Tabaco: volume e bons preços para venda

Tabaco: volume e bons preços para venda

Fumicultores da Região Sul devem colher até fevereiro cerca de 600 mil toneladas de folhas na safra 2022/2023, 7,95% a mais que no ciclo do ano passado, com boa qualidade e expectativa de remuneração

Por
Patrícia Feiten

Típica de pequenas propriedades rurais, a fumicultura garante a subsistência de mais de 64,7 mil famílias no Rio Grande do Sul e reflete a resistência de uma atividade duramente impactada pelas campanhas antitabagistas nas últimas décadas. Na safra 2022/2023, quem persistiu no ramo no Brasil terá um aumento de 1,67% na produtividade na comparação com o ciclo anterior. Com a expansão na área cultivada, a Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra) projeta uma colheita de 604,7 mil toneladas nos três estados da Região Sul até fevereiro do próximo ano, um aumento de 7,95% sobre a temporada 2021/2022. Desse total, 18,1% já estão nas estufas que fazem a secagem (cura) das folhas de fumo antes da venda às indústrias beneficiadoras. 

“De modo geral, a qualidade dessas primeiras curas está muito boa e, com isso, a perspectiva de comercialização é muito boa”, avalia o presidente da Afubra, Benício Albano Werner. Na última safra, o preço médio do tabaco negociado entre produtores e indústrias subiu 61% em relação ao do ciclo 2020/2021, para R$ 17,02 o quilo. Essa valorização é atribuída à redução da oferta internacional do produto, já que muitos países exportadores enfrentaram problemas climáticos. A alta de custos dos insumos e da cada vez mais escassa mão de obra no setor, porém, revelou um 2022 difícil para os agricultores. “Na safra passada, quando se iniciou esse grande aumento de preço de fertilizantes, os produtores já estavam com tudo em casa, então não sofreram (o impacto)”, diz Werner.

De janeiro a outubro deste ano, o Brasil enviou para o exterior 455,2 mil toneladas de tabaco, um acréscimo de cerca de 80 mil toneladas em relação aos volumes do mesmo período de 2021. Em termos financeiros, os embarques acumulados neste ano significaram uma receita de 1,829 bilhão de dólares, 56,6% superior à dos 10 primeiros meses do período anterior. Os preços médios de exportação, que na safra passada estavam em 3,11 dólares o quilo, avançaram para o patamar de 4,02 dólares em outubro passado. 

O presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco), Iro Schünke, explica que, com os problemas logísticos causados pela pandemia de Covid-19, muitos volumes deixaram de ser embarcados em 2021 e entraram na contabilidade das exportações deste ano. “O Brasil tem conseguido exportar, em média, perto de 500 mil toneladas por ano, está mais ou menos estável. Vamos completar 30 anos consecutivos como o maior exportador (desde 1993)”, destaca Schünke. 

Hoje, o país só perde no ranking da produção de tabaco, liderado pela China. Segundo Schünke, os investimentos em tecnologia vêm ajudando os produtores a fortalecer a presença no mercado externo, mas a disseminação de práticas sustentáveis também tem papel importante. “Estamos mais adiantados que os concorrentes nesse aspecto, e é importante que a gente mantenha o que já conquistou, por exemplo, em preservação de mata nativa”, avalia.

O produtor Joel Junkherr, de Santa Cruz do Sul, plantou 200 mil pés de tabaco neste ano e está na reta final da colheita. O fumo ocupa 7 dos 11 hectares da propriedade da família, na localidade de São José da Reserva, e outros 7 hectares arrendados de terceiros. Para a safra 2022/2023, Junkherr e a esposa, Alexandra, projetam uma produtividade de 3 mil a 3,3 mil quilos por hectare (ou 14 arrobas por mil pés plantados). Na fazenda própria, cerca de 100 mil pés de tabaco contam com fertirrigação, enquanto a lavoura na área arrendada é irrigada por aspersão. Canteiro-padrão para a produção de mudas, camalhão alto no manejo do solo, arado de três linhas e cinco estufas de secagem do tipo LL completam os recursos usados pelos agricultores. “Essas coisas fazem diferença na produção. Para o futuro, a ideia é mecanizar um pouco a lavoura, com facilitadora de colheita, transplantadora”, diz Junkherr. 

