Vendas sob novo modelo

Vendas sob novo modelo

Limitações impostas pela pandemia fazem com que produtores de peixes inovem na comercialização

Por
Felipe Samuel

Considerada o ponto alto da venda de pescados no Rio Grande do Sul, a Semana Santa deste ano deve consolidar novas formas de comercialização, como os sistemas “pegue e leve” e “tele-entrega”. Em meio às incertezas sobre a realização de feiras em função da pandemia do novo coronavírus, piscicultores de diversas regiões buscam alternativas para escoar a produção, que bateu recorde no ano passado. Por conta das restrições de circulação, o comércio na beira da taipa, quando o cliente compra o produto na propriedade rural, e o atendimento via redes sociais ou aplicativos de mensagem devem ganhar força.

De acordo com o levantamento da Associação Brasileira da Piscicultura (Peixe BR) para o Anuário Peixe BR 2021, a produção de peixes de cultivo do Brasil cresceu 5,9% em 2020 (em relação a 2019) e chegou a 802,9 mil toneladas. Deste total, 486,1 mil toneladas foram de tilápias, 278,6 mil de espécies nativas e 38,1 mil de outros peixes. A produção total do Rio Grande do Sul cresceu 4,4%, de 25 mil para 26,1 mil toneladas. O resultado levou o Estado do 13º para o 11º lugar no ranking nacional, que é liderado pelo Paraná. Os gaúchos, no entanto, mantêm a liderança da subdivisão “outros peixes”, na qual estão as carpas, bastante cultivadas no Rio Grande do Sul, com 17,11 mil toneladas. Em 2020, foram projetados e construídos 216 viveiros, com área de 49 hectares, no Estado.

O desempenho nacional de 2020 foi o segundo melhor desde 2014, ano em que a Peixe BR foi fundada e iniciou o levantamento da produção. Na avaliação da entidade, o resultado  é muito bom e pode ser dividido em duas fases distintas. Conforme a Peixe BR, a pandemia  atingiu a atividade em cheio pouco antes da Semana Santa, o “Natal da piscicultura”, do ano passado.  Em consequência, houve  redução das vendas e  preocupação para os diversos elos da cadeia produtiva. Mesmo assim, o segundo semestre  foi o melhor da piscicultura nos últimos anos, com aumento do consumo interno e maior oferta do setor.

Com a proibição de eventos desde meados do ano passado, a solução encontrada por parte dos produtores foi lançar mão da tecnologia para atender a demanda dos clientes. Por meio de aplicativos de mensagens, como WhatsApp, eles conseguem viabilizar a venda na propriedade rural, com hora marcada, ou por tele-entrega. Ao invés do deslocamento a feiras, com custos de viagem e de montagem de estrutura, agora os criadores reforçam a divulgação dos produtos nos sites das prefeituras e da Emater.

Assistente técnico estadual da Emater/RS-Ascar, João Alfredo de Oliveira Sampaio explica que no ano passado houve comercialização dos produtos durante a Semana Santa, uma vez que os estoques de pescados beneficiados pela indústria já estavam prontos. Por conta do avanço da Covid-19, os piscicultores ficaram na dependência das definições sobre o modelo de distanciamento controlado para definir, somente nesta semana, quais medidas adotar para viabilizar a comercialização do produto.

“As orientações de fazer a comercialização por encomenda, tele-entrega e atendimento personalizado sem necessidade de saída do carro, por exemplo, podem permitir segurança para produtores e consumidores”, avalia Sampaio.

O técnico garante que os produtores assistidos recebem orientações sanitárias idênticas às do comércio, como medir a temperatura, usar e exigir uso de máscara e álcool em gel e manter o distanciamento social. Sampaio aprova a iniciativa de piscicultores que passaram a utilizar aplicativos para efetuar a venda da produção e evitar aglomerações. E observa que a pandemia “está construindo” um novo normal. “Existe uma quebra de paradigma em várias questões. A feira do peixe vivo pode ser uma destas, mas teremos que aguardar, pois somente após passada esta situação especial em que nos encontramos saberemos se o novo normal se estabelecerá ou não”, assinala.

De acordo com Sampaio, os técnicos dos escritórios municipais da Emater/RS-Ascar receberam orientações para o cumprimento dos decretos estadual e dos decretos municipais que estiverem em vigor. Ele afirma que a Emater precisa estar pronta para eventualidades. “Queremos que o nosso público de produtores seja assistido e protegido assim como os consumidores”, ressalta. “Desejamos oferecer, como em todos os anos, a comercialização de pescado durante a Semana Santa”, complementa.

 

Saída pela feira virtual

Em municípios como Novo Hamburgo, a oferta de peixes durante a Semana Santa vai para seu segundo ano de vendas por redes sociais com tele-entrega ou retirada nas propriedades rurais

Thiesen reforçou a divulgação por aplicativos e prevê demanda para uma tonelada das tilápias que a família cria. | Foto: Roberta Thiesen / Divulgação / CP

Por alguns meses, os piscicultores de Novo Hamburgo mantiveram a ideia de retomar a feira da Semana Santa no formato físico. Mas, de acordo com extensionista rural da Emater/RS-Ascar no município, Carlos Rocha, em função do agravamento da pandemia da Covid-19 e para evitar aglomerações, o evento vai para seu segundo ano consecutivo no modo virtual, de segunda-feira a sexta-feira desta semana. Neste período, Rocha diz que até 40 famílias comercializam peixes na beira da taipa. “Este ano tiramos os pontos comerciais”, assinala.

