Trator a gás reduz até 40 % do custo com diesel

Trator a gás reduz até 40 % do custo com diesel

Demonstração de equipamento movido por biometano, combustível gerado a partir de resíduos orgânicos de animais, ocorreu em fazenda no Mato Grosso no Sul e foi a primeira do Brasil

Por
Thaise Teixeira

Abastecer os tratores dentro da própria fazenda com um combustível tão eficiente quanto o óleo diesel, mas proveniente de matérias-primas renováveis, é uma realidade não mais distante das propriedades agropecuárias brasileiras. A operação já é realizada pela Fazenda São José dos Jesuítas, de Mato Grosso do Sul, uma das três unidades da SF Agropecuária, pioneira ao implantar um ecossistema capaz de gerar energia elétrica, biocombustível e fertilizante a partir dos resíduos orgânicos de animais. 

Os primeiros resultados práticos da empreitada, encabeçada pelo diretor do empreendimento, Fábio Pimentel de Barros, foram recentemente apresentados ao mercado, em meados de abril, ocasião para a qual o Correio do Povo foi convidado pela New Holland Agriculture, fabricante do primeiro trator movido a gás biometano do país. Segundo Barros, o trabalho foi norteado pela busca de uma alternativa rentável e sustentável ao diesel para reduzir os custos de produção, para minimizar a dependência energética dos combustíveis fósseis e para mitigar a emissão de gases de efeito estufa (GEEs) ao meio ambiente. “Dois anos antes da pandemia, levei o projeto em baixo do braço para a Agrishow. A New Holland acreditou nele e, hoje, estamos aqui, com a FTP, a Air Liquide, a Sebigas Cotica e a TMA, apresentando um ecossistema circular que chega a reduzir, facilmente, entre 30% e 40% o custo com diesel”, orgulha-se Barros, ao citar as outras parceiras do projeto. 

É na zona rural de Brasilândia, a 352 quilômetros da capital Campo Grande, que a “mágica acontece”. O passivo ambiental usado para a geração de energia, de biocombustível e de substrato para as lavouras provém dos 175 mil leitões criados ao ano em sistema de ciclo completo. Os dejetos saem da Unidade Produtora de Leitões (UPL), da creche e da granja de engorda e, por meio de encanamentos subterrâneos, chegam a quatro biodigestores anaeróbicos para decomposição. O processo funciona sob o modelo de lagoa coberta (tanque escavado no solo, impermeabilizado e construído em geometria retangular para decompor biomassas com baixa concentração de sólidos) e resulta no biogás utilizado há dez anos para baratear a energia elétrica demandada por todas as operações do grupo.

O investimento médio para separar, purificar e comprimir o biogás para obter o biometano é de R$ 2 milhões

Além da suinocultura, a SF Agropecuária conta com 33 mil bovinos de corte, cultiva 1,6 mil hectares de soja e 1 mil hectares de sorgo. “O metano (gerado pelo biogás) é o componente principal para atingirmos nosso objetivo, que é gerar gás natural veicular (GNV) a partir do biometano (gás natural do metano)”, elucida Marildo Guerini Filho, responsável pela área de Novas Tecnologias e Processos da Sebigas Cotica. Segundo ele, os dejetos suínos são altamente indicados para a finalidade, pois apresentam elevada concentração de metano na produção de biogás, situada entre 65% e 70%. “Na vinhaça, subproduto da indústria de etanol, o percentual é reduzido para em torno de 50% e, nos dejetos bovinos, temos entre 70% e 75% de metano”, detalha.

É da purificação do biogás que resulta o gás veicular análogo ao diesel produzido no ecossistema da São José. A missão de disponibilizar um equipamento condizente com a realidade agropecuária e capaz de separar e comprimir o metano do biogás ficou a cargo da Air Liquide. A multinacional desenvolveu dois processadores, com capacidade para produzir 50 metros cúbicos de biometano por hora e 100 metros cúbicos de biometano por hora. 

O bioposto da propriedade gera 50 metros cúbicos de biometano por hora, resultado proveniente de três etapas. Na primeira, ocorre a redução ou separação do sulfeto de hidrogênio (H2S) do biogás, pois é altamente corrosivo e pode danificar os equipamentos. Na segunda etapa, acontece a purificação e a compressão do gás até que atinja a especificação do biometano. A disponibilização do combustível em cilindros para o abastecimento dos tratorecompõe a terceira fase, a qual já permite a participação dos operadores no abastecimento dos veículos. 

O investimento médio nos equipamentos de separação, purificação e compressão de biogás foi estimado em torno de R$ 2 milhões pelo diretor de Mercado Brasil da New Holland, Cláudio Calaça Júnior. Contudo, o valor dependerá de variáveis como maturidade, estrutura e tecnologia de cada fazenda. “O retorno sobre o investimento ocorre, em média, entre dois e quatro anos. Quanto mais o produtor substitui o diesel pelo biometano mais rápido obtém retorno sobre o investimento”, pontua Calaça. 