Filho de fumicultores, ele trabalha em parceria com a companhia British American Tobacco (BAT) e foi um dos primeiros de sua região a operar no sistema de produção integrada do tabaco, que surgiu com a adesão das indústrias ao projeto criado pelo governo federal para a certificação de algumas culturas. Para participar do projeto, os produtores precisam adotar boas práticas agrícolas, informam todos os processos desenvolvidos no campo, da semeadura até o envio do produto às empresas, e passam por auditorias. “A gente tem acompanhamento técnico no dia a dia. Toda a tecnologia nova eles repassam em primeira mão, e a gente vê se é viável ou não na propriedade”, afirma Junkherr. Segundo o agricultor, o certificado de excelência na lavoura, que conquistou em 2021, atesta a pureza do item cultivado e facilita a comercialização. “A gente tem um controle muito grande, tem a rastreabilidade desse tabaco”, diz.

“Aflições” permeiam a fumicultura

Cláudia e a família, com propriedade no município gaúcho de Sinimbu, têm trabalhado com a diversificação de culturas, para diminuir a dependência econômica do tabaco, como batatas, milho, feijão, mandioca e hortaliças | Foto: Janice Hirsch / Divulgação / CP. 

Agricultura relata a penosidade do cultivo do fumo, com colheita sendo realizada durante o rigor do verão, e a ausência de descanso entre uma safra e outra 

Terceira geração da família na cultura do tabaco, a agricultora Claudia Hirsch Wegner, de Sinimbu, plantou cerca de 30 mil pés de fumo neste ano e, desde o início de outubro, já colheu metade da safra esperada para o ciclo atual, de 10 arrobas (15 quilos) por mil pés. Na fazenda de 14 hectares, na localidade de Linha Rio Grande, ela conta com apenas uma estufa para cura do tabaco e, se o clima colaborar, deve terminar a colheita até a metade de janeiro. “A gente depende do tempo. Acabamos alugando outras estufas na vizinhança para poder colher antes e (a planta) não perder qualidade”, diz Claudia.

Embora gere 75% da renda familiar, o tabaco envolve um percurso pontuado por uma série de “aflições”, nas palavras da agricultora. “Ele é muito importante na nossa propriedade, mas dá muito trabalho. A colheita é no alto do verão”, explica. A estufa de secagem das folhas exige monitoramento permanente, pois as altas temperaturas aumentam riscos de incêndio. Mesmo desfrutar de um merecido descanso se revela um sonho distante. “A gente está preparando uma safra para vender e já está produzindo as mudas da próxima. Férias, nunca”, detalha Claudia, que vende a produção para a China Brasil Tabacos, subsidiária local da maior companhia de tabaco do mundo, a China National Tobacco Corporation.

Para reduzir a dependência financeira da fumicultura, os Wegler plantam milho, feijão, mandioca, batata-doce, batata-inglesa e hortaliças e, em outra propriedade próxima, de 27 hectares, cultivam cana-de-açúcar, matéria-prima usada na elaboração de melado e chimias coloniais. Há três anos, eles passaram a destinar o excedente da produção agrícola a escolas municipais por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – a lei determina que no mínimo 30% do valor repassado pelo governo federal a estados, municípios e Distrito Federal ao programa seja usado na compra de alimentos de agricultores e empreendedores familiares rurais. “Nossos pais já produziam seu próprio alimento. Nessa produção de outras coisas, a gente viu uma alternativa”, conta Claudia.

A família investe ainda no turismo rural. Em uma casa centenária alugada na localidade de Linha Rio Grande, implantou o Café Enxaimel, pousada onde recebe pequenos grupos para eventos como festas de aniversário e fim de ano. Entre as atrações oferecidas, estão passeios de dindinho pelas lavouras e caminhadas ecológicas – na “Trilha do Caldo de Cana”, por exemplo, o turista pode experimentar o processo de extração da bebida em uma prensa manual. “Já atendemos mais de 800 pessoas desde dezembro passado de todos os cantos do país e até de fora. Acho que a gente está no rumo certo”, avalia Claudia. 

