Desaparecimento da “lista suja” do trabalho escravo gera críticas no Brasil

Desaparecimento da “lista suja” do trabalho escravo gera críticas no Brasil

Relação semestral deixou de ser divulgada no governo Temer

AFP

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Último país americano a abolir a escravidão, o Brasil publicava desde 2003 uma elogiada "lista suja" de patrões que pareciam não ter se inteirado disso. Mas desde que Michel Temer assumiu o poder em 2016, o governo deixou de divulgar essa relação semestral, gerando muitas críticas. Uma ordem judicial obrigava a divulgação da lista em 7 de março, mas isso não ocorreu, já que um recurso da Advocacia Geral da União (AGU) conseguiu atrasar a publicação desse mapa da escravidão moderna no país.

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O argumento apresentado pela entidade que representa os interesses do governo no Tribunal Superior do Trabalho (TST) foi que essa lista vulnerabiliza o direito à defesa das empresas citadas. A lista deve voltar a ser publicada em julho deste ano, depois que uma comissão do governo acompanhada por representantes sindicais e patronais revisou os critérios de inclusão.

O Ministério Público do Trabalho recorreu da decisão do governo, sustentando que essa lista é o "mais efetivo, eficaz e expedito modo de combater o mal do trabalho escravo". Várias ONGs também criticaram o adiamento da divulgação. "Está claro que o governo está censurando a lista suja e a impressão que fica para sociedade é que neste momento o Ministério do Trabalho tem o objetivo de proteger as empresas, e não os trabalhadores", disse Leonardo Sakamoto, fundador da ONG Repórter Brasil, que investiga as companhias acusadas de escravidão.

A ONG australiana Walk Free estima em seu relatório de 2016 que no mundo haja 45,8 milhões de pessoas submetidas a condições de trabalho equiparáveis à escravidão, 58% delas em cinco países: Índia, China, Paquistão, Bangladesh e Uzbequistão. No Brasil, há cerca de 161 mil.

Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT, ligada à Igreja Católica), 52 mil pessoas foram resgatadas dessas condições degradantes de trabalho nas últimas duas décadas. A maior parte das vítimas é de jovens entre 15 e 30 anos, analfabetos, oriundos de áreas pobres e levados para plantações de soja, cana-de-açúcar, ou minas, com a promessa enganosa de bons salários. Mas, quando chegam ao local, se veem submetidos a condições de exploração extrema, sem remuneração, com péssimas condições de alimentação e moradia, sendo frequentemente sujeitos a castigos físicos e impedidos de saírem sob ameaças de morte, segundo explicou no ano passado o coordenador da CPT, Xavier Plassat, por conta do processo que chegou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Sem lista desde 2014

Um recurso apresentado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) levou, em dezembro de 2014, o Supremo Tribunal de Justiça (STF) a proibir a divulgação dessa lista, com o argumento de que não há mecanismos de defesa para os que eram mencionados nela. O governo de Dilma Rousseff fez uma série de modificações e a proibição da divulgação foi retirada pelo STF em maio de 2016.

A lista deveria ter sido publicada em junho, um mês depois de Temer assumir o governo, e novamente em dezembro, mas isso não aconteceu até agora. O presidente conta com uma ampla base de apoio no Congresso, principalmente da bancada ruralista.

Em resposta a uma consulta, o Ministério do Trabalho se limitou a enviar uma nota em que o ministro Ronaldo Nogueira assegurava no início do mês que a lista é "um importante instrumento para o combate ao trabalho escravo", mas que as modificações ordenadas por Dilma não garantiam o direito à "ampla defesa dos acusados de crime, o que daria margem para novas contestações judiciais".

O combate ao trabalho escravo ganhou força durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, sendo seguido por Lula, que criou essa "lista suja". As empresas incluídas são passíveis de multas e podem ter seu crédito bloqueado em bancos públicos.

Em um relatório de abril de 2016, a ONU reconheceu os avanços do país no tema, mas pediu ao governo que reativasse a "lista suja", por ser um instrumento "importante" para combater a escravidão moderna.

"A importância da lista é total: para garantir transparência da política pública de combate ao trabalho escravo, e para que as empresas estrangeiras possam fazer uma análise de risco e se sentirem seguras na hora de comprar certos produtos", afirma o fundador da Repórter Brasil.

Em dezembro, a CIDH pronunciou uma condenação histórica contra o Brasil, ordenando-o a indenizar 85 trabalhadores que foram reduzidos a condições de escravidão em fazendas no Pará.

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