Denúncias sobre adoções suspeitas assustam Riozinho
Psicóloga identificou procedimentos que não seguiriam protocolo na retirada de crianças
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• Recém-nascida teve registro extraviado
O caso é investigado pelo Ministério Público e veio a público a partir de uma série da TV Record. A partir da veiculação do trabalho minucioso realizado durante dois meses pelo repórter Matheus Felipe, junto com o cinegrafista Emerson Garcia e a produtora Patrícia Mello, a Polícia Civil instaurou inquérito.
Nos primeiros meses de trabalho como psicóloga da prefeitura, Venilce Santos de Oliveira começou a identificar, em 2014, procedimentos de retirada de crianças que, em sua opinião, não seguiam o protocolo normal. Ela denunciou supostas irregularidades apresentadas por seus pacientes ao gestores municiais. “A entrega para adoção deve ser em último caso, mas em Riozinho tem sido a primeira alternativa. Não existe um programa de amparo, não procuram um familiar próximo para ficar com as crianças e por isso comecei a estranhar”, observa.
A servidora está afastada e escondida em outro município, porque afirma ter sido coagida. “Fui ameaçada de morte. Tive que me disfarçar com perucas e trocar de carro para não me acharem”, explica. A suspeita é de que pessoas identificadas como “laranjas” fizessem denúncias para o Disque 100 do Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.
O caso era encaminhado para o Conselho Tutelar de Riozinho fiscalizar e conselheiros confirmariam maus-tratos ou falta de cuidado dos vulneráveis, mesmo que eles não tivessem acontecido. A assistência social da prefeitura também validava a denúncia. Depois disso, era feito o encaminhamento da suposta irregularidade para o Ministério Público, que pedia a destituição do poder familiar à Justiça.
Normalmente as crianças eram encaminhadas para abrigos e pessoas interessadas faziam o apadrinhamento afetivo delas e mais tarde solicitavam a adoção, por estarem apegadas aos meninos e meninas. Assim passavam na frente da fila. Em Porto Alegre, por exemplo, o tempo para adotar uma criança leva, em certos casos, quatro anos. Em Riozinho, o processo era encurtado para seis meses, em alguns casos, feito dessa forma.
A psicóloga afirma que as famílias passavam a ser ameaçadas e nunca mais viam os filhos. Em 2008, a calçadista Cristina Rosângela Souza, 30 anos, estava servindo o almoço quando uma assistente social e um conselheiro tutelar chegaram na sua casa na localidade de Morro Azul e levaram os seus filhos de 4 e de 3 anos na época. Ela estava grávida de outro menino, hoje com 7 anos, e não conseguiu impedir que ambos fossem embora. “Eles gritavam e eu fiquei chorando. Disseram que eu não podia criar eles porque não tinha dinheiro. Mas minha família me ajudava”, declara.
A mãe e o irmão de Cristina tentaram obter a guarda dos meninos, mas eles foram para um abrigo. Por dois meses, ela conseguiu visitá-los, mas hoje não sabe para onde foram. “É uma ferida que não vai sarar. Todos os dias a gente pensa: será que eles estão bem?”, questiona. Apegada ao caçula para suportar a falta dos mais velhos, afirma que sempre teve medo que lhe tirassem dos seus braços o filho que restou.
Outras mães e pais também convivem com o mesmo sentimento. “Chama atenção que ninguém registrou ocorrência e só ficamos sabendo pela imprensa”, ressalta a delegada regional Elisangela Melo Reghelin, que investiga o caso. Ela já começou a ouvir algumas pessoas e observa que, por enquanto, não há nada confirmado. “O que está se questionando é se teria havido ato de abuso de poder por parte de conselheiros tutelares ou assistentes sociais, na origem dos documentos que embasaram um processo judicial (para a retirada das crianças). A adoção é legal e seguiu os trâmites legais".
Para o prefeito de Riozinho, Airton Trevizani da Rosa, as denúncias são fruto de vingança de pessoas contrárias a sua gestão. “Os casos têm processo montado com documentação e autorização do juiz”, justifica.
"Boatos ou não, os casos serão apurados"
Confirmadas as supostas irregularidades envolvendo retirada de crianças de famílias e adoção ilegal, os crimes caracterizados seriam gravíssimos, conforme o promotor de Justiça Leonardo Giardin de Souza, da comarca do Ministério Público de Taquara. Além de se tratar de um assunto delicado, envolvendo família e menores de idade, que exige sigilo, detalhes sobre a investigação iniciada em dezembro passado não podem ser revelados para não atrapalhar a obtenção de outras informações e provas.
Ele afirma que, pelo menos um dos casos “foge do padrão da normalidade” dos procedimentos utilizados e isso implica em necessidade de verificação. O promotor ressalta que está levantando documentos e dados de outras fontes para verificar se a forma como ocorria a retirada das crianças das famílias e a adoção eram feitas dentro da lei ou se existia um esquema envolvendo um ou vários órgãos. “Não temos como afirmar se os relatos são verdadeiros. Tem muito boato e existem relatos que indicam irregularidades e situações que chamam a atenção e que têm de ser apuradas”, diz.
Dois conselheiros tutelares que seriam suspeitos de atos irregulares pediram exoneração. Restou o coordenador Cláudio Pires. Ele disse que entrou para o Conselho de Riozinho em julho de 2014 e os casos teriam ocorrido antes desta data. “Da minha parte, não tenho competência para investigar os conselheiros. O que o MP solicita de documentos, eu forneço”, ressalta. Por lei, o Conselho Tutelar deveria ter cinco integrantes, mas hoje conta apenas com Pires.
A presidente do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (Cedica) Marta Gomes esclarece que a entidade não pode interferir nas demandas municipais, mas acompanha as investigações do MP. O Cedica também pediu esclarecimentos ao município.