Valor de ingresso para parques divide opiniões no RS

Valor de ingresso para parques divide opiniões no RS

Unidades de conservação têm desafios após concessão para a iniciativa privada

Por
Christian Bueller

A vista é linda. Para alguns, uma experiência inesquecível, em uma viagem que congrega contato com a natureza, aventura e tranquilidade. A 200 quilômetros de Porto Alegre, os parques nacionais dos Aparados da Serra e da Serra Geral, em Cambará do Sul, nos Campos de Cima da Serra, são unidades de conservação que possuem inúmeros atrativos: biomas, hidrografia, vegetação, fauna, mas são as formações geológicas e os relevos singulares que ganham destaque. Seus cânions e trilhas oferecem as melhores experiências em suas bordas ou em suas bases. Juntos, esses dois parques somam mais de 30 mil hectares e se distribuem pelos estados do Rio Grande do Sul (parte superior do planalto) e de Santa Catarina. Atualmente, são três áreas de visitação: Itaimbezinho, Fortaleza e Rio do Boi (no estado vizinho).

Em 2021, a administração dos parques foi concedida à iniciativa privada. A promessa de melhorias empolgou o município, que viu na medida a possibilidade de ampliar o turismo na cidade. Porém, após a concessão, houve reclamações sobre o preço dos ingressos, que chegam a R$ 94,00 em um valor unitário. Comerciantes e empresários da região reclamam que há diminuição de visitantes.

Para Giovane Klippel, presidente da Associação de Empreendedores Turísticos de Cambará do Sul (Aeturcs), o movimento é baixo e só aumenta nos feriadões recentes, mas a circulação caiu cerca de 50% desde o início da concessão, gerida pela empresa Urbia Parques. “Estamos bem abaixo da meta e isso tem tudo a ver com os ingressos, além dos acessos aos parques, que estão ruins, o que, neste caso, estão relacionadas ao poder público e não à concessionária”, relatou. Segundo ele, a estrutura oferecida ao visitante no entorno dos cânions não é condizente com o preço exigido. “São contêineres, não há um espaço fixo, está provisório. A empresa deixou bem claro que não vai reduzir o valor da entrada, então, estamos bem cientes disso”, diz Klippel, que trabalha com grupos de turistas. Se tiverem mais de 15 pessoas, o valor promocional cobrado por pessoa do grupo é de R$ 72,00. O presidente da Aeturcs diz que a entidade trabalha em conjunto com a Secretaria de Turismo do Rio Grande do Sul para melhorar este cenário. “A ideia é promover alguns eventos de inverno para trazer mais pessoas à cidade com apoio do governo do Estado”, adiantou.

Para Fabiano Alves Júnior, da Pousada Candieiro Cambará, ocorreu uma mudança no perfil do turista que costuma visitar os parques. “Por causa da concessão, somada à crise econômica, houve uma alteração: as famílias e os mochileiros, que nos procuravam por sermos um espaço mais rústico, não vêm mais. A cobrança do ingresso deixou mais seleto este movimento. O público diminuiu bastante”, afirma. A sugestão de Fabiano é para que o valor atualmente cobrado para entrada nos dois parques seja dividido, a fim de que o visitante possa escolher e, dessa forma, possa aumentar a demanda. “Tem muita gente que vem a Cambará e quer conhecer um parque só ou tem tempo apenas para um. Facilitaria para nós. Pedimos, mas ainda não tivemos retorno”, lamenta.

O prefeito de Cambará do Sul, Ivan do Amaral Borges, refuta as opiniões de que a situação na cidade tenha piorado depois da concessão. “Ouvimos por aí como se o caos tivesse se instalado aqui. Pelo contrário. Foi o melhor que o governo federal fez. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), que cuidava dos parques nacionais, também não tinha pessoal suficiente”, afirma. Segundo ele, após 2021, é possível detectar melhorias na região. “Não se pagava nada, mas não tinha estrutura. Tem banheiros, lojinha de conveniência, a pessoa pode tomar água e café. As trilhas foram recuperadas, estão fazendo (investimento em) entretenimento”.

Ivan pondera que uma concessão para turismo não está atrelada a soluções imediatas. “(A empresa) está na cidade há pouco mais de ano, não é estalar os dedos e tudo vai acontecer”, opina. Para o prefeito, a redução de público “é normal” quando uma atração que era visitada gratuitamente passa a ser cobrada. “Quem vai fazer turismo? Quem tem dinheiro para fazer turismo! Se eu quiser ir para a Europa e não tiver dinheiro para isso, não vou. Só para onde teria condições”, compara Ivan, que não considera o valor atual do ingresso aos parques nacionais como entrave para quem quiser conferir os cânions da região.

Para o chefe do Executivo de Cambará do Sul, o debate sobre o tema não pode prescindir do papel empregatício da concessão. “Temos ali 65 postos de trabalho, alguém tem que pensar nestas famílias e mais nos 50 empregos indiretos. Sem falar que, futuramente, isso vai alavancar enormemente o turismo do município e da região. Eram duas belezas naturais, ao meu ver, ‘mal vendidas’. Evidentemente, a empresa, ao longo de 30 anos, vai investir R$ 250 milhões nos dois parques nacionais e vai querer algum retorno. Não conheço nenhum empresário que aplique dinheiro e não receba nada em troca”, destaca Ivan.

A reportagem entrou em contato com a concessionária, a empresa Urbia Parques, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

O asfaltamento da ERS-427, um obstáculo no caminho

Um ponto em comum entre as opiniões do prefeito e dos empresários é a necessidade de asfaltamento da ERS-427. O governo do Estado publicou um decreto, em março deste ano, que declara de utilidade pública para fins de desapropriação 5,5 quilômetros da rodovia. O trecho liga o centro de Cambará do Sul, no norte do Rio Grande do Sul, e o Parque Nacional Aparados da Serra. A extensão vai do km 17,66, no cânion de Itaimbezinho, ao km 23,23, em Cambará do Sul, na divisa com Santa Catarina.

A declaração de utilidade pública para fins de desapropriação é etapa fundamental para a execução de obras no trecho sem asfalto que leva ao parque, um dos maiores patrimônios naturais e turísticos do Estado e do Brasil. Com a medida, será possível superar um dos maiores entraves para o acesso ao parque e incrementar o turismo na região. No entanto, o processo de desapropriação é mais demorado. “Desde a metade dos anos 90, a comunidade espera pela obra de pavimentação da ERS-427. Pensando que essa estrada faz ligação com o estado de Santa Catarina, ela fomentaria, além do acesso ao Parque Nacional de Aparados da Serra, o tráfego de veículos que usariam a Serra do Faxinal como opção de ligação entre a Serra Gaúcha e o sul do litoral de Santa Catarina, sendo isso um ganho enorme para a economia de toda a região”, analisou o secretário de Turismo de Cambará, Fabiano Souza, à época da publicação do decreto.

O processo de análise do trecho para declaração de utilidade pública com vistas à desapropriação corre desde novembro do ano passado, com o levantamento das características e atualização dos dados cadastrais da ERS-427 pelo Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), vinculado à Secretaria de Logística e Transportes (Selt). Entre as atualizações, está a correção da extensão total da rodovia, de 22,75 quilômetros para 23,23 quilômetros, com a devida adequação quilométrica de todos os trechos. A partir dessa análise, foi elaborada a minuta do decreto, que passou pelo crivo das áreas jurídicas do Daer e do governo. As obras de pavimentação do trecho integram as ações do Programa Avançar, com previsão inicial de investimento de R$ 25 milhões.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895