Transporte não regularizado gera impasse na Região Metropolitana de Porto Alegre

Transporte não regularizado gera impasse na Região Metropolitana de Porto Alegre

Em Guaíba, Eldorado do Sul e Porto Alegre funcionam rotas clandestinas praticadas por motoristas que se revezam à espera dos passageiros que não querem, ou não podem esperar pelos ônibus ou por aplicativos

Por
Felipe Faleiro

Cerca de dez pessoas aguardam em um pequeno terminal de ônibus na Praça da Bandeira, de frente para o Guaíba, e próximo ao terminal do catamarã, em Guaíba, na região Metropolitana. É final da manhã de um dia de semana. De repente, para no local um veículo Renault Sandero. O jovem motorista observa quem aguarda e informa: “Carro para o bairro São Jorge”. Quatro pessoas, duas mulheres, uma criança e este repórter, entram. O veículo somente deixa o local quando está lotado.

“Vai para onde?”, pergunta a todos, quando embarcam. “Pode ser na Maurício Lessa”, diz uma das mulheres no banco de trás. Ele assente, cada adulto paga e a viagem começa. Seria uma cena comum, não fosse o retrato de um transporte ilegal, feito há décadas à revelia das autoridades. Entre Guaíba, Eldorado do Sul e Porto Alegre, e entre os bairros das duas primeiras cidades, funcionam rotas clandestinas, mas bem definidas, praticadas por motoristas que se revezam, de dia e à noite, à espera dos passageiros que não querem, ou não podem, esperar pelos ônibus ou por aplicativos. Estes últimos, geralmente mais caros.

No outro lado da praça onde houve o embarque fica o Comando Regional de Policiamento Ostensivo Centro-Sul (CRPO) da Brigada Militar. Logo depois de entrarmos no carro, outro atrás para no exato local e faz o mesmo chamamento. A viagem dura 15 minutos e transcorre sem problemas. O Sandero, emplacado em Novo Hamburgo, é relativamente limpo. Há diversas notas de dinheiro no console central. “Hoje é horário de feriado dos ônibus. Só tem de uma em uma hora”, observa o motorista enquanto rodamos por Guaíba.

A viagem foi feita um dia após um feriado. Desembarcamos todos no destino, no bairro Florida. O motorista também deixa o local. O mesmo trajeto, que custou R$ 5 à reportagem, tinha o custo de R$ 11 em um aplicativo e R$ 22 em outro, no exato horário. Uma moradora de Guaíba, que prefere não se identificar, diz que cada veículo do transporte “alternativo” segue uma rota e nenhum automóvel invade o espaço do outro.

“O ônibus é uma eternidade em Guaíba. Só tem uma empresa que presta o serviço e há bairros com apenas quatro ou cinco horários para o dia todo. Acredito que (o transporte exista) pela alta demanda, as pessoas querem chegar nas suas casas mais rapidamente”, comenta ela. Ou seja, o transporte clandestino supre uma lacuna não atendida pelos ônibus, com uma organização própria e a um custo menor.

Procurada, a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), que fiscaliza os coletivos dentro da lei, afirmou que não tem força legal para coibir este tipo de atividade, considerada individual. “Há mais de dez anos, fiscalizamos uma denúncia e guinchamos um dos veículos. Mas a Justiça condenou a Metroplan, porque não era competência nossa fazer isto”, afirma o superintendente da entidade, Francisco Horbe.

“Quem enquadra a regularidade deste serviço é o Código de Trânsito Brasileiro e não pode haver o transporte individual de passageiros sem haver a autorização de órgãos como as prefeituras. Se for necessário realizar uma força-tarefa para fiscalizar, até para dar um apoio às administrações, não vamos nos negar. Acho que isto é resolvido com uma fiscalização integrada entre municípios e o Estado”, prossegue Horbe.

Em Guaíba, a prefeitura diz não saber quanto a única empresa de transporte público coletivo da cidade perde com o transporte irregular. Mas afirma que as equipes de fiscalização estão sempre “no combate a qualquer transporte clandestino, tanto de usuários comuns, quanto de crianças e adolescentes”, disse a assessoria de Comunicação. Ainda conforme a prefeitura, um dos projetos encaminhados à Câmara de Vereadores busca criar um aplicativo municipal “mais barato” para o transporte e montou uma comissão sobre o assunto. Para não aumentar o valor da passagem de ônibus, hoje em R$ 4,50, a prefeitura afirma ainda que injetou R$ 1,1 milhão somente em 2022.

A concentração dos motoristas em Porto Alegre se dá na área do Centro Histórico, na área das ruas Voluntários da Pátria, Comendador Manoel Pereira e Cel. Vicente, entre outras, circulando por rotas não muito diferentes dos ônibus regulares. Gestora do catamarã entre Guaíba e a Capital, a empresa CatSul estima perdas de 15% a 20% no número de usuários com os irregulares. “O desequilíbrio financeiro é transferido para a tarifa. Se tivéssemos mais pessoas utilizando nosso serviço, a tarifa seria menor. Infelizmente, este é um transporte clandestino, mas que é ‘oficializado’”, afirma o gestor de Operações da CatSul, João Pedro Wolff.

O gerente de Fiscalização de Transporte da EPTC, Luciano Souto, relata que o combate ao transporte clandestino tem sido intensificado desde 2018, pelo menos. “Estamos trabalhando forte com os órgãos de segurança para a realização de ações com o objetivo de conseguir tirar de circulação este transporte, que não agrega nada, e coloca em risco a segurança de quem é transportado”, afirma.

Conforme ele, levantamentos feitos pela EPTC mostram que muitos dos motoristas têm “extensa ficha criminal”, com habilitação cassada ou suspensa, conduzindo veículos em “péssimo estado de conservação”. “No momento em que eles circulam dentro do município de Porto Alegre, nós vamos fazer a nossa parte e fazer essa atuação”, diz Souto. Dados da EPTC mostram que, somente em 2022, já foram feitas 21 ações específicas para o combate ao transporte clandestino, 46 veículos foram vistoriados, 23 autos de infração foram expedidos e cinco veículos recolhidos ao depósito.

A prefeitura de Eldorado do Sul não se manifestou até o fechamento desta reportagem. A Brigada Militar, por sua vez, disse que apoia quando há operações, mas não tem atribuição de fiscalizar este tipo de ocorrência. O mesmo relatou a Polícia Rodoviária Federal (PRF). “Com o advento dos aplicativos, dificultou muito a fiscalização deste tipo de situação. Muitas vezes, as pessoas embarcam já dentro da cidade. Já houve situações em que são abordados os veículos e as pessoas dizem que é carona”, relatou a Comunicação da PRF, que orientou falar a Metroplan sobre o assunto.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895