Ruído de fundo cósmico é ouvido pela primeira vez

Ruído de fundo cósmico é ouvido pela primeira vez

Sinal é emitido pelo turbilhão de gigantescos buracos negros

AFP

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Os astrônomos estavam atrás dele há 25 anos e finalmente o encontraram: o ruído cósmico emitido pelo turbilhão de gigantescos buracos negros foi identificado graças a uma técnica inédita de detecção de ondas gravitacionais que abre "uma nova janela para o Universo".

Os resultados, divulgados nesta quinta-feira (29), são fruto de uma vasta colaboração entre os maiores radiotelescópios do mundo que conseguiram captar esta vibração do Universo com "a precisão de um relógio", celebram os autores destes trabalhos publicados simultaneamente em várias revistas científicas.

As ondas gravitacionais foram previstas por Einstein em 1916, mas só puderam ser detectadas 100 anos depois. São pequenas perturbações no espaço-tempo, semelhantes a ondas de água na superfície de um lago.

Essas oscilações, que se propagam na velocidade da luz, nascem do efeito de violentos eventos cósmicos, como a colisão de dois buracos negros.

Embora estejam vinculadas a fenômenos massivos, seu sinal é extremamente fraco. Em 2015, os detectores de ondas gravitacionais Ligo (Estados Unidos) e Virgo (Europa) revolucionaram a astrofísica ao registrarem um estremecimento de menos de um segundo na colisão entre dois buracos negros com massa dez vezes maior que a do Sol.

Desta vez, um sinal muito mais longo no tempo evoca um fenômeno de maior escala, captado por uma rede de telescópios na Europa, América do Norte, Índia, Austrália e China do consórcio International Puslar Timing Array (IPTA).

"Estamos falando de ondas gravitacionais geradas por buracos negros de vários milhões a vários bilhões de vezes a massa do Sol", disse à AFP Gilles Theureau, astrônomo do Observatório de Paris-PSL.

O "tic-tac" dos pulsares

Para detectar essas ondas, os cientistas usaram um novo instrumento: os pulsares da Via Láctea. São estrelas com uma massa equivalente a uma ou duas vezes a do Sol, mas comprimida em uma esfera de cerca de dez quilômetros de diâmetro.

Ultracompactos, esses astros giram sobre si mesmos a uma grande velocidade, até 700 voltas por segundo, explica o pesquisador do CNRS.

Essa rotação desenfreada produz radiação magnética em seus polos, que se assemelha ao feixe de luz de um farol, detectável graças às ondas de rádio emitidas em baixa frequência.

A cada volta, os pulsares emitem "bipes" ultrarregulares, que se destacam como "relógios naturais notáveis", explica Lucas Guillemot, do Laboratório de Física e Química do Meio Ambiente e do Espaço (LPC2E), em Orleans.

Os cientistas catalogaram grupos de pulsares para obter uma "malha celeste" nos meandros do espaço-tempo.

Eles foram capazes de medir uma pequena perturbação em seu tic-tac, com "mudanças de menos de um milionésimo de segundo ao longo de mais de 20 anos", de acordo com Antoine Petiteau, do Comissariado de Energia Atômica da França (CEA).

Esses atrasos estão correlacionados, um sinal de uma "perturbação comum em todos os pulsares": a assinatura característica das ondas gravitacionais, explica Gilles Theureau.

Como um restaurante movimentado

Qual é a origem dessas ondas? A principal hipótese aponta para pares de buracos negros supermassivos, cada um maior que o nosso sistema solar, "prontos para colidir", explica Theureau.

Antoine Petiteau descreve dois colossos que "giram em torno um do outro antes de se fundirem", uma dança que causa ondas gravitacionais por "um período de vários meses a vários anos".

Um ruído de fundo contínuo que Michael Keith, da rede europeia EPTA (European Pulsing Timing Array), compara a "um restaurante movimentado com muita gente conversando ao seu redor".

As medições ainda não permitem afirmar se este ruído evoca a presença de vários pares de buracos negros ou de toda uma população. Outra hipótese sugere uma origem nos primeiros anos do Universo, conhecido como período de inflação.

"Abrimos uma nova janela para o Universo", diz Theureau. "Adicionamos uma nova gama de vetores de informação", complementares às pesquisas de Ligo e Virgo, que operam em diferentes comprimentos de onda, afirma Petiteau.

Isso poderia, entre outras funções, esclarecer o mistério da formação de buracos negros supermassivos.


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