Vizinhos rivais, mas mantendo a amizade

Vizinhos rivais, mas mantendo a amizade

Uma família colorada e outra gremista vivendo lado a lado há mais de 15 anos na praia de Curumim, em Capão da Canoa, decoraram suas casas nas cores do clube do coração e tornaram-se atração para veranistas

As casas chamam a atenção tanto por simbolizarem a maior rivalidade futebolística do Rio Grande do Sul, quanto pela grande amizade entre as famílias, na qual o futebol é apenas mais um acontecimento

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É comum aos moradores da praia de Curumim, em Capão da Canoa, conhecerem as residências que, ao menos há 15 anos, são pontos de referência no balneário. Vizinhas, as casas com as cores e bandeiras de Grêmio e Internacional chamam a atenção, especialmente dos turistas, tanto por simbolizarem a maior rivalidade futebolística do Rio Grande do Sul, quanto pela grande amizade entre as famílias, no qual o futebol é apenas mais um acontecimento.

Os responsáveis pelas casas são: no lado do Grêmio, o empresário Marcelo Gonçalves de Oliveira e sua sogra, a aposentada Eli Medeiros da Silva, que moram em Terra de Areia; e, pelo Internacional, o também aposentado Osmar Müller, a esposa Sarlete Santiago Dias e a nora de Osmar, Raquel Santiago Dias, de Canela, na Serra. Ainda que a casa de Marcelo seja anterior à de Osmar, tudo começou pelo colorado, que coloriu a casa de rubro, o que fez o empresário “rivalizar” com o vizinho pintando sua residência de azul.

“O Grêmio estava em uma fase muito boa”, conta Eli, cuja casa era bege antes da repintura para a cor gremista. Osmar, que foi empresário em Curumim, afirma que não nasceu colorado, mas, quando pequeno, quando morava no interior do município serrano, foi “convidado” a torcer para o clube do Beira-Rio. “Eu tinha apenas um rádio a pilha e, na minha infância, não conhecia sobre o passado do Inter ou do Grêmio. Por influência dos amigos, fui sabendo mais sobre o Inter e me apaixonei a cada dia mais. Me tornei um colorado quase abusado (risos), mas muito feliz”, relatou ele.

No Gre-Nal deste domingo, possivelmente ambas as famílias irão torcer da forma como relataram, cada uma em sua residência, com alguma troça ao vizinho, porém, em clima de grande tranquilidade, bem ao estilo de Curumim. “São mais os turistas e outras pessoas que acabam passando por aqui com carros de som, buzinando, colocando um hino um pouco mais alto nos carros. Claro que torcemos para o outro perder (risos), porém, no fundo, todos somos gaúchos e temos os mesmos objetivos”, prossegue Eli.

Certo é que as casas são um tanto quanto iguais no que diz respeito à arquitetura, com dois pisos, cercas baixas e grandes portões de garagem, embora a de Osmar apresente grandes símbolos do Internacional nas entradas. O aposentado afirma também que, em seu sítio do interior do município serrano, a decoração com o tema do Internacional é a mesma. No caso de Eli, a família toda torce para o Tricolor, e foi algo natural a decoração da casa com motivos azuis.

A fachada da residência tricolor ostenta a frase “Sirvam nossas façanhas de modelo à toda terra”, do hino rio-grandense, enquanto na colorada, há uma frase tão singela quanto: “Aqui mora um colorado feliz, campeão de tudo”.

Quem mais se diverte são as crianças e pessoas de fora, cujos assombros oferecem um combustível adicional para atiçar a rivalidade, que, na realidade, nada tem de bélica. Outro fato relevante na vizinhança é a presença de um pequeno comércio de roupas e bugigangas metros adiante, que expõe como itens de venda toalhas de banho da dupla Gre-Nal. Questionada qual delas vende mais, a proprietária responde que é a do Grêmio.

Eli, questionada sobre quem foi seu maior ídolo do passado, não titubeia ao mencionar o nome de Renato Portaluppi, grande nome da conquista do título mundial de 1983 e atual técnico gremista. “Acompanho bastante, sou gremista desde pequena, e o Marcelo é sócio e cônsul do Grêmio em Terra de Areia. A gente fica bravo quando ele (Renato) perde, aí sai, depois volta de novo, então é uma relação desta forma”, comenta ela. Mais recentemente, a aposentada menciona como referência o nome do atacante uruguaio Luis Suárez, que em 2023 marcou história no clube da Arena.

Osmar conta que esteve no Japão em 2006, quando o Internacional conquistou o título do Mundial de Clubes, e fez o mesmo nos Emirados Árabes Unidos em 2010, ano em que o clube esteve na mesma competição, porém terminou derrotado na semifinal para o clube africano Mazembe. Seu ídolo do passado é Fernandão, o qual conheceu em terras japonesas. Dele, Osmar disse ter recebido “recordaçõezinhas”, como pulseira e caneta. Entre os integrantes do plantel mais recente, disse simpatizar com o atacante Enner Valencia. “Gostei da humildade dele quando chegou com os filhinhos no colo. Quero que ele se torne um ídolo assim como o Fernandão”, disse.

Ao apertarem as mãos, fortalecendo os laços de amizade, Osmar e Eli emulam uma convivência saudável que somente um dos clássicos mais queridos, conhecidos e ásperos do futebol mundial podem proporcionar. Conquanto haver quem diga que o Inter não vive sem o Grêmio, e o Grêmio não vive sem o Inter, neste pacífico balneário do litoral norte gaúcho a convivência pacífica é regra, e a bagunça, a exceção. Independentemente de quem vencer o próximo Gre-Nal, os vizinhos seguirão vivendo suas vidas, mas se apoiando de forma mútua, com a única competição ocorrendo dentro de campo, e bem longe de Curumim.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895