Sistema de contenção apresenta desafios

Sistema de contenção apresenta desafios

Leilão de concessão da área do Cais Mauá deve ocorrer em 21 de dezembro. O projeto de reforma do cais prevê a derrubada do muro da Mauá, que seria substituído por outra estrutura contra enchentes

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Correio do Povo

O muro do cais Mauá e suas comportas devem dar lugar em breve a um novo sistema de prevenção à enchentes. O leilão de concessão da área do Cais Mauá, que fica na área do Centro Histórico de Porto Alegre, está previsto para ocorrer em 21 de dezembro. A privatização será de 30 anos, com investimento previsto de R$ 353,3 milhões.

O projeto de reforma do cais prevê a derrubada do muro da Mauá, criado após a história enchente de 1941. A estrutura seria substituída por outro sistema de contenção de enchentes, que deve incluir uma barreira fixa de 1,26 metro de altura, com um passeio elevado e arquibancadas viradas para o rio, além de barreiras móveis, ampliando a capacidade do sistema até a altura atual, que é de 3 metros acima da cota de inundação.

A previsão é de que as estruturas sejam utilizadas no trecho compreendido entre a doca mais próxima da estação Rodoviária do Trensurb e o limite da área do Gasômetro, com comprimento 3,1 km. Um estudo de viabilidade técnica, apresentado pelo consórcio Revitaliza, aponta quatro modelos de diques móveis. 

Foram avaliados quatro modelos de diques móveis, sendo dois classificados como temporários e outros dois, como desmontáveis. Os modelos temporários são soluções de tubos infláveis com água cujos nomes comerciais são Aquadam e Aquabarrier. As opções desmontáveis são o sistema estaiado Aquafence e o modular Inero. O estudo aponta que um dos modelos, o Inero, não cumpre a exigência de atingir 3 metros de altura acima da cota da inundação.

A substituição do muro por outro sistema é defendido pelo governador Eduardo Leite. Um dos principais argumentos de Leite é a mudança de perfil das atividades econômicas desenvolvidas na área.

“A atividade portuária antes não permitia colocar um muro na beira do cais, em função da movimentação das cargas. Então era uma área que sempre estaria vulnerável, pela atividade que tinha. Agora, se propõe aos armazéns uma atividade de gastronomia, entretenimento, é outro tipo de uso. Bom, então agora o sistema precisa abarcar a própria região dos armazéns”, afirmou Leite em setembro, durante a reabertura das comportas, após a enchente que atingiu Porto Alegre no início daquele mês.

Nos quatro modelos, a recomendação é de que as estruturas fiquem guardadas nos armazéns do cais, o que depende de liberação das autoridades ligadas ao patrimônio histórico. Caso elas fossem armazenadas em outro espaço, seria necessária uma logística complexa em função do tamanho e peso dos diques móveis.

O estudo diz que deve-se considerar custos de armazenamento, transporte, equipamentos de montagem e enchimento (se for o caso), veículos leves e pesados de apoio, equipes de montagem e desmontagem, segurança e reposições diversas. Também recomenda que, antes da derrubada do muro, o sistema escolhido seja totalmente implantado e testado.

Cheia bate recorde e comportas apresentam falhas

No dia 21 de novembro, o nível do Guaíba atingiu o patamar de 3,46 m no Cais do Porto às 8h e renovou a maior marca desde a grande enchente de 1941 em Porto Alegre. Foi um dia para pôr à prova o sistema de contenção de cheias da cidade. E houve falhas.

Todo o complexo se estende da freeway à avenida Diário de Notícias e conta com mais de 68 quilômetros de diques, 14 comportas e 23 casas de bombas. O fechamento dos portões foi acionado no dia 20 pela manhã, pela terceira vez no ano, e ocorreu em um momento no qual a água do Guaíba já invadia pontos do 4º Distrito. Após enfrentar problemas para fechar a comporta de número 12, todo o sistema ficou vedado por menos de quatro horas. Ainda durante a tarde de segunda-feira, dia 21, a comporta de número 13 não conteve a água, cedeu e gerou o colapso do sistema na região.

O portão localizado na região do Parque Náutico, abriu parcialmente e sobrecarregou o conduto forçado, projetado para reduzir alagamentos, e ocasionou a inundação no 4º Distrito. Sem a proteção atuando conforme projetada, a água também invadiu os trilhos da Trensurb.

