela China cresceram em 152%, de 11,3 para 28,35 milhões de toneladas, de acordo com a Administração Geral das Alfândegas do país asiático. As exportações globais brasileiras de milho também têm previsão de crescimento, conforme dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), de 21,02 milhões de toneladas em 2021, para 44,5 milhões de toneladas em 2022 e 47 milhões de toneladas em 2023. 

A área estimada pela Emater/RS-Ascar para o cultivo de milho no Rio Grande do Sul, na safra 2022/2023, é de 831.786 hectares, o que representa um crescimento de 5,9% em relação aos 785.575 hectares da última safra. De acordo com a Emater, 35% das lavouras já estavam implantadas até metade de setembro, com diferentes estágios de avanço, dependendo da região. Enquanto a região Noroeste está com 40% de área plantada em meados de setembro, em outras regiões mais frias, no Centro e Sul do estado, o plantio está em 20% no período, segundo a Associação dos Produtores de Milho do Rio Grande do Sul (Apromilho). 

A região Noroeste vai ter a maior área plantada do Estado, de acordo com previsões da Emater. Para as regiões de Santa Rosa, Frederico Westphalen e Ijuí são esperados 126.997, 88.300 e 83.675 hectares, respectivamente. A região de Passo Fundo também espera grande área plantada, de 98.110 hectares. Em produtividade esperada, os destaques são as regiões de Erechim, com 9.497 quilos por hectare; de Passo Fundo, com 9.271; e de Ijuí, com 9.205.

O presidente da Apromilho, Ricardo Meneghetti, entende que o programa Duas Safras (iniciativa da Farsul e entidades para melhorar a produção de grãos no Estado), é um dos incentivos à produção de milho, em especial nas áreas baixas, com cultivo de arroz, por meio da tecnologia de produção em sulco-camalhão (veja mais na página central). “Fora a rotação de culturas, estamos acompanhando o movimento no exterior”, diz, lembrando da seca na China e na Europa e da guerra entre Rússia e Ucrânia, cenários que, segundo ele, garantem o escoamento da safra e a manutenção dos bons preços, hoje por volta de R$ 85,00 a saca. “Há mais de 40 dias as empresas de consultoria diziam que a Europa ia exportar 20 milhões de toneladas de milho, o que não fazia faz tempo”, comenta. Além disso, com a queda de produção nos Estados Unidos, a China deve procurar mais o milho brasileiro. 

O dirigente, entretanto, encara com ceticismo as projeções de crescimento. Meneghetti acredita que a área plantada deve ficar próxima à observada na última safra, de cerca de 750 mil hectares. “Já temos um ganho de área na Metade Sul, mas perdemos na Metade Norte. O pessoal está preferindo a soja”, comenta. Ele ressalta que, além do temor de que uma estiagem severa se repita este ano, os produtores estão preocupados com a cigarrinha do milho, praga que tem se mostrado um problema. Recorda ainda que o milho tem mais necessidade de água e um custo de produção por hectare maior. “Uma lavoura de milho, para ter um bom rendimento, precisa usar muita tecnologia e tem um custo elevado”, cita. Na safra passada, o desembolso para o plantio do milho no Estado superou os R$ 4 mil por hectare.

Outro agravante que tem feito os produtores repensarem o do cultivo, revela Meneghetti, é a dificuldade para obter seguro rural este ano, com a fuga das seguradoras devido aos gastos com a última estiagem e o fim dos recursos para o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). O dirigente também não está tão otimista quanto ao abastecimento do mercado interno. Ele acredita que a produção desta safra ainda não vai ser suficiente para atender toda a demanda do Estado, de 5,5 milhões de toneladas, com a produção ficando na média dos últimos cinco anos. “Talvez na safra 2023/24 a gente tenha produção maior”, considera o presidente. Tanto para exportar quanto para atender o mercado interno o melhor possível, com bons índices de produtividade, o produtor precisa investir em fertilizantes nitrogenados, em especial a ureia, cuja tonelada está sendo comprada hoje por R$ 1,5 mil. 

O assessor técnico da Câmara Setorial do Milho da Secretaria da Agricultura (SEAPDR), Valdomiro Haas, também aconselha atenção a uma possível estiagem, considerando os efeitos do La Niña e a experiência recente de safra afetada severamente pela falta de água, inclusive no milho irrigado. Reforça ainda a necessidade de controle da incidência da cigarrinha do milho, que pode causar a doença do enfezamento, principalmente em plantios realizados nas janelas mais tardias. 

Sulco-camalhão impulsiona milho na Metade Sul

Com a extensão da área plantada de milho usando a tecnologia do sulco-camalhão, o Rio Grande do Sul tem a possibilidade de ampliar a semeadura do grão em até 1 milhão de hectares, inclusive em áreas onde estresse hídrico é maior | Foto: Projeto Sulco / Divulgação

Tecnologia, que hoje ocupa cerca de 80 mil hectares, deve chegar a 300 mil hectares na próxima safra e vem sendo oferecida ao agricultor como solução para plantio do cereal em terras baixas e para obtenção de altas produtividades

s oportunidades de mercado e novas tecnologias atraem não só os produtores tradicionais de milho, como também os nativos das terras baixas, arrozeiros, que têm sido público-alvo do Programa Duas Safras, capitaneado pela Farsul. O programa tem recomendado que os produtores avaliem a produção do milho em detrimento da produção do arroz, que, com muita oferta, precisa ser reduzida, de acordo o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio Da Luz. Segundo ele, o milho é uma alternativa interessante para esses produtores, que já são capazes de irrigar e drenar o cultivo.