Graças à diversificação, a agricultora diz que hoje consegue cobrir os custos de produção e ainda reinvestir uma parcela da renda na propriedade. Com isso, espera incentivar o filho, Franklin Aberto Wegler, de 16 anos, a vislumbrar um futuro promissor na agricultura. 

O Programa Milho, Feijão e Pastagens Após a Colheita do Tabaco é uma das iniciativas de incentivo à diversificação nas propriedades rurais. Desenvolvido pelo Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco (SindiTabaco) há três décadas, em parceria com as entidades do setor e o governo estadual, o projeto busca conscientizar os agricultores sobre as vantagens da rotação de culturas nas áreas de fumo. Neste ano, o cultivo de grãos proporcionou às 124.993 famílias produtoras dos três estados do Sul uma renda extra de R$ 779 milhões, sendo R$ 344 milhões no Rio Grande do Sul – em razão da forte estiagem, que impactou principalmente as lavouras gaúchas no último verão, o resultado ficou abaixo dos R$ 993 milhões de renda extra de 2021. 

Por trás da substituição de um cultivo por outro, no entanto, há uma equação complexa. Para alcançar a rentabilidade obtida em um hectare de tabaco, o agricultor precisa plantar o equivalente a 7,32 hectares de soja ou 5,33 hectares de milho, segundo dados da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra). O presidente da entidade, Benício Albano Werner, diz que diversificar o plantio também ajuda a manter as famílias nas suas propriedade. Hoje com 64.761 famílias produtoras, o Rio Grande do Sul, por exemplo, foi o estado que registrou a maior queda no número de fumicultores neste ano na comparação com o ano de 2021, de 4,26%. “Muitos produtores estão se aposentando ou saindo da atividade. Se olharmos para os municípios do Vale do Rio Pardo, eles começaram a se industrializar e muito dessa mão de obra saiu da área rural”, observa Werner.

Produtores avaliam prós e contras

Schneid, mesmo com as dificuldades, pretende seguir com o plantio do tabaco, o qual representa 50% da renda de sua propriedade , pois, segundo ele, há cada vez menos produtores e a indústria tem disputado o produto | Foto: Marcia Schneid / Divulgação / CP.

Famílias da produtoras de tabaco reconhecem que a rentabilidade estimula o produtor a plantar, embora reclamem das dificuldades de manejo e do atrelamento à indústria

No dia 6 de dezembro, São Lourenço do Sul foi o cenário da Abertura Oficial da Colheita do Tabaco, realizada na propriedade dos agricultores Romiro Bierhals e Tiago Rutz Krolow, na localidade de Campos Quevedos. Terceiro maior produtor de tabaco do Estado, atrás apenas de Canguçu e Venâncio Aires, o município da Metade Sul gaúcha entregou 15,3 mil toneladas do produto na safra 2021/2022, com uma receita estimada em R$ 247 milhões – cada agricultor recebeu, em média, R$ 16,12 por quilo vendido. Esse desempenho foi resultado do trabalho de 3.930 famílias de fumicultores, entre os quais o agricultor Gustavo Schneid, que atua no ramo há duas décadas.

A cada safra, Schneid colhe em média 8 mil quilos de tabaco, cultivado em cinco dos cerca de 80 hectares da propriedade herdada dos pais. “A gente tinha pouca área, e o tabaco era uma cultura que dava mais renda numa pequena área. Fomos comprando outras e começamos a plantar soja. Hoje, temos milho e produção de leite também”, conta. Segundo o produtor, a decisão de ampliar os cultivos agrícolas foi motivada principalmente pela intenção de aliviar a rotina pesada na lavoura. A colheita das folhas de fumo, que depois são secadas e avaliadas de acordo com sua cor e textura, é manual e ocorre entre os meses de novembro e fevereiro, sob calor intenso. “(A diversificação) melhorou um pouco a vida, por causa do maquinário”, diz Schneid. 

