Sistema bancário volta a preocupar o mundo

Sistema bancário volta a preocupar o mundo

De olho nas turbulências do setor bancário nos Estados Unidos e na Europa, o BID realiza assembleia no Panamá

Por
AFP

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) abriu quinta-feira sua assembleia anual no Panamá, com uma agenda focada na luta contra a pobreza e as mudanças climáticas, mas com os olhos voltados para o sistema bancário em meio às turbulências no setor nos Estados Unidos e na Europa.

A assembleia reúne os titulares das finanças do continente, dias depois da quebra do Silicon Valley Bank e de outros dois bancos nos Estados Unidos, e em plena crise envolvendo o Credit Suisse na Suíça. “Um tema (que os governantes dos 48 países do BID devem discutir em suas sessões fechadas neste sábado e domingo) é verificar se a regulação bancária está bem estabelecida e se os bancos a estão cumprindo”, disse à AFP o economista e acadêmico Guillermo Larraín, ex-superintendente de Valores e Seguros do Chile.

O novo presidente do BID, o brasileiro Ilan Goldfajn, indicou quarta-feira, em entrevista coletiva após desembarcar no Panamá, que os governadores irão falar sobre “a conjuntura”. Criado em 1959 e com sede em Washington, o BID é uma das principais fontes de financiamento a longo prazo para a América Latina e o Caribe. Contudo, Goldfajn afirmou que a quantidade de crédito que a instituição concede não é relevante nem quanto dinheiro ela empresta. 

Goldfajn disse que a região deve “resolver o desafio” de como atender “a muitas demandas sociais com poucos recursos” e ressaltou que essa questão será tratada na assembleia. “Os cidadãos querem melhores índices, menos pobreza, mais igualdade, mais educação, mais saúde”, mas “os países têm recursos limitados por conta de dívidas, déficit fiscal, o orçamento nunca é infinito”. “Então, é preciso criar os recursos, mas, para isso, é preciso crescimento”, apontou.

CRISE BANCÁRIA

A assembleia começou cinco dias depois que os reguladores financeiros dos Estados Unidos assumiram o controle do Silicon Valley Bank (SVB) da Califórnia, após uma onda de saques maciços de clientes, que o levou à falência. Dias depois, houve intervenção no Signature Bank, com sede em Nova Iorque.

Autoridades americanas anunciaram medidas radicais para proteger os depósitos bancários, mas não conseguiram dissipar todos os temores, o que afetou as bolsas ao redor do mundo nesta semana. “Acredito que seja uma situação em desenvolvimento, que, a princípio, está bem encaminhada, mas que está em desenvolvimento”, considerou Larraín, que também foi presidente do Banco Estado no Chile. “O que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) tenta fazer, e os reguladores estaduais, é criar condições para evitar uma crise de pânico dos correntistas. Isso é algo sobre o qual há um certo grau de controle, mas não é total”, acrescentou.

As turbulências no sistema bancário dos EUAs chegam em um momento complicado para a América Latina e o Caribe. A dívida total da região chega a 5,8 trilhões de dólares, equivalente a 117% do PIB regional. Em 2008, esse valor era inferior a 3 trilhões, revelou o BID, que considera preocupante essa tendência. 

Goldfajn ressaltou que, nas últimas duas décadas, a região cresceu 12 vezes menos do que os países asiáticos emergentes. Além disso, nos cinco anos anteriores à pandemia, suas economias retraíram, enquanto praticamente todas as demais registravam crescimento. Goldfajn também advertiu que a pandemia piorou as coisas, dobrando o déficit fiscal e fazendo a dívida pública disparar. E, agora, o ambiente financeiro internacional exerce mais pressão sobre a América Latina e o Caribe, onde a inflação disparou.

A agenda da assembleia traz seminários com especialistas sobre segurança alimentar, investimentos sociais para reduzir a pobreza, infraestrutura para o desenvolvimento, parceria público-privada, proteção da biodiversidade e mudanças climáticas. Essa será a primeira assembleia presencial do BID desde 2019. Os três principais acionistas do banco, Brasil, Estados Unidos e Argentina, possuem, juntos, quase 53% dos direitos de voto na instituição.