A tecnologia que permite um cultivo eficiente de milho em terras baixas é a chamada de sulco-camalhão. Ela possibilita que se plante em partes mais elevadas do terreno, intercaladas por sulcos, explica o pesquisador da Embrapa Clima Temperado José Maria Barbat Parfitt. “Então temos uma zona de cultivo e a zona de escoamento, podemos usar essa tecnologia com a cultura da soja e estamos começando com a de milho”, completa. 

Segundo ele, a tecnologia, além de facilitar a drenagem do solo, que é um problema nas terras baixas, permite a irrigação em casos de estiagem. A tecnologia custa o preço de oito sacos de milho e o resultado é uma produtividade entre 180 e 200 sacos por hectare, como afirma Parfitt. O pesquisador esclarece que a área plantada com o sistema de sulco-camalhão no Estado está entre 70 e 80 mil hectares, mas deve passar para entre 200 e 300 mil na próxima safra. 

A implementação do sistema para a produção de milho no Estado começou há 2 anos e se intensificou no ano passado, segundo o pesquisador. “Na minha opinião o próximo governador deve olhar com bons olhos a tecnologia, para fazer um programa nesse sentido”, considera Parfitt. Para ele, a Metade Sul do Estado tem potencial para tornar-se uma grande produtora de milho. “A Metade Sul tem condição para ser uma nova fronteira da produção de milho no país”, afirma, lembrando que a demanda por milho do Estado precisa de mais 300 mil hectares plantados para ser suprida e a região tem potencial para o cultivo de cerca de 1 milhão de hectares. 

Esse potencial também é observado pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR). A Câmara Setorial do Milho da pasta criou um Grupo de Trabalho para priorizar municípios na Metade Sul do Estado na ampliação do cultivo do cereal. “No sul existe uma fronteira para o milho. Estamos trabalhando com a Apromilho para que se concretize a Abertura da Colheita do Milho na Metade Sul com foco no sulco-camalhão”, declara o assessor técnico da câmara, Valdomiro Haas. Segundo ele, como o arroz produzido na Metade Sul já é tradicionalmente irrigado, uma produção de milho nessas áreas pode resistir melhor ao clima seco. No momento, o GT está buscando uma propriedade que utilize a tecnologia do sulco-camalhão para sediar a Abertura da Colheita em janeiro. “Estamos fazendo isso para mostrar que é possível produzir milho na Metade Sul”, justifica Haas. 

Mesmo com todas essas perspectivas positivas, Da Luz aponta que os produtores ainda estão cautelosos. “Como é uma cultura emergente ninguém vai plantar grandes áreas logo de cara, mas não temos dúvida de que o milho vai ser importante na Metade Sul do Estado, temos percebido uma série de movimentos convergentes e uma boa receptividade, então, em 2023, acreditamos que vai ter crescimento na plantação pela primeira vez em anos”, comenta.

Investimento deve aumentar produtividade

Maciel, gerente da Granja 4 Irmãos, de Rio Grande, espera aumentar para 200 sacos por hectare a produção em sua propriedade, onde também semeia a soja e arroz. | Foto: Granja 4 irmãos / Divulgação / CP

Leonardo Maciel Alves é gerente de tecnologia agrícola na Granjas 4 Irmãos, de Rio Grande. Com 8, 3 mil hectares de arroz e 4,9 mil de soja, a granja vai destinar este ano 734 hectares ao milho. Destes, 434 vão estar em sistema de sulco-camalhão, com plantio iniciado em 19 de setembro. O cultivo de milho da granja nesse sistema começou em 2021, quando foram plantados 30 hectares. “O sistema teve uma aceitação grande e a tendência é só aumentar”, comenta Alves. A produtividade nessa primeira experiência foi de 187,7 sacos por hectare. Este ano, Alves espera 200 sacos, como resultado de investimentos em melhorias nos sulcos e ciclagem maior do solo. 

Entre as vantagens do cultivo do milho, Alves destaca a obtenção de alimento para o gado, pois a granja também trabalha com pecuária, e mercado diversificado, inclusive com possibilidade de venda para a produção de etanol. Outra vantagem é que a cigarrinha não atinge a produção da granja. “Estamos numa região que não é produtora de milho, então ainda não tivemos problemas com a cigarrinha, mas mantemos o manejo de inverno e armadilhas, para monitorar o desenvolvimento”, afirma Alves. O sistema irrigado também se mostra uma grande vantagem, que, segundo o gerente, dispensa a necessidade de seguro rural.

