Viagem pela floresta

Viagem pela floresta

Milhares de haitianos atravessam a selva colombiana em direção à fronteira com o Panamá em busca do sonho de chegar aos Estados Unidos

Por
Juan Sebastian Serrano / AFP

Um menino de 12 anos escorrega e cai em uma pedra na selva colombiana de Darién. O garoto não chora nem reclama, apenas ajeita a mochila que carrega no ombro e segue andando com a mãe, o pai e o irmão mais novo. Eles fazem parte de um grupo de 500 haitianos que avançam a pé em direção à fronteira com o Panamá carregados de enormes malas. São pelo menos quatro dias de travessia por uma floresta tropical infestada de cobras e grupos armados. Mas, desesperados para sair da América do Sul e ir para os Estados Unidos, muitos tentam o trajeto com seus filhos nas mãos ou bebês nos braços.

A agência AFP os acompanhou por vários quilômetros de trilhas lamacentas cheias de pedras pontiagudas, onde um escorregão pode ser fatal. Um novo grupo percorre a rota quase todos os dias. “Quem já passou fala que tem que preparar a cabeça pra ver muita coisa (...). Tenho medo do que pode acontecer, pelos filhos, pela família”, diz Francisco, de 30 anos, prestes a desafiar o Darién.

Junto com o grupo, 35 homens uniformizados com camisa preta, shorts e bota de borracha. Apresentam-se como “guias” que oferecem “proteção” e “segurança” na selva. Eles estão desarmados.

“Eu disse (aos meus filhos) que faríamos uma viagem e que poderíamos encontrar agressores, animais, muitos perigos”, explica uma mulher que aos 38 anos já emigrou para a República Dominicana e Chile, onde economizou dinheiro para se lançar em busca do “sonho americano”. Ela prefere não se identificar por medo de represálias das autoridades de imigração ao longo do caminho.

A maioria dos haitianos vem do Chile ou do Brasil, para onde emigraram após o terremoto de 2010, que deixou cerca de 200 mil mortos em seu país.

O orçamento para toda a rota é de cerca de 1.500 dólares. Michaud Noel reuniu o valor trabalhando como operário da construção civil no Brasil. Na noite anterior à entrada na selva, o homem de 41 anos não conseguia fechar os olhos no acampamento porque se sentia “ansioso”. Ele viaja com sua companheira, sua filha de 4 anos, sua sobrinha de 14 anos e seu irmão, que carrega a mais nova das meninas nos ombros. “As crianças não entendem bem o que está acontecendo, elas só te acompanham”, explica Noel, que não entrou em detalhes sobre o percurso e seus perigos com sua filha.

Nos trechos mais difíceis o grupo dá as mãos, formando um imenso cordão humano que se estica e se encolhe ao ritmo dos acidentes do terreno. Os mais pesados e os mais velhos apoiam-se em gravetos que afundam na lama.

"Não sou coiote"

Os haitianos caminharão dois dias inteiros pela selva até o topo de uma montanha na fronteira com o Panamá. Os guias lideram a marcha. Cada migrante pagou 300 dólares pelo acompanhamento. Uma pessoa em boas condições físicas poderia fazer o trajeto em um único dia, “mas têm crianças, velhos, gordos, doentes”, explica Alexis, um guia da região.

Aprendeu com os haitianos a expressão “ann alé” (vamos lá) e a repete como um mantra na estrada. Avisados sobre a presença de assaltantes e estupradores no caminho, os haitianos seguem os guias com uma estranha mistura de desconfiança e alívio. “Eu não sou um coiote. Coiote é aquele que rouba, estupra, trai seus clientes. Eu sou um guia e estamos aqui para ajudá-los (os migrantes)”, acrescenta este homem de 42 anos.

A caminhada começa com o primeiro raio de sol e, durante a manhã, o grupo avança acompanhando o leito do rio El Muerto, uma serpente de águas cor de esmeralda que cruzam várias vezes. Várias dragas artesanais aparecem no caminho. São vestígios de uma bonança já extinta da mineração ilegal de ouro na área.

