Audiência sobre a extinção dos cobradores é marcada por manifestações contrárias às demissões

Audiência sobre a extinção dos cobradores é marcada por manifestações contrárias às demissões

Câmara dos Vereadores de Porto Alegre promoveu debate para discutir o projeto de Lei

Sidney de Jesus

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A extinção de cobradores de ônibus foi tema de debate na noite da quinta-feira, 19, em audiência pública promovida e transmitida de forma virtual pela Câmara dos Vereadores de Porto Alegre (CMPA). O evento, conduzido pelo vice-presidente do legislativo municipal, vereador Idenir Cecchim (MDB), contou com a participação de parlamentares, trabalhadores das empresas de ônibus, sindicalistas e servidores municipais que discutiram o Projeto de Lei do Executivo nº 016/21, que institui o Programa de Extinção Gradativa da Função de Cobrador de Transporte Coletivo por ônibus, determinando ações que viabilizem a transposição dos profissionais para outros mercados de trabalhos.

A abertura do debate contou com a presença do prefeito Sebastião Melo, que destacou o momento especial para o diálogo, que segundo ele é uma marca do seu governo, "voltado para a construção de alternativas que melhorem a vida dos porto-alegrenses". O chefe do Executivo disse que o sistema de transporte coletivo já apresentava problemas que foram agravados pela pandemia, fruto de uma politica pública não adequada para a mobilidade urbana. Para Melo, é preciso ir além, debater novos modais, isenções, integração com a região metropolitana e outros tópicos que, em conjunto, podem qualificar o serviço, reduzir custos e o impacto no bolso dos usuários.

O secretário de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Záchia afirmou que o tema é muito polêmico e deve ser pautado pelo esclarecimento e diálogo com a sociedade e a Câmara dos Vereadores. Ele destacou que o projeto, que prevê a extinção total dos cargos de cobrador até 2025, será formatado gradualmente. “Hoje temos 2,6 mil cobradores no sistema de transporte de Porto Alegre. Até ser extinto, aproximadamente mil cobradores irão se aposentar. O processo será realizado ano após ano de forma tranqüila e transparente”, explicou o secretário, lembrando que as aposentadorias – demissões solicitadas pelos trabalhadores – não poderão ser substituídas.

Ao falar sobre a atuação do sistema de transporte da Capital sem a presença do cobrador,  principalmente no horário do pico, Záchia  lembrou que no Brasil, 63 municípios têm seus ônibus circulando sem cobradores. “Em Goiânia, a atuação destes trabalhadores foi extinta há mais de 20 anos”, exemplificou. O secretário de Mobilidade Urbana lembrou que atualmente  o sistema trabalha com 15% em dinheiro, e que a tendência mundial é a substituição da moeda por diversos recursos.

“Cada vez mais os aplicativos são instrumentos e ferramentas para efetuar pagamentos em todas as áreas. Temos que pensar nos usuários de ônibus que estão nas isenções e não pagam a passagem. Isso faz com que haja tempo suficiente para que possamos cada vez mais aperfeiçoar o sistema em todos os horários com grande fluxo de trânsito e passageiros”, enfatizou Záchia, que destacou que o objetivo é que todo o processo seja efetuado até o último semestre do ano de 2024.

O secretário Luiz Fernando Záchia lembrou, ainda, que o projeto prevê também que os cobradores serão qualificados para serem reaproveitados em outras atividades no sistema de transporte. “Eles receberão qualificação num convênio que a Prefeitura tem com o Sesc e o Sesi. Quando um motorista se aposentar, por exemplo, ele será substituído obrigatoriamente por um trabalhador que até então era cobrador”, afirmou Záchia, lembrando que não haverá desemprego. “Vamos fazer estas substituições para que esta atividade não prossiga, mas também para que o trabalhador não perca o seu emprego”, revelou o secretário.

Na mesma linha de Záchia, o diretor presidente da EPTC, Paulo Ramirez disse que a extinção da atividade de cobrador vai impactar de forma direta  na redução da tarifa final para o usuário do transporte coletivo. “Capitais importantes já trabalham sem o cobrador em suas linhas regulares. Cidades vizinhas de Porto Alegre, na região Metropolitana, também já estão trabalhando sem cobrador e mantêm o atendimento à população de forma satisfatória e qualificada. Ao longo desses quatro anos serão colocados atributos no sistema que permitirão, de forma paulatina, a qualificação do transporte e novas formas de pagamento para o usuário”, ressaltou Ramirez.