O SVB trabalhava com o setor tecnológico

As autoridades estadunidenses fecharam, no dia 10, o Silicon Valley Bank (SVB) para proteger os depósitos de seus clientes e reabriram a instituição no dia 13 sob controle federal, em meio a temores de contágio para o restante do setor bancário. O banco, que trabalha com o setor tecnológico desde a década de 80, ficou, surpreendentemente, sem liquidez. O Departamento de Proteção Financeira e Inovação da Califórnia (DFPI) fechou o SVB e nomeou a Corporação Federal de Seguro de Depósitos (FDIC) como depositária dos fundos do banco. A curto prazo, os clientes poderão sacar até 250 mil dólares (cerca de R$ 1,3 milhão). Os clientes com mais dinheiro no banco, que são a grande maioria, foram convidados a entrar em contato com a FDIC. 

O SVB é a primeira instituição com depósitos garantidos pela corporação federal a quebrar desde 2020, segundo a FDIC. Trata-se, também, da maior falência bancária nos Estados Unidos desde a crise de 2008 em volume de ativos.

A situação gera temor entre os investidores de que outros bancos possam ter problemas em meio à escalada dos juros para conter a inflação. A decisão das autoridades protege o patrimônio dos clientes e permite ganhar tempo, a fim de encontrar potenciais compradores para os ativos da entidade em falência.

O SVB era um banco californiano que tinha negócios principalmente com fundos que investem em empresas não negociadas em bolsa. Pouco conhecido do público, era o 16º banco americano em tamanho de ativos. A instituição, que operava em Estados Unidos, Europa, Ásia e Israel, oferecia serviços financeiros, entre outros, para start-ups, desde contas bancárias até assessoria. O SVB sofreu com a deterioração do setor: a alta brusca dos juros nos EUA, que afeta um ramo altamente dependente de financiamento para crescer, somada às dificuldades de fornecimento de semicondutores e ao apetite fraco dos investidores pelas ações de tecnologia, marcam o fim da euforia tecnológica pós-pandemia.

O pânico teve início depois que o controlador do banco, SVB Financial Group, anunciou que tentaria levantar 2,25 bilhões de dólares (R$ 12,9 bilhões). O grupo vendeu rapidamente um portfólio de 21 bilhões de dólares (R$ 109 bilhões) em títulos financeiros, com prejuízo estimado de 1,8 bilhão de dólares (R$ 9,3 bilhões). Segundo o canal especializado em economia CNBC, o banco não conseguiu obter o capital necessário e negociava a sua venda para outra instituição bancária antes do anúncio das entidades reguladoras.

Credit Suisse, grande demais para quebrar


As ações do banco Credit Suisse chegaram a cair até 30% na quarta-feira.Foto: Fabrice Coffrini / AFP

As ações do banco Credit Suisse chegaram a cair até 30% na quarta-feira, apesar das tentativas do presidente do segundo maior banco da Suíça de tranquilizar os investidores ante as instabilidades do setor bancário. A ação da instituição, considerada o ponto frágil da rede bancária na Suíça atingiu um mínimo histórico de 1,55 franco suíço.

O presidente do Credit Suisse, Axel Lehmann, descartou que o estabelecimento precise de ajuda governamental, mas suas declarações não conseguiram acalmar os mercados. “Não é um tema”, afirmou ele, durante conferência do setor bancário na Arábia Saudita. “Temos índices financeiros sólidos, um balanço sólido”, insistiu.

Abalado por vários escândalos, o Credit Suisse registrou prejuízo líquido de quase 7,3 bilhões de francos suíços (7,917 bilhões de dólares) em 2022. Este foi o pior resultado de um banco suíço desde a crise financeira de 2008, quando a instituição registrou prejuízo superior a 8 bilhões de francos. “Parece que cada vez mais investidores estão olhando para o CS (Credit Suisse) como o próximo dominó mais provável de cair”, disse Neil Wilson, analista da Finalto. Mas “é realmente grande demais para quebrar”, acrescentou. 

