Como as galerias comerciais ajudam a contar a história de Porto Alegre

Como as galerias comerciais ajudam a contar a história de Porto Alegre

Apesar dos avanços dos shopping centers, elas têm público cativo e diversidade de lojas no Centro Histórico

Christian Bueller

Apesar dos avanços dos shopping centers, elas têm público cativo e diversidade de lojas no Centro Histórico

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Uma espécie de mãe dos centros comerciais e avó dos shopping centers, as galerias do Centro Histórico de Porto Alegre começaram a surgir no início do século XX com o intuito de reunir comerciantes de diferentes áreas em um mesmo local, facilitando o acesso dos clientes aos boxes, posicionados lado a lado. Além de atrair possíveis compradores das classes sociais mais variadas, os locais também auxiliam na mobilidade das pessoas, servindo como ligação entre duas ruas, um corredor coberto que protege da chuva e confere mais segurança de quem circula pela área central da Capital.

A mais antiga de Porto Alegre é a Galeria Chaves, na rua dos Andradas, instalado em 1936, em um prédio de arquitetura semelhante à renascentista, construído pela tradicional família Chaves Barcellos. Liga a rua da Praia com a rua José Montaury dividido em cinco pisos – incluindo térreo e mezanino - que abrangem desde consultórios médicos, restaurantes e lojas, que vão de artesanatos a franquias internacionais.

No andar mais abaixo, o cheiro de café se mistura às notas musicais saídas das teclas do piano que confere ao ambiente um teor cultural. Em volta, em sua maioria, clientes de mais idade, que consomem em locais como o bistrô Sal Fino. Segundo a gerente, Camile Mohr, o clima do lugar é um diferencial na cidade. “O pessoal fala que gosta daqui por ser tranquilo, um local menos exposto e, ao mesmo tempo, artístico”. A cafeteria abriu um ano antes da pandemia e ainda se recupera financeiramente. “Os clientes voltaram, mas antes não tínhamos as dívidas que temos hoje. Mas estamos otimistas”, diz Camile. O prédio foi tombado pelo Município em 1986.

Galeria Chaves foi instalada em 1936 / Foto: Guilherme Almeida

Perto dali, a Galeria Malcon é outro ponto de referência da cidade, com 22 andares, ligando as ruas dos Andradas e Vigário José Inácio. Assim como a Chaves, dispõe de praça de alimentação e lojas das mais variadas. No subsolo, conhecido como Estação Malcon, funcionam três restaurantes, uma confeitaria, duas lojas multimarcas de maquiagens e perfumaria e duas lojas de moda feminina.

A funcionária pública aposentada Rosa Ferreira, 60 anos, diz que “bate ponto” ali há, pelo menos, duas décadas. “Me sinto bem aqui, gosto de comprar os presentes de Natal nas mesmas lojas e, sempre que posso, trago minhas netas”, conta. O fundador da galeria foi Salomão Malcon, que a inaugurou em 1961, um dos muitos empreendimentos imobiliários da família.

Ainda na rua da Praia, mas mais próximo da Esquina Democrática e mais discreta, a Galeria Edith termina na rua General Andrade Neves. Formado predominantemente por escritórios de advocacia, registra uma circulação menor em relação aos espaços anteriores. No bloco A, no lado da Andradas, 18 andares, e no bloco B, 16 pisos, todos dedicados à área comercial.

Há 13 anos como zelador, Cláudio Costa, tem um cotidiano tranquilo, interrompido por poucos, mas marcantes momentos inusitados. “Um rapaz tentou esfaquear uma funcionária de uma escola de inglês. Eu estava de folga e tive que vir para ver aquele sangue por todo lado”, lembra. Segundo ele, o nome da galeria foi escolhido como homenagem. “Um síndico, já falecido, que trabalhava aqui antes de mim, me disse que o primeiro proprietário, de origem europeia, colocou na galeria o nome da esposa falecida”, relatou.

De trás para frente

Na rua Marechal Floriano Peixoto, próximo à avenida Salgado Filho, a Galeria Luza divide o espaço com a Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Fadergs). Onze andares do prédio são destinados à instituição de ensino, há quatro anos, o que acarretou uma redução das lojas para duas, no térreo. Ainda há quem confunda as duas propostas, tanto que até um dos porteiros indicou a reportagem para se dirigir ao escritório do grupo educacional como se fosse o da administração do imóvel.