Autoridade da selva

Dezenas de locais oferecem o transporte de bagagem por 30 dólares. A família Noel rejeitou a oferta a princípio, mas depois de uma hora caminhando sobre pedras no calor úmido da selva, negociam para se livrarem de duas malas por 40 dólares.

Um homem magro coloca a bagagem pesada nas costas e desaparece no caminho. Outros preferem aliviar a carga e deixar jaquetas, calças e sapatos no caminho. “Aqui não se pode roubar o migrante, nenhum fio de cabelo pode ser tocado”, diz Alexis.

Os carregadores da selva são identificados e numerados com uma credencial plastificada e os pertences de Noel serão encontrados no próximo acampamento, explica o guia. Nem o exército nem a polícia colombiana estão presentes na área, onde exerce autoridade o Clan del Golfo, a maior gangue de narcotraficantes da Colômbia. Seus integrantes se encarregam da segurança da trilha e punem os infratores com penas que podem ir até a morte. Em troca, cobram um imposto por cada migrante.

Os guias negam fazer parte dessa organização, mas dependem de sua aprovação para atravessar o território. “Diz-se muito que aqui roubam os imigrantes, que os enganam e até os estupram. Mas sei que quando o mundo vir a realidade, vai mudar a sua imagem da fronteira colombiano-panamenha", defende-se Alexis.

Este ano, cerca de 70 mil pessoas concluíram o trajeto, segundo autoridades panamenhas. Outras 19 mil aguardam o embarque para a selva no porto colombiano de Necoclí. Foto: Raul Arboleda / AFP / CP

México dá início a voos de repatriação de haitianos

Por Jean Arce / AFP

O México repatriou um primeiro grupo de 70 haitianos quarta-feira, como parte de um plano de retorno voluntário coordenado com Porto Príncipe para lidar com a crise desencadeada por uma onda de migrantes sem documentos para os Estados Unidos. Ambos os governos concordaram em "iniciar o retorno voluntário assistido de migrantes estabelecidos no México para seu país de origem", disse o Instituto Nacional de Migração do México (INM) em nota. Os estrangeiros permaneceram na Cidade do México, assim como nos estados de Hidalgo, México (centro) e Tabasco, indicou a instituição.

O início da repatriação ocorre depois de o governo dos EUA realizar deportações em massa, entre os quase 15 mil haitianos que acampavam sob uma ponte na fronteira entre as cidades de Del Río (Texas, EUA) e Acuña (México).

O acampamento atraiu atenção mundial devido às cenas de haitianos cruzando o rio Grande, carregando seus filhos e pertences, e enfrentando dura repressão dos guardas de fronteira americana. De acordo com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), cerca de 3,5 mil haitianos foram deportados entre 17 e 27 de setembro para seu país de origem pelos serviços migratórios dos EUA.

Washington indicou, no entanto, que também liberou em seu território 12,4 mil migrantes - a grande maioria haitianos - que foram detidos na fronteira para que possam dar seguimento a seu pedido de asilo e que podem liberar mais, segundo o secretário de Segurança Nacional, Alejandro Mayorkas.

Essas ações fazem parte dos acordos alcançados em uma mesa de diálogo entre representantes do México e do Haiti, instalada em 21 de setembro, “para atender às necessidades das pessoas de origem haitiana localizadas em território nacional”, explicou o INM.

O chanceler mexicano, Marcelo Ebrard, disse que muitos haitianos não podem solicitar status de refugiado no México porque já o receberam em outros países. Apesar disso, a Comissão Mexicana de Apoio ao Refugiado está processando solicitações de 13.255 cidadãos haitianos. 

Dezenas de milhares de haitianos foram protagonistas, nos últimos três meses, de um êxodo que cruzou o continente de lugares como Chile e Brasil para realizar o sonho de chegar aos EUA em busca de asilo. Diante da recusa de Washington em recebê-los, muitos deles estão optando por refugiar-se no México.

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895