Malha de seis quilômetros conecta granjas

Gasoduto implantado pela Fazenda São José dos Jesuítas garante trânsito seguro aos dejetos, aos gases tóxicos gerados pela decomposição orgânica da biomassa e ao gás natural que a torna energeticamente independente

Está em baixo da terra vermelha da fazenda São José dos Jesuítas uma “teia” capaz de unificar todo o ecossistema que a torna independente energeticamente. A tubulação, com extensão de seis quilômetros, conecta todas as granjas da propriedade aos biodigestores e ao bioposto, desde a coleta e o transporte dos dejetos até a chegada ao equipamento de purificação e compressão do biometano. 

O gasoduto, segundo o diretor da SF Agropecuária, Fábio Pimentel de Barros, pode ser a chave para que a tecnologia seja viabilizada nos empreendimentos suinícolas de menor porte, como os do Rio Grande do Sul. “Fui conhecer diversas cooperativas no Sul do Brasil. É possível unificar as unidades de produção e criar um centro de produção e distribuição. A união faz a força”, indica. 

A condição para sustentar a produção independente do biocombustível é dispor de uma quantidade mínima de biomassa orgânica. De acordo com o consultor da CNH Industrial para biogás e biometano, Antonello Moscatelli, um plantel de 5 mil suínos em ciclo completo já viabilizaria sua implementação. No caso da bovinocultura de corte e de leite, a necessidade é de 400 a 500 animais. E, aos que encontrarem dificuldade em compor a carga de biomassa necessária à geração do gás natural, Barros recomenda: “o produtor pode também jogar o chorume resultante da produção de biogás no pasto e integrá-lo à biomassa”.

O produtor tornou-se o primeiro a adquirir o T6.180 Methane Power. trator da New Holland que inaugura o uso de biometano para a finalidade no Brasil. “Esse trator custa em torno de 30% a mais que um movido a diesel”, revela o diretor de Mercado Brasil da New Holland, Cláudio Calaça. O acréscimo no valor de mercado deve-se à tecnologia especialmente desenvolvida para o trabalho no campo. “Só o abastecimento a diesel responde por 30% do valor operacional na máquina”, lembra Calaça. De acordo com ele, o veículo abre caminho para a exploração de um segmento com grande potencial no Brasil. “Segundo a Abiogás, o gás biometano tem capacidade de substituir 70% do diesel atualmente consumido no Brasil, que importa 25% do combustível”, argumenta. O avanço também deve colaborar para que o Brasil atinja a parte que lhe cabe no compromisso global de reduzir a emissão de metano na atmosfera em 30% até 2030. “O metano é um gás de efeito estufa 28 vezes mais danoso que o dióxido de carbono (CO2) e é capturado pelo biometano”, explica Moscatelli. 

A produção do biometano conta com o fomento da Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio) e do Programa Nacional de Redução de Emissões de Metano, do Ministério de Minas e Energia (MME). A iniciativa incluiu os investimentos em biometano no Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (Reidi) e isenta os projetos da cobrança de PIS/Cofins para aquisição de máquinas, materiais de construção, equipamentos, dentre outros componentes.

O trator

Lançado comercialmente no Brasil durante a Coopavel do ano passado, o primeiro trator movido a gás biometano do mundo, o T6.180 Methane Power inaugurou um novo segmento de máquinas agrícolas a partir do projeto realizado na Fazenda São José dos Jesuítas. Equipado com motor eletrônico FPT 100% a gás natural, desenvolvido pela FTP Industrial (Iveco Group), com 180 cavalos de potência e 740 Nm (Newton metro) de torque, o modelo conta com dez tanques para GNV e capacidade para armazenar 105 metros cúbicos de biometano. 

Sem a dependência do petróleo, cujo preço é balizado pelo mercado internacional, o trator sai da fábrica com a capacidade de reduzir de 30% a 35% o custo operacional do mesmo veículo movido a diesel. A comparação é realizada a partir da correspondência de um metro cúbico de gás para cada litro de diesel. Na São José, o custo de produção de cada metro cúbico do biometano ficou em torno de R$ 2,00. Em comparação ao preço do litro do diesel, que está na casa dos R$ 6,00, a alternativa oferece uma redução de R$ 4,00 por metro cúbicos, ou seja, algo como 33,3%, em valores atuais, com relação ao óleo diesel.

Custo de produção do metro cúbico de biometano na Fazenda São José para abastecimento do trator Methane Power é de R$ 2,00, em comparação ao litro do óleo diesel que está por volta dos R$ 6,00 | Foto: New Holland / Divulgação / CP.

Conforme os experimentos e testes realizados em Brasilândia, para os trabalhos mais leves, a autonomia da máquina ficou entre 8 horas a 10 horas. “O consumo, o torque e a potência são iguais às de um motor movido a diesel”, assegura Calaça. Para utilização os trabalhos mais pesados, com 93% da carga do motor, a capacidade de trabalho ficou em 6h. 

O abastecimento leva em torno de dez minutos e deve ser feito por operadores treinados. Embora seja o simples de ser executado, o processo requer cuidados, já que o biometano é um gás altamente explosivo. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895