Para o presidente do Sindicato dos Rodoviários (Stetpoa), Sandro Abade, os argumentos para extinção dos cobradores não refletem a atual realidade urbana da Capital gaúcha. Abade destacou que a categoria começou a mobilização para tentar barrar mais uma vez o projeto, que já havia sido apresentado na gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB), mas não foi aprovada. “Nenhum dos argumentos sustentam a retirada deste importante profissional do transporte. É uma covardia da Prefeitura e de vereadores da situação botar um projeto desses para votação onde o trabalhador não pode se manifestar em sua defesa. Queremos estar dentro da Câmara no dia da votação”, afirmou o presidente da Stepoa.

O delegado sindical Afonso Martins disse que a desinformação sobre o tema é muito grande. Segundo ele, querem responsabilizar motoristas e cobradores por administrações passadas. “A desinformação é tanta que em debates estão colocando nas costas dos motoristas e cobradores a responsabilidade por administrações aventureiras que se esqueceram de dizer para sociedade as aventuras financeiras que foram feitas com o dinheiro público”, destacou o delegado sindical.

“Dizer em debate que o cobrador só serve para cobrar passagem, é sequer ter andado de ônibus e saber a responsabilidade social que ele cumpre. O cobrador é a extensão do motorista, tanto no atendimento de qualidade, quanto no serviço para população e auxílio no trânsito”, ressaltou Afonso Martins, lembrando que o debate não é feito de forma transparente. “Que diálogo está sendo feito? Assumiram o Paço Municipal e colocaram embaixo do braço. Por que não foi feito um plebiscito junto aos porto-alegrenses permitindo que cada usuário do transporte coletivo se manifestasse?, questionou. É um absurdo. São métodos antigos para problemas novos”, afirmou o Martins.

Conforme o presidente da Associação Única dos Rodoviários Aposentados RS (Aura), Sérgio Vieira, uma audiência pública não vai resolver o problema de uma categoria e conscientizar um vereador ao voto. Ele lembrou que falou com o prefeito Sebastião Melo sobre a extinção dos cobradores e disse que  o projeto está lidando com vidas e que é preciso tempo para discutir o tema. “O secretário Záchia disse que muitos municípios no Brasil já não têm cobrador. Temos 5.560 cidades nesse país e 63 que não tem esse profissional. Muitos deles começaram sem o cobrador. Aqueles que votaram na retirada participaram de uma discussão muito ampla antes. É preciso discutir mais sobre esta situação”, enfatizou Sérgio Vieira.   Ele afirmou, ainda, que se o projeto for aprovado, no mínimo 50% da categoria serão demitidos e muitos por justa causa. “Conhecemos bem os empresários. É isso que vai acontecer”, afirmou o presidente da Aura, lembrando que “num país com 15 milhões de desempregados, qualificar cobrador para ser motorista ou trabalhar em outra função é não conhecer realidade, pois tem uma fila de profissionais competentíssimos”. 

O vereador Pedro Ruas (PSOL) disse que o projeto é desnecessário e cruel, pois ao estudar a situação, em outra oportunidade, descobriu como era realizado o cálculo para o aumento tarifário. "O eixo do aumento era o gasto com a chamada frota reserva, que sequer existia e era virtual. Não tem impacto na tarifa a questão dos cobradores. Haverá sim, com a aprovação, um processo demissional pesado."

Para Aldacir Oliboni (PT), os eleitores do prefeito Sebastião Melo devem estar decepcionados, “porque na disputa com o ex-prefeito Marchezan ele gravou vídeos nos quais disse que não privatizaria a Carris, não demitiria os cobradores”. Alertou que o governo não ouve a maioria e pediu a urgência para a votação, o que apressará ainda mais o processo. Sugeriu que, se o governo não retirar a matéria, que a Câmara o faça, porque não há estudo de impacto econômico e social e há parecer negativo da procuradoria da Casa. “Se eu fosse o sindicato entraria com ação amanhã”, disse. Por fim, destacou que as concessionárias, durante a pandemia, pegaram recursos do governo e, em troca, devolveram 23 linhas que foram assumidas pela Carris.