O responsável pelo dia a dia da galeria, Pedro Ferreira, lembra que a confusão não é incomum, mas a implantação da faculdade no prédio foi uma opção dos proprietários. “Ter uma galeria é muito complicado”, conta. Os donos do espaço pertencem à Cabanha Azul que, há 40 anos, se interessaram em ampliar os negócios. O nome escolhido foi utilizar a palavra “azul”, de trás para frente.

Família no ambiente de trabalho

Uma das mais famosas de Porto Alegre, a Galeria do Rosário recebe milhares de pessoas entre as ruas Marechal Floriano Peixoto e Vigário José Inácio. Lojas de roupas e de eletrônicos, relojoarias e lanchonetes são apenas algumas das opções para quem passa por ali todos os dias. Há 53 anos, Bruno Rolim fundou a Boutique Mininovidades, que tem a perfumaria como carro-chefe. Atualmente com 79 anos, o simpático comerciante passou o bastão para o filho Alexandre, 58, que, desde 1985, acompanha o pai no mesmo ponto. “O fluxo mudou. Antigamente, passavam 25 mil pessoas/dia por aqui. Hoje, é menos de 10% disso, em função da insegurança e dificuldade para estacionar no Centro”, lembra o atual gestor, que acrescenta o advento dos shopping centers como um forte concorrente às galerias. Ambos identificam uma mudança no perfil dos clientes. “Os homens estão até mais vaidosos do que as mulheres”, diz Alexandre, que vende produtos de R$ 60 reais a R$ 1 mil.

Os olhos mal desgrudam do caixa e da calculadora, mas nem isso tira a simpatia de Eliana Caldasso, que coça a cabeça enquanto tenta lembrar quantos anos está à frente da loja Iuri KA, na Galeria Caminho Novo, entre a rua Voluntários da Pátria e a avenida Júlio de Castilhos. “Trinta e seis anos! Quando cheguei, o espaço aqui já tinha mais de 50 anos”, conta. A galeria, antes, se chamava Caminho do Meio, que marcava o atalho para quem queria cortar caminho durante as andanças no Centro. A origem do nome da loja de Eliana é uma referência a seus dois filhos, Iuri e Karen. 

Galeria do Rosário recebe milhares de pessoas entre as ruas Marechal Floriano Peixoto e Vigário José Inácio / Foto: Guilherme Almeida

Trabalho com ambiente de família

Durante a entrevista, que durou cerca de dez minutos, o comerciante de embalagens Almiro Cassuriaga foi abordado por colegas e clientes, ao menos, quatro vezes. Há 42 anos no mesmo ponto da Galeria Central, na rua Voluntários da Pátria, é o síndico no local nos últimos 22. Segundo ele, as últimas administrações municipais não têm ajudado os vendedores que trabalham no Centro como deveria.

“Olha para esta galeria, bem limpinha, isso custa mão de obra. No entanto, há anos peço para repararem o entupimento nos canos do esgoto lá fora. Quando chove forte, alaga aqui dentro, vira lodo”, reclama, enquanto cumprimenta outro cliente que saiu de sua loja. Cassuriaga salienta o clima familiar da galeria, tanto entre quem vende quanto quem compra. “O Centro de Porto Alegre nunca vai acabar, é imbatível. Pode construir o maior shopping, que não quebramos”, afirmou, antes de cumprimentar um colega que passava.

“Esta galeria é minha vida!”. Sem pestanejar, Roberto Nihues, 62 anos, tem um tele-chaveiro e relojoaria desde 1980 no mesmo lugar, o segundo comerciante mais antigo da Galeria 7 de Setembro, que liga a rua homônima à Siqueira Campos. “O Zé que vende cuecas lá na ponta chegou seis meses antes e somos amigos até hoje”, frisa. O clima é amistoso na sua loja – no momento da entrevista, Beto, como é conhecido, recebia um amigo de longa data. Segundo ele, é assim durante todo o expediente em todos os dias que vai à galeria para trabalhar. A especialidade no estabelecimento, na verdade, é a venda de guarda-chuvas. “O perfil do cliente pouco mudou e as indicações ultrapassam geração, do avô para o pai, do pai para filho”, conta. O diferencial, conforme Beto, é a estrutura de acrílico no lugar do ferro, mais durável, e o nylon mais resistente que os habituais. “Muitas pessoas vêm só por causa do guarda-chuva”, sorri. A sensação de segurança dentro da galeria é permanente, mesmo que o comerciante tenha passado por alguns assaltos. Mesmo que se aposente, Beto não pretende parar de trabalhar.


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