Presença da cigarrinha aumentou em até três vezes

Monitoramento das lavouras contra a cigarrinha é fundamental para que se obtenham grãos saudáveis sem o enfezamento causado pela presença do inseto infectado | Foto: Leonardo Zeni / Arquivo Pessoal / CP

Inseto pode causar perda entre 80% e 100% nas lavouras, exigindo manejo com pesticidas e monitoramento adequados nas regiões do Rio Grande do Sul onde o clima costuma ser mais quente e onde é feito o cultivo do milho de segunda safra 

A preocupação dos produtores de milho com os estragos decorrentes da infestação com a cigarrinha não é desmedida. De acordo com o entomologista da Rede Técnica Cooperativa (RTC) Glauber Renato Stürmer, este ano foi observada uma população de cigarrinhas de duas a três vezes maior que a registrada na mesma época do ano passado, além de um nível maior de infestação do enfezamento. Há lavouras, segundo ele, que já fizeram quatro aplicações de inseticidas este ano, além de já haverem plantas com sintomas da doença. A justificativa para isso, diz o entomologista, é que não houve um inverno tão rigoroso este ano, o que aumentou a ocorrência de pontes verdes. As regiões mais afetadas são o Norte e o Noroeste do Estado, onde o clima é mais quente e é feito o plantio de milho de segunda safra. 

Os produtores gaúchos vêm sendo afetados pela cigarrinha há pelo menos três anos, relata o assessor técnico da SEAPDR, Valdomiro Haas. Por isso, já está estabelecido um monitoramento da praga feito pela Emater/RS-Ascar. “Tem que ser um controle precoce porque uma vez instalada a praga, o prejuízo já terá ocorrido”, lembra Haas. Atualmente, existem empresas e entidades que fazem armadilhas para o monitoramento da cigarrinha, de acordo com o gerente da Regional da Emater/RS de Frederico Westphalen, Luciano Schwerz. De cor amarela, a armadilha atrai o inseto, que fica preso em sua cola. Então é feita uma contagem. Já o monitoramento da Emater/RS-Ascar é feito a partir de visitas, durante o período da safra.

Schwerz menciona que a região de Frederico Westphalen é especialmente afetada pela praga por ter uma condição microclimática que reduz as geadas, o que faz com que o milho possa ser plantado cedo e que apareçam plantas voluntárias. “Desde julho já temos altos níveis da praga por planta e detectamos incidência maior que no último ano”, relata. Já na região de Passo Fundo, Schwerz observa que há uma presença menor da praga, ainda com algumas lavouras onde ela não foi detectada. 

Ao encontrar a praga, a Emater recomenda que o produtor utilize inseticidas químicos ou biológicos, fazendo-se em média de três a quatro aplicações. Schwerz alerta os produtores para que prestem atenção especialmente nas pontes verdes, quando há milho remanescente entre uma safra e outra. O gerente admite que o monitoramento nem sempre é eficaz, uma vez que os métodos podem detectar a presença apenas quando já há uma grande população da cigarrinha, por isso algumas empresas fazem aplicação calendarizada de inseticidas. 

“É fundamental controlar as cigarrinhas porque o dano pode comprometer 80% ou até 100% da lavoura. Como estamos conhecendo a praga, é necessário um monitoramento mais pesado, além de avaliar cultivares que resistem mais ao enfezamento e fazer o controle de plantas voluntárias para não deixar a ponte verde”, ressalta Schwerz, lembrando que o manejo da praga não pode ser feito apenas com a utilização de inseticidas, mas também ao longo do ano, com a escolha de insumos, aproximação da janela de plantio e acompanhamento durante o ciclo. 

Plantio Tardio para garantir melhor preço

Armadilhas com cola, que atraem a cigarrinha e a capturam, estão sendo usadas por produtores nas regiões mais afetadas pela praga, como forma de detectar precocemente o inseto | Foto: Leonardo Zeni / Arquivo Pessoal / CP 

O produtor Vagner Araújo, do município de Herval, na região sul do Rio Grande do Sul, planta milho há oito anos. Ele ainda está colhendo a produção de sua última safra e pretende plantar novamente em 40 hectares da propriedade a partir de 20 de novembro. O produtor vai escalonar sua plantação para diminuir os riscos de perda com uma possível estiagem na safra 2022/2023. Até agora, nesta safra, a produtividade de Araújo está em cerca de 95 sacos por hectare. Além dos problemas com a falta prolongada de chuva, Araújo ressalta que teve perdas decorrentes das invasões de javalis, que o fizeram perder cerca de três hectares semeados este ano. 

Por uma questão estratégica, o agricultor prefere um plantio mais tardio do milho. “Não adianta eu ter muito milho em agosto, setembro e outubro. É melhor em dezembro, janeiro e fevereiro, quando o preço está melhor”, justifica. Araújo também investiu em secadores para armazenar o grão por um período maior de tempo e escolher quando vender. “Com isso, a minha rentabilidade com o milho é maior do que a com a soja”, relata. 

Para não sofrer maiores prejuízos se houver estiagem no verão, Vagner Araújo pretende construir açudes, mas também espera a construção dos microaçudes prometidos pelo governo do Estado para este ano. A longo prazo, o agricultor ainda pretende investir em irrigação.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895