De acordo com o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), a vedação com sacos de areias não havia sido realizada na comporta que falhou, como procedido nas demais aberturas do Cais Mauá, ocasionando o extravasamento para as vias do entorno. Uma operação especial foi montada desde as 22h de segunda e avançou pela madrugada e manhã da terça-feira. A intenção era diminuir o vazamento de água, que durante à noite, chegava a criar correnteza na avenida Voluntários da Pátria.

Mesmo com o auxílio da barreira formada com lonas e sacos de areia, a água começou a invadir a Avenida Mauá, no Centro Histórico, a partir de vazamento na comporta de número 3, próximo ao Tribunal de Contas do Estado. O portão não impediu um fluxo contínuo, mesmo que ainda pequeno, sobre a via.

Como as galerias de drenagem pluviais do entorno estão dando conta, não havia acúmulo de água no local suficiente para causar transtornos ao trânsito de veículos. O mesmo ocorreu em um dos maiores portões de todo o sistema de diques da cidade, o de número 12 na altura da avenida Cairú e que dá acesso da Voluntários da Pátria à Castelo Branco. 

Impacto à paisagem e defesa da cultura

O leilão de concessão do Cais Mauá à iniciativa privada prevê alterações na paisagem característica dessa área intimamente ligada à história de Porto Alegre. Entre as mudanças previstas estão a construção de prédios e a substituição do muro da Mauá por um novo sistema de contenção contra as cheias.

O professor de Arquitetura e Urbanismo da Ufrgs e doutor em Planejamento Urbano e Regional Eber Pires Marzulo vê dois problemas principais na substituição do muro. Um deles é a necessidade do novo sistema ser testado, para garantir que a proteção se manterá. “O sistema que foi instalado em 1971 passou por três testes nos últimos oito anos e isso tende ocorrer mais sistematicamente e com maior intensidade, em função dos eventos climáticos extremos. Qualquer outro sistema teria que passar por testes rigorosos. Além do que o Guaíba tem condições muito particulares, com características de delta de rio e de lago e a extensão da barreira seria longa”, afirma.

Outra questão “não menos grave”, avalia Marzulo, é o impacto à paisagem da cidade. “É um traço característico muito importante. Uma das imagens fortes que a cidade tem é o conjunto de armazéns visto do rio. Com o sistema proposto, aquilo sofre interferência, porque sobe uma boa altura em relação aos armazéns.” Umas das alternativas discutidas para viabilizar a ocupação dos armazéns com o muro é a elevação do piso dos armazéns ou a construção de um piso móvel.

Os Armazéns de Volta à cultura

O coletivo Cais Cultural Já e o projeto de extensão Ocupação Cais Mauá Cultural, da Ufrgs, defendem que os armazéns A1 e B1 e o pórtico, que são patrimônios protegidos pelo Iphan, se mantenham sob controle público e sejam destinados a atividades culturais. O docente, que também integra o Ocupa Cais Mauá Cultural, argumenta que esta já era a finalidade dos armazéns desde o declínio da atividade portuária até o fechamento do Cais à população, em função do projeto de concessão.

“A questão, nesse momento, é garantir os armazéns para uso cultural e públicos, independente do edital ter ou não interessados. Tendo interessados, até a efetivação do negócio, tem muita água para correr", aponta. Marzulo coordena um projeto de extensão na Ufrgs criado para avaliar a viabilidade da ocupação dos armazéns para fins culturais. O professor recorda que somente a Feira do Livro movimentava os armazéns cerca de 30 dias por ano e que a Bienal promovia atividades durante 60 dias a cada dois anos na área. “Há viabilidade e Porto Alegre tem movimentação cultural capaz de usar sistematicamente a área”, conclui.

Logo que o edital foi publicado, em setembro, o coletivo Cais Cultural Já e o projeto de extensão Ocupação Cais Mauá Cultural, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), emitiram uma nota com considerações a respeito do documento. 

A nota cita que no edital anterior estavam previstos 90 dias por ano destinados ao uso público por parte do Estado, já no atual estão previstos 30 dias ao ano. Outra preocupação é a preservação dos armazéns, regulamentadas por uma portaria do Iphan de 2016. O texto aponta que não há clareza no edital a respeito da área no entorno dos armazéns, onde há restrições para construção e colocação de anúncios ou cartazes que interfiram nas paisagens desses edifícios em função do tombamento.

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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895