Ambulantes irregulares tomam espaço no Brique da Redenção

Ambulantes irregulares tomam espaço no Brique da Redenção

Prefeitura deve intensificar fiscalização através de nova diretoria

Franceli Stefani

Informalidade gera concorrência aos expositores do Brique

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Os expositores do Brique da Redenção, em Porto Alegre, ainda terminavam de ajeitar as suas bancadas quando a avenida José Bonifácio já começava a ser ocupada por ambulantes. A principal queixa daqueles que há anos montam suas bancas, todos os domingos do mês, é a concorrência ilegal. Neste domingo, depois de vários dias consecutivos de chuva, o público começou a chegar cedo no Parque Farroupilha. Por volta das 9h o movimento já era intenso.

Enquanto no canteiro central estavam as cerca de 300 barracas já conhecidas do público, na rua começavam a chegar pessoas com carrinhos com produtos enrolados em panos ou sacolas. Havia casacos, mantas, gorros e meias dispostos no asfalto, assim como cuias e erva mate, brinquedos, livros, produtos naturais e cobertores. A reportagem tentou conversar com algumas pessoas que arrumavam seus espaços e comercializavam seus produtos na rua, mas eles preferiram não se manifestar.

O diretor de Fiscalização da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Luis Antônio Steglich, disse que a prefeitura está intensificando as ações no Brique. No fim de semana passado, no sábado e no domingo as equipes estiveram no local. Ele anunciou que está sendo criada uma Diretoria Geral de Fiscalização. “Eu vou assumir ela, vai ser feita uma reformulação e, com isso, aumentaremos a capacidade de trabalho nas diversas áreas, nos dará um fôlego e capilaridade maior”, expressou.

Steglich reforçou que ninguém é autorizado a expôr produtos na José Bonifácio. “Existem alguns ambulantes de pipoca e cachorro-quente regularizados dentro do parque, em pontos específicos”, frisou. Segundo ele, apenas existe um acordo com os indígenas para que eles comercializem seus produtos pela sobrevivência do povo, isso alinhado com os órgãos responsáveis.

Expositora há 40 anos, Lúcia Berlin, 73, contou que a informalidade cresceu nos últimos anos, agravada pela crise financeira enfrentada pelo Brasil. “Já tentamos contato com a prefeitura, é impressionante o número deles aqui, mas eles dizem que não há pessoal para fiscalizar”, ponderou. Lúcia explicou que entende a dificuldade de sobreviver, já que muitos tiram desses produtos sua fonte de renda. “São pessoas que precisam, são trabalhadoras, mas é complicado”, disse. Para Walter Berlin, 77, o Brique funciona apenas aos domingos – e quando não chove. Ou seja, são cerca de seis horas de trabalho diário. “Eles têm a semana toda para venderem seus materiais.” Os dois possuem uma banca de antiguidades.

Já na outra ponta do canteiro estava Regina Mainardi, 55 anos, que confecciona mantas e xales, produtos vistosos e que aquecem as pessoas em dias frios. De acordo com ela, está difícil vender no Brique. “Muitas vezes há mais pessoas olhando os produtos deles que os nossos. Eles trazem de tudo, até livros que não havia. Pelo preço, até pela qualidade do que eles expõem, os clientes compram deles e não de nós”, lamentou.

Ela afirmou que a prefeitura foi comunicada, mas nada aconteceu. “Acredito que poderia ser usado o espaço para atrações culturais ou até para estacionamento, já que muitas pessoas não vêm porque não conseguem espaço.” Segundo ela, no passado os ambulantes até podiam dispor seus produtos, mas após o término do período em que as barracas do canteiro central permaneciam no local.

O artesão João Batista Rosa, 65 anos, foi um dos primeiros a ocupar um espaço no Brique da Redenção. Apaixonado pela profissão que escolheu, lembrou que a rua, por lei, foi fechada para o tráfego de veículos para que pudesse ser utilizada para o lazer. Hoje, é tomada por vendedores e indígenas. “A feira organizada é aqui, no canteiro central há décadas. Dizem que esse aumento de ambulantes é devido a questão econômica, mas está cada vez maior e desde dezembro não há fiscalização do poder público”, relatou. Cerca de 50 mil visitantes passam pelo local por domingo. “O Brique resgatou a Redenção, antigamente havia muito preconceito com o espaço.”

Com relação à segurança, desde a reabertura do posto da Brigada Militar na Redenção, em julho do ano passado, os expositores e visitantes do espaço não reclamam mais. De acordo com eles, é comum avistar os policiais realizando rondas no espaço, que voltou a ser frequentado por famílias.

Aumento nas apreensões e foco na regularização 

“A pior coisa na fiscalização é ter que apreender produtos, porque sabemos que eles são renda para alguém. Por isso, primamos por tentar levá-los para a regularidade.” O diretor de Fiscalização destacou que visita cada um dos pontos e explica o que é preciso fazer para estar em dia com o município. “Muitos vieram se regularizar a partir de conversar comigo e com minha equipe. O comércio ambulante tem muito espaço em Porto Alegre, claro que há produtos, como os estrangeiros sem importação legal, cigarros e bebidas alcoólicas, não tem.” Conforme os dados da pasta, entre 15 e 25 mil itens são apreendidos a cada mês só na fiscalização de ambulantes.

A queixa dos expositores do Brique é reconhecida por Steglich. “Temos um quadro menor que o ideal de fiscalização, mas isso não impede o atendimento das demandas da cidade. Temos tentado que não haja queda de qualidade”, expressou. Ele falou das dificuldades do último mês, devido às 500 horas dedicadas à Copa América, que alterou o fluxo na cidade.

Moradores do Bom Fim, Luis Eduardo Carvalho, 37 anos, e a namorada, Melissa Varella, 30, costumam tomar chimarrão enquanto passeiam pelo Brique da Redenção. Eles elogiaram a organização do espaço e a excelência no atendimento de maior parte dos expositores. “Gostamos muito de vir, sempre acabamos levando algo para casa. Eu percebi que houve aumento no número de outros tipos de produtos na rua, a crise fez isso”, ponderou Carvalho. De acordo com ele, amigos que os visitam na Capital sempre querem conhecer o espaço. “É bom vir aqui, tem opção para todos os gostos, desde culinária até antiguidades. Quem não é de Porto Alegre, muitas vezes não sabe o patrimônio que temos”, destacou.

Já Silvino Peixoto, 70, que viu o Brique ser criado, contou que houve evolução com a reabertura do posto da Brigada Militar, mas, por outro lado, o comércio ilegal tomou o espaço que era para ser destinado ao lazer. “A gente entende que o momento é difícil para todos, mas eles não podem simplesmente chegar e fechar a rua. Minha neta vinha andar de bicicleta aqui, mas como, se tem tanta gente no meio do lugar que foi fechado para nós, frequentadores?”, questionou. Em sua opinião, os ambulantes deveriam ter um outro local para que não atrapalhassem a venda daqueles que há décadas estão no espaço.


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