Um pioneiro no curling brasileiro

Um pioneiro no curling brasileiro

Pela primeira vez, um campeonato da modalidade, que desperta a curiosidadedo público, será realizado no País

Marcelo Mello e Aline Lima têm a primeira vitória brasileira.

Por
CARLOS CORRÊA

As vassourinhas finalmente vão entrar em ação no gelo valendo taça no Brasil. A partir deste domingo, até a quarta-feira, em São Paulo, pela primeira vez na história, o país terá um campeonato de curling em território nacional. É um momento histórico para a modalidade, que não poderia ter acontecido não fosse o papel decisivo de algumas pessoas. Entre elas, lá nos primeiros lugares da lista, está um gaúcho de 51 anos: Marcelo Mello. Ele estava lá quando o primeiro time brasileiro se formou. Estava lá na primeira vitória oficial. E estará na Arena Ice Brasil para a competição que começa neste final de semana.

Formado em administração pela Ufrgs, Marcelo sempre esteve ligado à prática esportiva no futebol, no tênis ou no surfe. Por um bom tempo, nem imaginou que poderia ser atraído por uma modalidade que cada vez mais desperta a curiosidade do público e motiva comparações, no mínimo, curiosas. “É como se fosse bocha no gelo”, “aquele esporte das chaleirinhas”, “aquele das vassourinhas.” O interesse surgiu quando Marcelo mudou-se para o Canadá e foi convidado por amigos para conhecer o curling. Gostou, ainda sem saber que estava fazendo história. O que não significa que o caminho tenha sido fácil no começo. “É preciso pelo menos uns dois anos para se ter uma noção básica. E, mesmo assim, não vai ganhar de ninguém que tenha um nível razoável, mas pelo menos já dá para se defender”, explica ele.

Se ainda hoje existem poucos brasileiros que praticam a modalidade, imagine em 2007. “Saímos do zero, não existia nenhuma equipe antes da gente”, conta Marcelo. Com os amigos Celso Kossaka, Luís Silva e César Santos, formou-se a primeira equipe do Brasil de curling. Depois de um tempo jogando, entraram em contato com a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo, que apoiou a ideia de buscar uma vaga no Mundial.

Parecia uma loucura, e talvez fosse mesmo, mas os atletas seguiram em frente. Para ir à competição, era preciso conseguir uma das duas vagas destinadas às Américas, sendo que uma delas era praticamente certa do Canadá, uma potência no esporte. Restava jogar uma melhor de cinco contra os EUA. A distância ainda era gigante, já que os americanos também têm tradição. “Treinamos de setembro a dezembro de 2008. Em janeiro fomos para Dakota do Norte disputar uma melhor de cinco”, conta. “Perdemos as três”. No ano seguinte, nova tentativa e nova derrota, mas já era possível notar uma evolução no jogo brasileiro.

Aos poucos, o curling brasileiro foi evoluindo e, em 2014, o país participou do Mundial de Duplas Mistas, na Escócia. Lá estava Marcelo, desta vez ao lado de Aline Lima, novamente fazendo história. “Tomamos várias lavadas, mas ganhamos um jogo, do Cazaquistão, que na verdade eram uns russos disfarçados”, brinca o gaúcho. “Foi a primeira vitória do Brasil em um campeonato oficial”, faz questão de frisar.


Acima, os pioneiros do curling brasileiro: César Santos, Celso Kossaka, Marcelo Mello e Luís Silva.
Abaixo, o Brasil participando do Mundial de Duplas Mistas em 2014 | Fotos: ARQUIVO PESSOAL / CP

A vassoura é vassoura

Engana-se quem acha que os atletas do curling ficam ofendidos quando questionados se a comparação com a bocha pode ajudar um leigo a entender as regras mais básicas. Da mesma forma, a pergunta sobre qual o nome correto das vassourinhas é encarada com bom humor. Neste caso, por motivos óbvios: “O nome é vassoura mesmo”, explica Marcelo Mello.

Há, no entanto, uma outra analogia preferida entre os praticantes da modalidade: o xadrez. Isso porque afora toda a questão técnica de deslizar no gelo e arremessar uma pedra de granito que varia entre 17kg e 20kg em uma pista de 5 metros de largura por 45 metros de comprimento, há muita estratégia por trás. 

