Um ano para combater facções criminosas

Um ano para combater facções criminosas

As facções são responsáveis por homicídios e tráfico de entorpecentes

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Correio do Povo

O ano de 2023 será marcado por um forte combate às facções criminosas, responsáveis por homicídios e tráfico de entorpecentes, no Rio Grande do Sul. “Um dos golpes mais potentes que a segurança pode causar nas organizações criminosas é descapitalizando esses grupos, com as apreensões de bens e capitais”, adianta o secretário estadual da Segurança Pública, Vanius Cesar Santarosa.

Na opinião do Chefe de Polícia Civil, delegado Fábio Lopes, não existe repressão ao homicídio sem também combater o tráfico de drogas, além do enfraquecimento financeiro das organizações criminosas com sequestros de bens, bloqueio de contas bancárias e apreensão de dinheiro. “Isso não quer dizer que as investigações dos crimes adicionais não sejam fundamentais, mas é importante que a gente também adote medidas para constrição dos bens oriundos do crime do tráfico de drogas e das ações das organizações criminosas”, enfatiza em relação à asfixia financeira dessas facções.

“Aos homicídios em geral seguimos nesta linha de identificar os executores, mas identificar também os mandantes desses crimes naquele sejam presos responsabilizados e, se for o caso, as lideranças isoladas nas unidades prisionais”, assegura o delegado Fábio Lopes.

“Não haveria o tráfico de drogas e o fortalecimento financeiro das associações voltadas ao tráfico se não existisse o consumo. O usuário acaba sim contribuindo e colaborando para o fortalecimento das organizações criminosas”, lamenta. “De uma maneira geral, a sociedade acaba sendo um pouco hipócrita no momento que reclama com razão dos homicídios e do tráfico de drogas, mas ao mesmo tempo são alguns dos membros da sociedade que acabam retroalimentando o mundo do crime em razão de serem consumidores das drogas comercializadas pelas organizações”, acrescenta. “Não há tráfico de droga sem usuário, então é um problema social. O usuário precisa de tratamento”, resume.

Nesse sentido, o Chefe de Polícia Civil recomenda mais atenção à juventude, propondo investimentos na área social, prática de esportes, oportunidade de empregos para esses jovens e, acima de tudo, educação de qualidade. O delegado Fábio Lopes acredita que assim fica mais difícil os jovens serem cooptados pelo mundo do crime, sobretudo pelas principais organizações criminosas que “muitas vezes vem com uma proposta sedutora e tentadora de um lucro fácil”.

Para ele, “a repressão é fundamental para a redução dos indicadores de violência e de criminalidade, mas também temos que trabalhar com medidas preventivas”, visto que “são duas coisas que caminham de forma paralela”. Segundo o delegado Fábio Lopes, a instituição possui o programa Papo de Responsa, onde profissionais vão às escolas conversar com jovens orientados no sentido de que “o mundo do crime não é a melhor saída”, além de tratarem dos malefícios dos entorpecentes.

“Já foi identificado que a alta nos casos de homicídios nesse segundo semestre de 2022 está relacionada ao conflito entre grupos criminosos rivais. Portanto, se está trabalhando para mitigar esses confrontos dentro dos eixos estabelecidos pelo programa RS Seguro, com ações de combate à criminalidade que aliam iniciativas que envolvem a nossa operacionalidade atuando com postura repressiva, e embasados em diagnósticos obtidos pela área da inteligência policial”, avalia o comandante-geral da Brigada Militar, coronel Cláudio dos Santos Feoli.

“Outro eixo, que envolve a questão do sistema prisional, também está sendo trabalhado, com a movimentação e o isolamento de lideranças de grupos criminosos, o que reflete na desarticulação dessas facções e seu consequente enfraquecimento. Essa solução não é definitiva, devendo passar por constante reavaliação e acompanhamento de sua efetividade, mas tem apresentado bons resultados”, observa.

“Além da repressão realizada por meio das ações policiais, são essenciais, sim, as demais iniciativas para o enfraquecimento do tráfico de drogas e demais crimes relacionados, tendo em vista que trata-se de uma questão multifatorial, contempladas no eixo de políticas sociais preventivas e transversais do RS Seguro”, complementa o coronel Cláudio dos Santos Feoli.

“Um dos pilares desse eixo é a atenção com a educação, mas também são buscadas soluções que ofereçam acesso a serviços básicos como saneamento, saúde, infraestrutura dos bairros e comunidades, opções de lazer, esporte e cultura, e ações de qualificação profissional e acesso ao mercado de trabalho, especialmente voltadas aos jovens, para que não acabem ingressando no crime”, diz o comandante-geral da instituição.

“A Brigada Militar acredita muito no potencial das iniciativas de prevenção primária. Por isso, emprega esforços de recursos humanos e materiais no Programa Educacional de Resistência às Drogas e à Violência, nosso Proerd, iniciativa que forma todos os anos, junto a escolas públicas e privadas, milhares de crianças que aprendem a dizer não. É uma grande engrenagem sendo movimentada, buscando com que a cultura do uso de drogas seja reduzida”, destaca.

