Vinho “Spotachio” vai da rejeição ao reconhecimento

Vinho “Spotachio” vai da rejeição ao reconhecimento

Marca Família Ulian foi lançada em 2001

Por
Nereida Vergara

Às vezes para uma coisa dar certo, antes, ela precisa dar errado. Tal sabedoria foi assimilada na prática pelo vitivinicultor Vilmar Ulian, de Linha Oitenta, interior do município de Flores da Cunha, na região serrana do Rio Grande do Sul. A Família Ulian, que hoje tem um aconchegante paradouro para receber os turistas interessados em bons vinhos e boa comida, iniciou seu cultivo de uvas e elaboração de vinhos de mesa em 1964, pelas mãos de Idalino Ulian, pai de Vilmar. A marca Família Ulian foi lançada em 2001, com planos para a expansão de mercado e o ingresso posterior no segmento de vinhos finos. 

Pois lá no início da década de 2010, Vilmar, que já tinha uma venda consistente de seus vinhos na região, foi procurado por um amigo, dono de um restaurante, que lhe encomendou 600 garrafas de bebida. O agricultor preparou então, com capricho, um blend de uvas merlot e cabernet sauvignon, e levou para a degustação do cliente. Qual não foi sua decepção quando o amigo provou o vinho e usou para defini-lo uma palavra que na comunidade italiana tem significado quase ofensivo: spotachio. Pelo dicionário, spotachio significa algo irregular, mas para os descendentes dos imigrantes italianos resume aquilo que é "uma porcaria". Indignado, Vilmar voltou para casa e avisou que ninguém mexesse naquele vinho, que ia ficar lá na barrica, porque tinha estragado.

Passado mais de um ano e meio, Vilmar decidiu usar um jantar entre amigos para fazer uma experiência. Numa garrafa sem rótulo, serviu o vinho que havia sido mal avaliado e, aí, foi que tudo mudou. Todos, no encontro, inclusive o amigo aquele que havia encomendado as 600 garrafas, apreciaram muito a bebida servida sem identificação. "Bah Vilmar, mas que vinho bom, este aqui sim eu vou querer 100 garrafas", disse o dono do restaurante que havia irritado o filho de seu Idalino com seu comentário intempestivo. "Esse é aquele vinho que tu chamou de spotachio, e pra ti não vou vender", respondeu Vilmar. Mais tarde, já em casa, comentou com a esposa que ia engarrafar "a porcaria" e que ia inclusive dar como nome o termo em italiano.

Hoje, Spotachio é o rótulo mais valorizado da Família Ulian, ganhou adeptos bem além de Flores da Cunha e é comercializado por volta de R$ 200,00 a garrafa. Eduardo Ulian, que desde 2021 junto com a irmã, Carla, toca os negócios da vinícola, afirma que a história toda foi um aprendizado sobre o tempo que cada vinho e cada uva precisa para dar o melhor resultado. Segundo ele, que está prestes a se graduar em enologia, "gringo não perde, aprende com a derrota".

A história foi contada pelo próprio Vilmar, no dia de visitas às vinícolas de Flores da Cunha promovido pela Associação dos Produtores de Vinhos de Altos Montes (Apromontes), em 15 de julho. A entidade congrega na região 18 estabelecimentos de Flores da Cunha e Nova Pádua. A produção dos Altos Montes em 2023 deve chegar a 6,5 milhões de garrafas de vinhos finos e espumantes, com uvas provenientes de 115 hectares de vinhedos. No roteiro, foram visitadas as vinícolas Família Ulian, Luiz Argenta, Cantina Gerlain e Monte Reale.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895