"Corpos e almas destruídos", a herança do doping na Alemanha Oriental

"Corpos e almas destruídos", a herança do doping na Alemanha Oriental

Entidade busca auxílio e reconhecimento de atletas como vítimas nas décadas de 70 e 80

AFP

Heidi Krieger é caso emblemático, tendo trocado de sexo após excesso de hormônios

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"Os corpos são destruídos, as almas também", afirma Ines Geipel, ex-corredora da Alemanha Oriental (RDA) e presidente de uma associação de vítimas de doping. Ela descreve sua situação e a de muitos atletas como catastrófica, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim.

Primeira atleta da antiga RDA a pedir a uma federação a retirada de seu nome dos arquivos oficiais nacionais, Geipel, de 54 anos, briga há anos para que o estatuto de vítima seja dado aos atletas da Alemanha Oriental, nação que escolheu o esporte para ser vitrine do socialismo soviético De acordo com estimativas, cerca de 10 mil atletas se doparam na RDA, principalmente nos anos 70 e 80, período em que o pequeno país de 16 milhões de habitantes conquistou muitas medalhas.

A RDA acabou na segunda colocação nos Jogos Olímpicos de Montreal em 1976, atrás apenas da União Soviética. O feito se repetiu em Moscou-1980, nos jogos boicotados pelos Estados Unidos, e em Seul, em 1988. A natação e o atletismo eram os esportes reis e alguns recordes da época, como os de Marita Koch nos 400 metros (47.60 segundos, 6 de outubro de 1985), ainda não foram quebrados.

"Recebemos cartas que contam coisas como: 'eu era ginasta e não consigo mais me mexer. Vocês podem instalar um elevedor na minha casa?'.Esta pessoa tem 40 anos", conta Geipel. Sua associação, com mais de 700 pedidos de ajuda recebidos, tem como objetivo socorrer esses ex-atletas. Os danos físicos e psicológicos (depressão, suicídios...) são enormes", explica. "A injeção de esteroides, de hormônios masculinos, acaba envenenando, destruindo o coração, os rins, o fígado", comenta.

Para as mulheres, as consequências foram duríssimas: "Insuficiências nos ovários resultaram em crianças com deficiências. Os danos chegaram até aos seus descendentes". Um caso emblemático é o de Andreas Krieger, que nasceu mulher, Heidi, e se tornou campeã europeia em 1986 no lançamento de peso, com uma marca de 21,10 metros. Krieger acabou se tornando homem à força por tomar hormônios masculinos sem seu conhecimento. Em1997, passou por uma operação de mudança de sexo. Com a "sobrecarga nos treinos por consequência das alterações químicas, o corpo fica esgotado. Em alguns esporte como halterofilismo, as costas, as articulações estão destruídas", explica Geipel.

Em 20 de outubro, Gerd Bonk, duas vezes medalhista olímpico e ex-recordista mundial de halterofilismo na categoria dos super-pesados, faleceu aos 63 anos, após sofrer diversos problemas físicos e entrar em coma em setembro. "A morte tem um significado simbólico", indica Geipel. Bonk escreveu um dia que havia sido "preso pela RDA e esquecido pela Alemanha reunificada".

A presidente da Associação de vítimas de doping divide essa amargura. "Não há apoio por parte dos políticos e absolutamente nada por parte do esporte". "Escrevi uma carta no ano passado ao presidente da República, Joachim Gauck, dizendo que 25 anos depois da queda do Muro, seria um bonito gesto convidar 10 ou 20 vítimas ao Palácio Bellevue. Impossível", lamenta Geipel. A ex-atleta também escreveu à chanceler Angela Merkel, que cresceu como Gauck do outro lado do Muro. A resposta também foi negativa.

Há alguns dias, a associação se mobilizou contra Rolf Beilschmidt, o responsável regional de Esportes no Estado da Turíngia. Enquanto o Muro de Berlim existiu, ele foi um alto funcionário do partido comunista da Alemanha Oriental e um informante da polícia política, a Stasi, quando era dirigente do clube SC Motor Iena, o mesmo de Geipel. "É incrível. Os responsáveis podem fazer uma bonita carreira, enquanto as vítimas ficam sem nada. Eu fico sem palavras", critica a ex-atleta.

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