Um circuito para valorizar o surfe nacional

Um circuito para valorizar o surfe nacional

Xangri-lá vai receber, a partir desta terça-feira, a primeira etapa da Dream Tour

Premiação da competição tem cifras recordes e terá remuneração para todos os participantes, desde o campeão até o último colocado. Expectativa é de um público de até 50 mil pessoas em Xangri-lá

Por
Maria Clara Centeno*

Gabriel Medina, Adriano de Souza, Ítalo Ferreira, Filipe Toledo. São vários os nomes que elevaram o nível do surfe brasileiro pelo mundo, conquistando seis títulos do Circuito Mundial (WSL, no inglês) desde 2014. A chamada “Brazilian Storm”, termo cunhado pela imprensa dos Estados Unidos para se referir à forte geração de surfistas brasileiros, vem encantando internacionalmente.

Enquanto lá fora títulos mundiais eram conquistados, dentro do país, no entanto, o circuito nacional de surfe sequer acontecia. Retomada no ano passado, após ficar sem acontecer entre 2011 e 2021, a competição foi repaginada para 2023. Neste ano, a Confederação Brasileira de Surf planeja mudar o cenário do esporte ao instituir a Dream Tour. “É um circuito brasileiro sem precedentes, completamente renovado. É o campeonato que o surfe do Brasil merece, considerando tudo que vem fazendo internacionalmente”, diz Teco Padaratz, presidente da entidade.

O novo formato da competição busca fomentar o surfe brasileiro internamente e, a partir disso, dar condições de formação para novos talentos. A premiação também é um ponto chave, com cifras recordes para o país e renumerando do primeiro ao último colocado. Além de trazer o atleta enquanto protagonista, o torneio foca no estilo de vida da modalidade, promovendo ações que envolvem áreas como cultura, gastronomia e projetos sociais.

A primeira das seis etapas da Dream Tour começa na terça-feira e vai até o dia 19 deste mês, em Xangri-lá, na Plataforma de Atlântida. O presidente da CBSurf explica que a escolha do local se deve, além das boas ondas, à ótima receptividade da cidade na etapa que aconteceu em 2022. “O RS abraçou o surfe e a cidade mostrou que quer expor a sua cultura por meio dos eventos esportivos”, diz Padaratz. Serão 88 atletas competindo no circuito, classificados por meio do ranking do CBSurf e da Taça Brasil, a divisão de acesso, de 2022. Nenhum é gaúcho, mas, para a etapa de Xangri-lá, a vaga de Wild Card masculino, ou convidado, é do atual campeão estadual, Gustavo Borges.

Para a próxima semana, a CBSurf espera contar com 40 a 50 mil espectadores, seja via internet, seja fisicamente na praia. A maior expectativa de público presencialmente é no sábado e no domingo, por causa dos “moradores de final de semana” do litoral gaúcho.
*Sob supervisão de Carlos Corrêa

Um fenômeno brasileiro


Gabriel Medina é o maior nome do surfe brasileiro na atualidade, com mais de 11 milhões de seguidores no Instagram | Foto: Miriam Jeske / COB Divulgação / CP

O crescimento exponencial do surfe brasileiro, inclusive na questão publicitária, tem nome e sobrenome: Gabriel Medina. Dono de três títulos mundiais, conquistados em 2014, 2018 e 2018, o paulista possui 11 milhões de seguidores no Instagram, contra quase 4 milhões da WSL e cerca de 33 mil da CBSurf. Ao falar do fenômeno Medina, Teco Padaratz reconhece a grandeza do personagem: “Ele tem mais seguidores que a WSL no Instagram, ele fecha contratos maiores do que a CBSurf e a WSL juntas, ele acaba sendo maior que o esporte. Se hoje outro atleta fecha um grande patrocínio, é porque o Medina veio antes”.

Outro fator determinante para o desenvolvimento da modalidade é o reconhecimento dela enquanto esporte. Teco foi surfista profissional, vencendo inclusive duas etapas do Circuito Mundial na década de 1990, e comenta que teve que lidar com preconceito e com não ser “levado a sério”. “Sempre brinco que uma das minhas diferenças para o Medina é que tive que convencer o meu pai que eu queria ser surfista. Ele teve que ser convencido pelo pai” comenta Teco.

Além do reconhecimento do público, o surfe integra o programa olímpico desde os Jogos de 2020 em Tóquio. Isso facilita a busca por recursos públicos para a modalidade, por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, emendas parlamentares e do Bolsa Atleta, que contempla 16 eventos da modalidade, incluindo o circuito brasileiro. 

Reduzir distâncias ainda é um desafio

Comparado a outros esportes olímpicos tradicionais, o surfe brasileiro se profissionalizou tardiamente. Era final da década de 1980 quando a modalidade se organizou e campeonatos profissionais passaram a acontecer pelo país. “As mulheres sempre estiveram ali, mas a profissionalização aconteceu dez anos depois, em 1997”, lembra Brigitte Mayer, vice-presidente da CBSurf e ex-atleta, que participou ativamente desse processo.

Essa questão histórica é refletida até hoje, explica Brigitte. No circuito brasileiro profissional, a diferença é gritante: dos 88 inscritos, são 64 homens e 24 mulheres. “No dia a dia, vemos praticamente a mesma quantidade de mulheres e homens na água, mas competindo ainda não. Estamos fazendo estudos iniciais para entender o porquê disso acontecer”, diz Teco Padaratz.

Buscando melhorar a situação e estabelecer questões que parecem óbvias, mas não eram aplicadas ao surfe, a confederação vem buscando implementar uma série de ações. “Ainda precisamos trabalhar para diminuir a distância (numérica) entre o masculino e o feminino a médio e a longo prazo. O maior desafio é fazer isso focando na qualidade, não na quantidade”, diz a vice-presidente.

Na etapa da Dream Tour que acontece em Xangri-lá haverá, pela primeira vez no torneio brasileiro, uma separação física de vestiário para homens e mulheres. Outra ideia, ainda em fase de estudo e planejamento para tentar ser implantada em 2023, é oferecer absorventes nos campeonatos, assim como frutas e hidratação são ofertados.

Para entender melhor as necessidades das surfistas, a CBSurf criou o programa Talento Feminino, que acontece em parceria com as federações estaduais. “O objetivo do programa é fazer um mapeamento, com pesquisas quantitativas e qualitativas, para poder executar ações específicas para cada estado ou cidade”, explica Brigitte.

Além de menos mulheres na água, há também um número inferior no contexto geral do Circuito Brasileiro de Surfe, envolvendo áreas como arbitragem, gestão e comissão técnica. Visando combater isso, ficou definido estatutariamente que toda chapa que concorre à gestão da CBSurf deve obrigatoriamente ter uma vice-presidente mulher, integrando a chapa com o/a presidente e um outro vice, desde o ano passado. 


Confederação ainda analisa porque o número de mulheres competindo no país ainda é bem menor que o de homens | Foto: Davi Castro Photos / Divulgação / CP

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895