O tabaco, no entanto, ainda representa 50% da renda da propriedade. Em razão desse retorno financeiro e dos altos custos associados ao plantio da soja e do milho, o agricultor afirma que não tem planos de abandonar a fumicultura. “O preço (do quilo de tabaco) hoje é vantajoso. Falta produtor, e as empresas estão correndo atrás do produto”, destaca. 
Com atividade no mesmo município, a família Lemke optou por um caminho diverso. Há quatro anos, eles abandonaram a fumicultura para se focar em outras fontes de renda, como a produção leiteira. “Sempre tivemos tambo de leite, e os dois serviços requerem muita mão de obra. A gente pegou uma época em muitos começaram a parar e entrou na onda. (Pesou) a questão de a colheita ser a céu aberto, no sol forte”, explica o produtor Danilo Lemke, que administra a fazenda ao lado do pai, Daniel.

Além do trabalho exaustivo na lavoura, Lemke diz que um fator de insatisfação entre muitos fumicultores é a dependência do sistema integrado de produção de tabaco, no qual as indústrias fornecem os insumos para o plantio e se comprometem com a compra da safra. “Sempre tivemos uma relação muito boa com todas as empresas com que trabalhamos. Mas, muitas vezes uma está pagando melhor que a outra, e o produtor acaba ficando refém da empresa (com qual tem contrato) por causa dos insumos (devidos)”, avalia Danilo.

A família também passou a investir na olericultura como alternativa ao cultivo do tabaco. Mas a menina dos olhos da propriedade hoje é o capim jiggs, espécie de forrageira usada em sistemas de pastejo de bovinos. Os Lemke produzem de 10 mil a 12 mil mudas por hectare e, além de comercializar as plantas, prestam serviço de plantio em outras fazendas da região. “Como é uma pastagem perene, tem tido bastante procura. Não nos arrependemos de ter deixado de plantar (tabaco)”, afirma Danilo. 

Família Lemke abandonou a fumicultura por se sentir prejudicada pelo sistema de precificação e hoje investe em outros plantios, como o do capim jiggs, espécie forrageira usada no pastejo de bovinos | Foto: Davi Lemke / Divulgação / CP.

Expectativa pela COP-10

Programada para novembro, no Panamá, a 10ª Conferência das Partes (COP-10) da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco (CQCT) da Organização Mundial da Saúde (OMS) é um dos acontecimentos que devem concentrar as atenções da indústria fumageira em 2023. O evento bianual – a última edição ocorreu no ano passado, em Haia, na Holanda, de forma virtual – não recebe representantes da cadeia produtiva, mas gera apreensão no setor, que teme os impactos de medidas restritivas sobre a agricultura.

“Esperamos que a posição do Brasil seja uma posição de governo, com a participação da sociedade e de todas as pastas afins aos temas da COP. É importante que, uma vez fechada a posição do Brasil, ela seja transparente para a sociedade”, diz o gerente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo), Giuseppe Lobo. Com relação aos temas que devem trazer maior preocupação ao setor, ele diz que a entidade está acompanhando os debates “para conhecer a agenda da COP”.

Em vigor desde 27 de fevereiro de 2005, a CQCT é o tratado que agregou o maior número de adesões na história da Organização das Nações Unidas (ONU), de acordo com o Ministério da Saúde. O Brasil é um dos signatários do acordo, que até 20 de julho do ano passado havia sido ratificado por 182 países. Considerada um marco histórico para a saúde pública mundial, a convenção estabelece ações em áreas como propaganda e publicidade, política de preços e impostos que resultem na redução do tabagismo. 

Se, de um lado, uma das propostas para atingir esse objetivo é a redução da área plantada com tabaco, de outro há pressão por medidas de apoio aos pequenos produtores que encontram na fumicultura uma fonte garantida de renda. “Já produzimos perto de 900 mil toneladas (por safra), hoje estamos falando em torno de 580, 600 mil toneladas. Houve um reflexo muito grande (da CQCT). A COP precisa se preocupar com o que eles assumiram e também incentivar a diversificação”, defende o presidente da Associação dos Fumicultores do Brasil (Afubra), Benício Albano Werner. 

A Afubra estima que o setor fumageiro empregue 2,049 milhões de empregos no país, sendo 568,7 mil na lavoura e o restante na indústria e em outros serviços. Desse total, 609 mil são postos diretos.

Em queda

Segundo dados do Vigitel 2021, pesquisa telefônica realizada pelo Ministério da Saúde, o percentual de fumantes com 18 anos ou mais no Brasil é de 9,1%. Em 2006, eram 15,6% os brasileiros que se declaravam fumantes.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895