Ao longo de 8 ou 10 rodadas (ends) – o número varia de acordo com a competição – os competidores tentam deixar sua pedra o mais perto possível da casa, como é chamado o alvo que serve para determinar a área de pontuação do jogo. Por fim, há o fato de que a cada rodada, o “martelo” está com uma das equipes, o que confere alguma vantagem, já que o termo se refere a quem tem direito ao último lançamento. Obviamente, há regras mais específicas, mas grosso modo isso é o que um leigo precisa saber para entender o jogo.

Há, no entanto, outros aspectos que fogem de um olhar mais distraído e que só quem joga tem noção. A começar pelo gelo. “Não é o mesmo gelo de uma pista de patinação, por exemplo”, conta Mello. Ele explica que o piso solta uma espécie de gota de água morna, que gruda no solo, criando mais atrito, ainda que isso seja invisível a quem assiste só pela TV. Daí a necessidade dos atletas que vão varrendo, facilitando ou não o caminho para a pedra lançada. De quebra, a própria pista vai mudando ao longo da partida, por fatores que podem incluir até o público (mais gente significa mais calor, que significa mais derretimento). Logo, até este tipo de percepção é decisiva para sair vencedor.


O piso de gelo da pista de curling solta pequenas gotas de água que, grudadas ao solo, criam mais atrito com as pedras | Foto: DIVULGAÇÃO CBDG / CP

Projeto espera colher frutos no futuro

Não é de se espantar que em um país com temperaturas mais altas que baixas, esportes de gelo e de neve tenham poucos praticantes. Se para jogar futebol basta uma bola e um campo improvisado, é impossível esquiar sem neve ou jogar curling sem uma pista de gelo. Ciente desses obstáculos, a Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG) aposta em um trabalho de base e continuidade para colher os frutos no futuro. E o Campeonato Brasileiro de Curling que começa neste domingo, em São Paulo, é um dos exemplos mais recentes deste projeto.

Inaugurada com recursos próprios na casa dos R$ 2 milhões em fevereiro de 2020, a Arena Ice Brasil era uma das grandes apostas da CBDG para atrair o público. A intenção, contudo, foi atropelada pela pandemia da Covid-19. O Campeonato Brasileiro, idealizado para aquele ano, teve que esperar. Aqui vale a ressalva de que a competição já acontece desde 2015, mas sempre no Canadá. Esta será a primeira em solo brasileiro.

A participação ainda é tímida. A disputa por equipes terá apenas dois times, em uma melhor de cinco jogos. Já a briga pelo título das duplas mistas terá seis equipes. Os números neste caso são o de menos, já que a ideia é pensar no futuro. Por isso, uma das atrações é justamente a presença da italiana Stefania Constantini, ouro nos Jogos Olímpicos de Inverno, este ano, em Pequim.

“É um processo, faz parte de um grande plano. Temos todo um projeto estratégico para trilhar um caminho de desenvolvimento”, afirma o presidente da CBDG, Matheus Figueiredo. O dirigente destaca que a pista de curling da Arena é a única oficial da América Latina e lembra que o local também conta com outro espaço que se reveza entre uma quadra de hóquei e uma pista de patinação. Foram criadas parcerias com consulados como China, Canadá e Itália para facilitar o intercâmbio de experiências de brasileiros com atletas para esses países. O campeonato de curling deste ano será o primeiro, mas não o único, já que a ideia é que ele seja anual, assim como que haja um calendário com outras competições também.

“O interesse foi gerado. Não precisa botar 10% da população nos esportes de gelo, se botarmos 1%, já teremos resultados. Claro, não de hoje para amanhã, é algo que precisa criar a cultura. Com investimentos, temos chances de em 10 anos sermos competitivos. Não figurar no Top 5, claro, mas brigando por posições no segundo escalão”, prevê Marcelo Mello.


A Arena Ice Brasil, onde acontece o Campeonato Brasileiro, conta com uma pista oficial de curling (foto) e um espaço que se reveza entre uma quadra de hóquei e uma pista de patinação | Foto: DIVULGAÇÃO CBDG / CP

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895