Ao contrário do SVB, o estabelecimento suíço é um dos 30 bancos internacionais considerados “grandes demais” para que se deixe entrar em falência, o que também lhe impõe regras mais rígidas para resistir, em caso de fortes choques. A preocupação se estende para além da Suíça e o Tesouro americano declarou que estava "vigiando a situação e em contato com seus homólogos internacionais". 

O colapso das ações do banco suíço se acelerou após a recusa de seu principal acionista, o Banco Nacional Saudita, a ampliar sua participação no capital. Questionado pela Bloomberg TV se o banco saudita poderia investir mais, seu presidente, Amar Al Judairy, disse: "A resposta é absolutamente não, por várias razões cada vez mais simples, que são regulatórias e estatutárias". Os sauditas possuem, hoje, 9,8% do banco suíço.

Por que os EUA não previram?

Os reguladores americanos falharam em detectar os sinais de alerta que lhes permitiriam agir antes da espetacular falência do Silicon Valley Bank (SVB), em um ambiente de leis permissivas demais, afirmam vários analistas. Como pôde o 16º maior banco americano em volume de ativos desmoronar tão rapidamente?

A quebra "evidencia as insuficiências das reformas regulatórias feitas" após a crise financeira de 2007-2009, diz Arthur Wilmarth, da Universidade George Washington. Diversos elementos deveriam preocupar os reguladores, começando pelo fato de que o banco estava muito concentrado em alguns clientes de alto risco, startups e investidores de capital de risco, assim como outras empresas fizeram de maneira errada no passado com o setor imobiliário ou com empréstimos a países emergentes, explica.

Outros alertas deveriam ser o rápido crescimento do SVB entre 2020 e 2022, sua exposição a títulos de longo prazo a taxas baixas no momento em que os juros subiam com rapidez e o fato de que a maioria de suas contas tinha saldo superior aos 250 mil dólares (cerca de R$ 1,3 milhão) garantidos pelas autoridades. "É uma combinação segura para o fracasso se a economia for mal", garante Wilmarth. "Os reguladores não podiam ignorar isso”. 

Vários observadores apontam a flexibilização da lei americana Dodd-Frank adotada após a crise de 2007-2009, que obrigava todas as empresas com mais de 50 bilhões dólares (R$ 262,5 bilhões) em ativos a apresentar regularmente um cenário de liquidação. Em 2018, durante o mandato de Donald Trump, este limite subiu para 250 bilhões dólares (R$ 1,3 trilhão), flexibilizando de fato a norma.

"Quando os requisitos de regulamentação são relaxados, isso coloca muito mais pressão sobre os reguladores, pois eles não têm acesso aos sinais de alerta" detectáveis em controles automáticos, aponta Anna Gelpern, da Universidade de Georgetown. Mas "isso não os isenta do que parece ser uma falha de supervisão" por parte daqueles que devem garantir uma gestão "segura e confiável" de todos os bancos.

A regulamentação também era inadequada no caso particular do SVB, estima Michael Ohlrogge, da Universidade de Nova York. O fato de que os investimentos em títulos respaldados pelo Estado sejam considerados "quase isentos de risco quando se trata de calcular as exigências de capitalização" se traduziu no SVB poder "fazer grandes apostas sobre (esses produtos) sem nenhum colchão de apoio".

Quando se trata de avaliar a resiliência dos bancos, os reguladores partem do princípio de que os clientes de uma companhia com mais de 250 mil dólares em depósitos não fugirão repentinamente "se fazem negócios com o banco", indica Ohlrogge. Mas com os clientes do SVB tentando retirar dezenas de bilhões de dólares assim que apareceram os primeiros sinais de problemas, "essa suposição certamente terá que ser revista".

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895