As descobertas e o estímulo ao reconhecimento paterno

As descobertas e o estímulo ao reconhecimento paterno

Diversos projetos estimulam a presença dos pais no crescimento dos filhos

Cíntia Marchi e Mauren Xavier

Patrick, pai de Martina, já recusou diversos convites para sair aos finais de semana

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Nos dias em que Patrick fica longe da filha, a saudade prevalece. Nos dias em que estão juntos, é a felicidade que predomina. É assim desde 2013, quando Martina tinha apenas 3 anos e o corretor de imóveis precisou reorganizar sua rotina para dar toda a atenção à filha, após o divórcio. Mas ele tirou de letra. Conta que foi o responsável por fazer com que a pequena deixasse de usar o bico e as fraldas. É, cheio de sorrisos, diz que sempre acompanhou todos os passos da filha. “A gente se diverte. Filmes que eu nunca tinha olhado quando eu era criança, agora eu olhei. A Disney não acompanha nosso ritmo. Olhamos todos os filmes da Branca de Neve, Rei Leão, A Bela e a Fera, Cinderela, Malévola, Frozen”, enumera.

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Pelo fato de estar com a filha sempre aos finais de semana, Patrick cansa de recusar convites de amigos para jantares e outros eventos. “Fico muito feliz de ter amigos que fazem questão da minha presença, mas fico mais feliz quando estou perto da Martina. Muitos brincam, me chamam de babá. Eu não sou babá, eu sou pai. Isso não é uma obrigação, é uma necessidade para mim. Eu sou muito apegado”, diz Patrick que foi criado por um casal de tios, depois da morte da mãe. Enquanto o tempo passa, mais fortalecidos ficam os vínculos na história de pai e filha. “É muito legal ser pai, ver a evolução da filha, tirar as dúvidas dela, entender o gênio dela. A gente aprende um com o outro. É a melhor coisa viver o dia a dia de um filho”.

Aggeo Simões, cantor e cartonista mineiro, de 48 anos, transformou suas experiências da guarda compartilhada em livro, em 2013. O “Manual do pai solteiro” conta, de forma inusitada e corriqueira, a situação de um pai que precisa cuidar sozinho dos filhos. “Essa mudança de comportamento dos homens é irreversível e faz parte da evolução social que estamos vivendo”, avalia. Simões diz que, há 10 anos, era mais raro ouvir falar em guarda compartilhada, mas acredita que o amparo da Justiça e das leis proporcionaram avanços.

A proposta do livro, explica o autor, é desmitificar o mundo do pai solteiro. “Por ser pai solteiro, o homem não perde a masculinidade, não deixa a vida pior, não cria problemas para a vida. Pelo contrário, a vida fica melhor”, afirma. Simões conta que, depois de lançar o livro, muitos pais passaram a consultá-lo para buscar opiniões. “Muitos homens que estão se separando pedem um conselho, porque é um momento complicado. Sempre digo que, no final das contas, para a guarda compartilhada funcionar, o pai e a mãe têm que ter um bom canal de comunicação, têm que ter uma convivência ética em prol da felicidade da criança”, recomenda.

Estímulo ao reconhecimento

Preencher um cadastro, como numa loja ou mesmo em um  site, requer alguns dados básicos de identificação: nome completo, RG, endereço e filiação. É neste último ponto que uma questão tão simples para a maioria se torna no mínimo delicada, ou desconfortante, para algumas pessoas. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima que mais de 5 milhões de estudantes não tenham o nome do pai no documento de identidade no país. Os motivos são diversos, sendo muitas vezes marcados por impasses e sentimentos dolorosos entre pai e mãe.

Porém, os debates sobre a paternidade responsável e o direito de as pessoas, independente das suas idades, conhecerem suas origens, têm tentado inverter essa lógica. O processo não é fácil, até porque muitas vezes vai contra o desejo da mãe de manter em sigilo a identidade do pai. Um exemplo é o projeto Pai Presente, que estimula o reconhecimento paterno. A ação foi encabeçada pela CNJ, em parcerias com cartórios e instituições jurídicas, e, até 2015, possibilitou a inclusão do nome do pai na certidão de nascimento de mais de 14 mil pessoas.

No Rio Grande do Sul, funciona a partir de parceira entre várias instituições, sendo uma delas a Defensoria Pública, onde foi implementado em 2012. A iniciativa busca rastrear as crianças que, ao serem registradas, não têm a identificação do pai, explica o subdefensor público-geral Jurídico Tiago Rodrigo dos Santos. Assim, nestas situações a mãe é chamada para indicar o pai. Somente entre janeiro e julho deste ano, foram emitidas 350 cartas-convites. Destes, apenas 71 compareceram à Defensoria Pública. “Não é fácil porque muitas vezes são casos em que as relações afetivas entre os pais foram rompidas de maneira brusca”, destaca.

No local, são realizados encontros de mediação para permitir a solução de impasses e que o provável pai possa começar a participar o mais cedo possível da vida do filho, criando laços afetivos mais fortes. Ele explica que o conceito do projeto é fazer com que, além do registro oficial, seja estabelecida uma relação do pai com a criança. “É um direito da criança saber quem é o seu pai e ter uma relação de afetividade com ele”, destaca. Uma das diferenças principais é que esse acerto ocorre no âmbito extrajudicial. E os resultados, em muitos casos, têm sido positivos.

Na busca da confirmação da paternidade, há a possibilidade da realização de testes de DNA gratuitos. Em um convênio com a Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde são feitos cerca de 260 exames mensais. No Estado, desde que o programa começou, já foram agendados 5,3 mil exames. A parceria, porém, é mais antiga que o projeto Pai Presente, mas o objetivo era o mesmo, garantir a confirmação paterna e, consequentemente, o registro formal.

No Sistema Único de Saúde (SUS), a participação paterna também é estimulada ainda antes do nascimento da criança. A intenção é que o pai também seja protagonista na gestação, acompanhando a mãe nas consultas e nos exames, além de repassar informações que são úteis para que o pai auxilie a recém-mãe e compreenda as diferentes fases da gravidez e dos primeiros meses. Segundo a coordenadora do programa Primeira Infância Melhor (PIM), Gisele da Silva, o objetivo com essas iniciativas é fazer com que o pai esteja presente, mas, principalmente, que esteja em sintonia com o filho. “Infelizmente, temos um estado em que culturalmente o homem não é educado para ser pai. Então tentamos inserir isso no núcleo familiar, mostrando a importância do papel do pai”, explica. Neste contexto, ela lembra que a ausência da figura paterna influência no aumento da violência, como mostram inúmeros estudos. 



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