Uma luta ainda mais difícil

Uma luta ainda mais difícil

Se o combate ao racismo no futebol brasileiro se mostra desafiador, a luta contra a homofobia nos estádios é ainda mais inglória

Por
Carlos Corrêa e João Paulo Fontoura

A cada ano, a data de 17 de maio marca o Dia Internacional de Combate à LGBTfobia. Em 2023, um pouco antes, no dia 14 de maio, a partida entre Corinthians e São Paulo, na capital paulista, foi interrompida pela arbitragem em razão de cantos homofóbicos que vinham das arquibancadas. “Informo que aos 18 minutos do 2° tempo paralisei a partida por dois minutos devido a gritos homofóbicos da torcida. ‘Vamos Corinthians, dessas bichas teremos que ganhar’. Sendo informada no sistema de som e no telão do estádio para que os gritos cessassem, mesmo assim a torcida continuou gritando efusivamente”, indicou na súmula o árbitro carioca Bruno Arleu de Araújo. O fato deixa evidente que, se o desafio de combater o racismo nos estádios, mesmo com todas campanhas, ainda está longe do fim, imagine o combate à homofobia, ainda mais em um ambiente tão masculinizado e conservador como sabe-se que é o futebol brasileiro.

A luta, no entanto, nunca foi tão ativa. Organizações não governamentais, grupos de torcedores e, acredite, até mesmo a CBF têm se movimentado para (tentar) dar um fim às atitudes que, desde 2019, configuram crime imprescritível e inafiançável no país. “É uma luta ainda mais difícil e delicada porque o racismo no Brasil é crime desde 1988. Já a homofobia só passou a ser tratada como crime a partir de 2019. É muito recente e mais difícil de ser combatido porque praticamente em todos os jogos, estádios, em todas as torcidas organizadas, há cânticos homofóbicos. Diferente do racismo, que não há cânticos racistas de modo geral, só específico”, diz Marcelo Carvalho, diretor do Observatório do Racismo no Futebol.

Quando os gritos não partem de torcedores isolados, mas sim de milhares de pessoas ao mesmo tempo em uma arena, fica evidente o quanto o problema está enraizado. Talvez um pouco mais no ambiente esportivo, mas não apenas nele. “Para combater a homofobia no futebol, é preciso combater ela na sociedade. O futebol é uma prática social, um espelho da sociedade. Que ao mesmo tempo produz alguns regimes específicos. Em um ambiente muito masculino como esse, essa masculinidade não só é desejada, como também vira referência. E todo desvio desse sujeito masculino é rechaçado”, observa Guilherme Gomes Ferreira, ativista na ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade, professor e pesquisador do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero da Ufrgs.

No cenário nacional, dois grupos – Canarinhos LGBT e Arco-Íris – têm se destacado apontando casos de homofobia no futebol, como os clubes que evitam ter um jogador com a camisa número 24. As denúncias, no entanto, ainda ficam restritas aos grandes jogos, quando há transmissão. Ou seja, uma ínfima parte do cenário. A partir do momento em que o caso é relatado em súmula, porém, a CBF tem mostrado nos últimos anos mais disposição em punir os responsáveis. Tanto que o Corinthians deve ser denunciado no STDJ pelos cânticos do dia 14 e corre o risco de perder pontos no Brasileirão.

Futebol brasileiro teve 74 casos em 2022


Em agosto de 2022, os capitães de Grêmio e Cruzeiro entraram em campo com braçadeiras nas cores do arco-íris como forma de um acordo com o STJD para promover campanhas de conscientização contra a homofobia | Foto: Lucas Uebel / Grêmio Divulgação/ CP

Só em 2022, foram registrados 74 casos de homofobia no futebol brasileiro. Divulgado nessa semana, o Anuário do Observatório do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, realizado com o apoio da CBF, indica crescimento de 76% em relação ao ano anterior e diz respeito a fatos ocorridos tanto dentro como fora dos gramados. “São casos que se repetem toda semana, é uma luta complexa e desafiadora. Há clubes que já detectaram isso e trabalham o tema com seus jogadores, funcionários e torcedores. Mas ainda é insuficiente. A LGBTfobia é um mal social que se alastra em todos os ambientes, em especial no futebol. Essa intolerância motivada por ódio e discriminação é profundamente violenta e deixa marcas profundas”, disse Onã Rudá, fundador do Coletivo, ao site oficial da CBF.

A nova Lei Geral do Esporte, aprovada recentemente no Senado Federal e que espera sanção presidencial, promete mais rigidez no combate à homofobia. Em termos financeiros, as multas variam de R$ 500 a R$ 2 milhões, além de suspensões de torcidas organizadas que podem ir a 5 anos. Há outras soluções também, como acordos costurados entre as partes. Em 2022, os capitães de Grêmio e Cruzeiro entraram em campo pela Série B com uma braçadeira com as cores do arco-íris, símbolo da causa LGBT. Os dois clubes haviam sido denunciados por cantos homofóbicos, mas fizeram um acordo com o STJD para o pagamento de multas e a realização de campanhas de conscientização dos torcedores. “Pode ser visto como mais benéfico para o clube do que para a causa, mas é porque a causa precisa de campanhas permanentes. Acredito que isso está ligado”, aponta o Coordenador do Clube de Todos e presidente do Conselho Deliberativo do Grêmio, Alexandre Bugin.

Para Guilherme Gomes Ferreira, do Somos, as ações de conscientização precisam transcender os estádios a arenas. “É preciso alimentar essa luta contra a homofobia em todas as idades, estimular esse debate nas escolas para que isso não aconteça mais”, afirma.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895