O enfrentamento às facções também acontece na área carcerária. Como forma de combater as organizações criminosas no sistema prisional, a SJSPS e a Susepe investem em soluções de tecnologia para melhorar o controle sobre os detentos. Uma das iniciativas é a implantação de sistemas de bloqueadores de celular e anti drone, que são capazes de identificar, bloquear e rastrear aparelhos eletrônicos, em 15 unidades prisionais.

A Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) é o primeiro estabelecimento a ter o sistema em funcionamento, iniciado em dezembro deste ano, e a próxima unidade a receber a tecnologia será a Penitenciária Estadual de Rio Grande (Perg). A expectativa é de que a instalação em outras unidades ocorra ao longo do ano de 2023.
Além disso, há o investimento em scanners corporais, equipamentos usados para revista nas unidades prisionais para barrar entrada de materiais ilícitos. Outra ação é o fortalecimento das atividades de inteligência aliado à integração com as demais forças de segurança.

“O problema do combate às facções é que isso vem sendo desempenhado apenas pelas polícias e não de forma integrada. Há necessidade de que outras secretarias passem a enfrentar esse problema de modo mais amplo. Prender na rua para depois unir as mesmas pessoas na prisão, como é feito hoje, não adianta nada. E não é culpa da polícia, que faz o papel dela, com as forças que tem”, analisa o juiz Sidinei José Brzuska, da 3ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre.

“O desatendimento de direitos básicos nas vilas periféricas como, por exemplo, nos direitos da criança, do adolescente e da mulher, da habitação, do lazer, vai gerando um contingente de pessoas desassistidas que acaba encontrando a porta aberta da facção. Essa é uma questão que os governos ainda não se deram conta. Todas as secretarias deveriam ter planos para a redução da criminal”, observa.

Para o magistrado, apenas a construção de presídios não resolve o problema. “Temos que reduzir a taxa de encarceramento, reduzindo a quantidade de crimes, mas é evidente que os presídios são uma peça importante para a contenção da criminalidade e eles precisam atender a dois requisitos básicos: a) fazer com que a pessoa pare de cometer crimes e b) a pessoa sair melhor que entrou”, afirma. “Se os presídios não atendem a esses requisitos, se o sujeito pratica crime de dentro da prisão e sai pior que entrou, só estamos torrando o dinheiro do contribuinte”, frisa.

“Temos que separar o tráfico da violência. Enfrentar o tráfico de forma mais organizada, mais técnica. Trabalho de inteligência com uso de informações tributárias e de circulação de dinheiro. Deixar as polícias militares para a proteção do cidadão e combate da violência”, defende. “Usar as forças militares estaduais para combater o tráfico serve apenas para encher cadeia de gente pobre, ralé do tráfico, sem qualquer abalo sem suas estruturas. Funciona para a estatística, mas gera enormes gastos para a segurança pública, sem qualquer efeito prático”, diagnostica.

“O uso recreativo de drogas, em ambientes controlados, ou mesmo dentro de casa, sem importunar vizinhos, precisa ser discutido. Temos que acabar com esse discurso hipócrita de fazer de conta que a sociedade e o tal "homem de bem" não usa drogas”, considera.

Sobre a prevenção, o juiz Sidinei José Brzuska propõe algumas medidas, como manter o adolescente no colégio a partir do 6º ano. “Cada ano que ele fica no colégio, depois da 6ª série, reduz em 10% a chance dele se tornar um preso no futuro. O RS nunca teve mais de 1% de seus presos com curso superior”, recorda.

O magistrado sugere ainda foco no primeiro emprego. “A maioria das pessoas presas são jovens, não estavam estudando e nem trabalhando no momento da prisão”, assinala, manifestando a importância de “aproveitar melhor os talentos, que não naturais e os desperdiçamos, sem saber deles, no esporte, música, artes, etc”.

“O enfrentamento dessa questão começa na primeira infância, no respeito absoluto dos direitos da criança, que ela possa se desenvolver em ambiente saudável e sem violência, inclusive familiar. Com acesso à educação infantil qualificada, desenvolvendo e valores que ficarão para toda sua vida. Acesso à saúde, à diversão, ao lazer”, pontua.

“Os autores de crimes violentos, por exemplo, grande parte deles tiveram esses direitos sonegados na primeira infância. Depois, na adolescência, com acesso à tecnologia, internet, atividades saudáveis esportivas, música, possibilidade de estudar nas áreas de preferência. A escola tradicional precisa mudar a forma de funcionamento, pois ela não atrai mais o adolescente. Facção nenhuma consegue recrutar jovens que estão estudando, praticando esportes, trabalhando, praticando atividades culturais”, conclui o juiz Sidinei José Brzuska.

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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895