Sem poder receber os clientes na feira, os criadores concluem as vendas por aplicativos de redes sociais. Após concluir as negociações, os compradores vão à propriedade buscar as encomendas, no modelo conhecido como venda na beira da taipa. “O consumidor pega o carro e vai até propriedade, onde pode escolher o peixe no tanque”, descreve Rocha. Ou, se tiver feito a encomenda antes, vai retirar carpas, jundiás, traíras ou outros peixes e levar o pacote pronto.

Com a mudança no modelo de negócio, uma parte dos produtores se adaptou ao uso de tecnologias e, em alguns casos, contabilizou lucro superior a edições de feiras físicas. “A maioria dos agricultores que tem propriedades de fácil acesso, com bom acesso à internet, apresentou melhor comercialização”, constata o extensionista.

“Quem se adaptou tem jovens nas propriedades e obteve grande sucesso, pois, além de ampliar a comercialização, diminuiu custos”, compara Rocha. “Muitas vezes o consumidor faz transferência bancária, pega e leva para casa”, descreve, referindo-se às facilidades para a venda criadas pela tecnologia.

Segundo Rocha, as vendas de peixes vivos são uma alternativa para reduzir custos, uma vez que não necessitam de oxigênio e de estrutura para manter os animais, além de evitar deslocamento até o local da feira física. “Isso diminui muito o custo, inclusive da prefeitura, que gastava recursos com feiras”, raciocina. “Quem quiser peixe fresco, vivo, vai na casa do agricultor”, frisa, acrescentando que os criadores recebem recomendação para seguir os protocolos sanitários contra a Covid-19 e evitar aglomerações.

Tele-entrega

Com agravamento da pandemia, o piscicultor Geraldo Thiesen, 42 anos, reforçou a divulgação nas redes sociais, com atendimento via aplicativos de mensagens como o WhatsApp, da propriedade Morro dos Peixes Piscicultura, onde a família cria tilápias, em Novo Hamburgo.

No ano passado, em função da pandemia, a prefeitura decidiu realizar a feira – que é uma das principais da Região Metropolitana – de forma virtual e manteve o modelo para este ano.
“Colocamos à disposição um volume reduzido, não conhecíamos esse cenário de tele-entrega, era novidade e, diante disso, reduzimos a disponibilidade de produtos”, recorda Thiesen, que considerou a procura que houve como grande diante da expectativa, mas capaz de absorver apenas 30% do volume comercializado em uma feira física da Semana Santa, quando tradicionalmente o volume comercializado chega a 1,5 mil tonelada.

“Neste ano vamos apostar um pouco mais, mas não vai ser o volume total das vendas, deve ficar em cerca de uma tonelada”, prevê Thiesen.

“Tudo ficou um pouco estranho”

No município de Estrela, no Vale do Taquari, o piscicultor Márcio Mallmann afirma que, tradicionalmente, o movimento na feira é maior pela manhã. Por conta dos protocolos sanitários definidos pelos organizadores e a necessidade de evitar aglomerações, Mallmann vai levar o pescado mais cedo ao local. A ideia é sair às 5h da propriedade rural onde cria carpas. “O movimento é maior na primeira hora da manhã, das 6h às 7h, quando muitas pessoas querem um peixe específico”, destaca. “Vamos atender uma pessoa por vez”, completa. Segundo Mallmann, equipes da prefeitura vão fazer a medição de temperatura dos consumidores na entrada da feira. Em função da pandemia, o horário da feira também será reduzido. Embora a piscicultura não seja o carro-chefe dos negócios da família, Mallmann trabalha há mais de três décadas na criação de peixes junto com o pai, Renato. “É uma renda-extra, não é essencial, é tipo 13º salário. No setor rural não adianta investir única e exclusivamente num setor só, pois tem altos e baixos”, reforça. Ele explica que a produção de pescado na propriedade já chegou a 2.500 quilos por ano. “Já fizemos oito feiras por ano, mas com a pandemia tudo ficou um pouco mais estranho”, avalia. Neste ano, o cenário é de incertezas. “Não sabemos quanto vamos vender”, admite.

Expectativa de queda nas vendas

Em Porto Alegre, a Associação dos Pescadores e Piscicultores do Extremo Sul (Appesul) se prepara para uma feira da Semana Santa com apenas 25% dos criadores de peixes que tradicionalmente iam ao Largo Glênio Peres. Ao invés das 59 bancas montadas em 2019, neste ano, em função da necessidade de manter distanciamento social e evitar aglomerações, a previsão da prefeitura é permitir a participação de apenas 15. “Dependemos da questão da bandeira (do modelo de distanciamento controlado), mas estamos nos preparando para a feira”, afirma o presidente da Appesul, Roberto Superti. Mesmo com a confirmação, a expectativa é de queda nas vendas. “As pessoas perderam muito poder aquisitivo”, constata.

Superti ressalta que o custo dos insumos para a criação de tilápias subiu muito no último ano, num momento em que a maioria dos piscicultores não tinha dinheiro para bancar tais aumentos. De acordo com a Peixe BR, os preços dos componentes da ração, pagos em dólares, que chegaram a variar 40% no ano, impactaram o setor.

Como consequência, o preço do quilo da tilápia ou da carpa deve oscilar entre R$ 20 e R$ 22. “Em 2019, vendíamos o quilo a R$ 16”, compara Superti. O presidente da associação destaca que alguns piscicultores já aderiram ao modelo de tele-entrega, mas percebe que os consumidores preferem comprar nas feiras. “As pessoas querem olhar o peixe e escolher o que lhes agrada, assim como quando vai comprar carne para churrasco”, afirma.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895