Adotar, um ato de amor sem barreiras
Hoje há 5.499 crianças e adolescentes aptos à adoção no país, 654 no Rio Grande do Sul e 231 em Porto Alegre
publicidade
Quem disse que o sangue é quem determina se você pode ser pai ou mãe? Se o sentimento não correr as veias, nem a genética salva. Que o digam os pais que não viram seus filhos nascerem, mas os terão pelo resto da vida. Nesse sábado foi comemorado o Dia Nacional da Adoção. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 12 mil adoções já ocorreram no Brasil. Ainda há 5.499 crianças e adolescentes aptos à adoção no país, 654 no Rio Grande do Sul e 231 em Porto Alegre.
Todos à espera de um lar que possam chamar de seu. Como é o caso da adoção que mudou a vida da professora Cinara Vicente, 49 anos. Depois de um começo a dois, a vontade de ampliar família com Júlio Alves, 52 anos, apareceu há quinze anos. Mas algo estava errado. “Começamos a investigar porque eu não conseguia engravidar. Fiz testes de fertilidade e tratamento. E nada. Resolvemos que poderíamos adotar. Então, nos inscrevemos”. A impossibilidade dela se somava às dificuldades pelo fato de Júlio ser cadeirante, após um acidente de trânsito. O senso de maternalidade, no entanto, só crescia. “Sempre tive contato com crianças, dando aulas na educação infantil. Nunca desistimos, apesar de o processo todo demorar seis anos. Até reformamos o apartamento. Foi uma gravidez longa”, brinca Cinara.
Entre a inscrição e a confirmação da adoção, o casal passou por momentos de desafios e dificuldades. Mas a chegada de Laura, então com um ano e dez meses valeu toda a espera. “Não fomos que a escolhemos. Ela que nos escolheu, na verdade. Estava pronta para nos encontrar”, diz a professora. A lembrança do primeiro encontro emociona Cinara. “É como se fosse um parto. ‘É agora’, dizíamos. Foi muito emocionante. Foram nove dias de adaptação”. O medo de uma possível rejeição pela condição de Júlio foi soterrada pelo sorriso da pequena. “Ser mãe é um desafio cotidiano, mas aprendemos muito. Não tem como não chegar em casa e não ficar alegre olhando para ela. É nossa parceira. Para além dos laços sanguíneos, o amor está escrito na alma”, conclui a mãe de Laura, atualmente com quatro anos.
Mais que um dia de comemoração, este sábado é também um momento para reflexão, segundo a juíza-corregedora e coordenadora da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), Nara Cristina Neumann Cano Saraiva. Ainda há desafios que atrapalham a fluência das adoções no país, seja por incompatibilidade entre o perfil desejado pelos pretendentes e a realidade dos menores cadastrados. “Historicamente, há mais pretendentes do que crianças e adolescentes aptos. Mas sentimos uma evolução nos últimos dois anos em modalidades menos demandadas pelos futuros pais”.
De acordo com o CNA, do total de menores disponíveis para adoção, 67,6% têm entre sete e 17 anos, 55% têm irmãos e, pelo menos, cerca de 25% possuem algum problema de saúde. “Temos focado nestes perfis, sem abrir mãos das crianças mais novas, é claro”, diz assistente social da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do TJRS, Marleci Hoffmeister, durante a 1ª Jornada Gaúcha sobre Adoção e Acolhimento, no Foro Central II, em Porto Alegre. Para ela, aquela máxima de que os pais buscam o padrão “crianças pequenas brancas, saudáveis de olhos azuis” não tem mais a mesma incidência do que outros tempos. “Por isso, fizemos esta jornada. Para lembrar que existem crianças e adolescentes com outros perfis. Muitas vezes adotam uma criança e os irmãos vão ficando”, lembra Marleci.
Aplicativo facilita acesso às crianças
A juíza-corregedora Nara lembrou dos projetos desenvolvidos pelo TJRS para facilitar os caminhos das crianças habilitadas e ainda não adotadas. Um deles é o Aplicativo Adoção, parceria entre o Poder Judiciário do RS, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) e o Ministério Público do RS. O dispositivo para telefone móvel desenvolve a produção de imagens que possibilitam o acesso de usuários tanto a informações sobre adoção quanto a dados sobre crianças e adolescentes em condições de adotabilidade. “Os pretendentes têm se encantado pelas crianças e adolescentes ali”, diz ela. Outra iniciativa é o Dia do Encontro, uma tarde de brincadeiras entre os menores aptos e os futuros pais, que contribuem com a aproximação entre eles. “A partir destes projetos, em 2017, foram 48 adoções em Porto Alegre. Ano passado, 91, quase dobramos, o que é muito bom”, diz Nara.
Tanto Nara, quanto Marleci preferiram não entrar em detalhes sobre o polêmico desfile de crianças habilitadas para adoção em Mato Grosso, nesta semana. A assistente social se limitou a dizer que o processo como um todo precisa ser feita profissionais capacitados e com muita responsabilidade porque "adoções não são como feiras de animais, são uma forma das crianças e adolescentes terem os seus direitos garantidos".
Podem adotar pessoas maiores de idade, solteiras ou casadas e de qualquer orientação sexual ou condição socioeconômica, desde que haja uma diferença etária de, no mínimo, dezesseis anos de idade entre o adotante e o adotando. A condição financeira não é um fator determinante para decidir se um pretendente pode ou não se habilitar. Mas os pretendentes precisarão ter condições de assegurar os direitos básicos de uma criança ou de um adolescente.