A vereadora Karen Santos (PSOL) afirmou que “infelizmente, quem decide são os que não utilizam o transporte público”. Cobrou o retorno das linhas e horários que foram retirados no auge da pandemia, devido à liberação das atividades e o aumento da circulação das pessoas que se aglomeram para ir e retornar ao trabalho. A vereadora citou ainda investigações em curso no Ministério Público de Contas, relatórios que estão em análise por uma Comissão Especial no Legislativo, que deveriam ser alvo de discussão no governo, que apontam o não repasse de R$ 70 milhões referente a percentual aplicado na passagem, cuja gestão deveria ser pública e não foi entregue pelas empresas, e ainda recursos públicos pagos a uma consultoria privada pela gestão anterior e cujo relatório não foi entregue.

De acordo com Bruna Rodrigues (PCdoB), o transporte público já é um tema debatido em diferentes gestões e que há um sucateamento ao longo dos anos. "Durante muito tempo fui usuária e sempre fiz a reflexão que parte dos gestores não utilizam o transporte público e falam de um olhar muito distante da realidade." A vereadora disse ainda que não teve acesso a nenhum estudo embasado afirmando que tal medida é necessária. "Não é natural a transição de profissão, falta empresa e estamos numa crise econômica. A que preço o governo municipal vai fazer caixa? Com essa medida, vamos eliminar o transporte coletivo, pois vai ficar inseguro, caro e sucateado", completou, indagando se a audiência seria apenas um rito ou uma discussão real.

Já a vereadora Fran Rodrigues (PSOL) falou em nome do colega de Roberto Robaina que está em licença médica. Disse que é usuária do sistema, “cada vez mais precarizado e lotado”. Disse que participou de reunião com o vice-prefeito, no Paço, e ele não conseguiu dialogar com os trabalhadores, e sugeriu pesquisa com quem utiliza o transporte coletivo sobre a importância da função do cobrador e que os vereadores experimentem o transporte para Belém Velho e Restinga em horários de pico para verificarem que “é inviável sem a presença dos cobradores”.

O temor pela demissão compôs a fala do rodoviário Maximiliano da Rocha, que disse acreditar que os empresários não irão esperar todo o período para demitir os trabalhadores. "Estão acabando com mais de 2.600 vagas de emprego, tudo em nome e em defesa do lucro. Estamos mobilizados para que o projeto não passe. Todos aqui sabemos o porquê existem cobradores."

 Marcelo Weber, motorista há 15 anos da linha T12 falou da importância do cobrador para a eficiência do sistema. Que é complicado para o motorista fazer uma viagem de 1h15min, com uma média de 180 passageiros, sem cobrador. “Quem será o responsável por subir cadeirantes, idosos, informar onde o passageiro deve descer e cuidar do caixa, pois mesmo com as novas tecnologias sempre terá quem vai pagar com dinheiro”, justificou, ao lembrar que isso fará o tempo de viagem aumentar ainda mais, resultando em prejuízo ao sistema e aos usuários. Finalizou com o temor das demissões, que, mesmo sem a lei, já estão acontecendo. E apelou por um debate aberto com a categoria. “Vamos abrir a Casa, todos os rodoviários são vacinados, vamos deixar os rodoviários debaterem soluções que não passem por demissões e o fim da Carris.”

Encaminhamentos

Feita a Audiência Pública, o projeto cumpre pré-requisito indispensável para continuar tramitando e ir a plenário, onde será apreciado pelos vereadores, que poderão aprová-lo ou não. A matéria se encontra na Comissão de Constituição e Justiça para receber parecer e ainda deve passar pelas comissões de Economia, Finanças, Orçamento e Mercosul (Cefor), Urbanismo, Transporte e Habitação (Cuthab), Educação, Cultura, Esportes e Juventude (Cece) e Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Pública (Cedecondh). Após, a proposta estará apta para ingressar na Ordem do Dia. 


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