Dia do Médico: os heróis que salvam vidas

Dia do Médico: os heróis que salvam vidas

Celebrada no dia 18/10, data carrega simbolismo especial

Felipe Samuel

publicidade

Os profissionais da saúde, de maneira geral, sempre tiveram seus trabalhos reconhecidos pela população. Mas a comemoração do Dia do Médico, celebrado nesta segunda-feira, carrega um simbolismo especial para esses servidores, que há um ano e dez meses atuam na linha de frente no combate à pandemia do novo coronavírus. Durante esse período, muitos abriram mão do convívio familiar para reforçar as equipes que atuam nas unidades de tratamento intensivo da Capital.  

Com o avanço da vacinação e a redução dos casos de Covid-19 no Rio Grande do Sul, os médicos - a exemplo de outros profissionais da saúde - começam voltar a uma rotina menos caótica do que aquela enfrentada entre fevereiro e abril deste ano, período mais crítico da pandemia no Estado. Após viver o 'caos e o estresse absoluto' desde 2020, quando a pandemia teve início, a médica intensivista Thais Butelli afirma que o Dia do Médico marca a retomada 'a uma rotina que a gente não conhecia desde 2019'. "Chegamos no dia em que a gente pode comemorar a profissão que tem, por ter passado por tudo o que se passou e hoje estar voltando para a casa", destaca.

Atuando na linha de frente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e do Moinhos de Vento, Thais recorda os momentos difíceis enfrentados nos hospitais. Em alguns dias, não havia horário para entrar ou para sair. "Dependendo do volume de pacientes críticos que estavam na emergência, a gente ficava para ajudar na emergência", destaca. Casada com o médico intensivista Rogério Butelli, que também atua na UTI do HCPA, do Cristo Redentor e na Santa Casa, ela lembra do esforço e dedicação para ajudar os colegas. "A gente chegou a ficar 96 horas sem ir para casa. Foi o momento que a gente sentiu que a nossa profissão era necessária e que a gente tinha que se doar muito naquele momento", relembra.

A médica Thaís Butelli.  Foto: Alina Souza

O combate à Covid-19, as baixas nas equipes e o aumento das internações obrigaram o casal a abrir mão de passar as tardes com o filho Luiz, de 7 anos, algo que era prioridade desde o nascimento do garoto. "A gente teve que se reinventar na pandemia. Uma funcionária que trabalhava com a gente, que é como uma segunda mãe para ele, acabou se mudando lá pra casa", assinala. "A gente olha para trás e tem a noção do enorme trabalho que foi, mas se sente tendo cumprido a missão que nos foi dada, de ter intensivista ajudando ao máximo de pessoas que conseguia. E acho que isso a gente cumpriu, a gente conseguiu alcançar aquilo que a gente queria", completa.

Mesmo com os desafios impostos pela pandemia, Thais revela a paixão pela profissão que escolheu. "A gente gosta. Foi o ano que a gente, em alguns momentos, se olhava com aquela fadiga absurda que os dois estavam e dizia que a gente não conseguia se enxergar fazendo outra coisa mesmo no meio do caos. Houve dias que a gente ficou final de semana inteiro enfiado no hospital", frisa, acrescentando que o casal tinha medo de contrair a doença. "A gente se cuidou muito e não nos contaminamos. A gente se olhava e dizia que não se imaginava no meio de uma pandemia desse tipo, com esse tipo de necessidade , fazendo outra coisa. Não me imagino, por exemplo, em casa", garante.

O pior momento

Dr. André Luiz Machado. Foto: Guilherme Almeida

O infectologista André Luiz Machado, que atua no Hospital Nossa Senhora da Conceição, destaca que no pior momento da pandemia - no início de 2021 - a maioria dos colegas compreendeu a importância de cooperar na linha de frente no combate à doença. "Os hospitais organizaram verdadeiras forças-tarefa para que todas as especialidades pudessem ajudar a assistir os doentes que chegavam às instituições. Não só em hospitais, mas também em clínicas, em atendimentos domiciliares, houve mutirão pelo bem da população no sentido de levar um conforto, um atendimento", destaca.
 
Formado há 20 anos, Machado afirma que o período de fevereiro a abril deste ano foi o 'mais triste e difícil' da carreira profissional. "A gente perdeu muitas pessoas nesse contexto da pandemia porque a gente não tinha mais pernas para ajudar todo mundo por uma questão de deficiência de pessoal, de equipamento, e não por que faltou, mas porque de fato todos eles estavam ocupados", compara. "A gente lidar com situações como aconteceu de chegar nos hospitais doentes cada vez mais graves e a gente não ter mais o que oferecer, me entristeceu muito. Me emociono até de lembrar certas situações que nos trouxeram grande desafio em relação à nossa profissão", revela.
 
No Dia do Médico, ele lembra dos profissionais de saúde que perderam a vida em meio à pandemia. "O lado triste dessa história também foi perder colegas médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, todas aquelas pessoas que trabalharam diretamente na assistência ao doente com Covid-19 e que perderam a sua vida nessa luta. Eles merecem a nossa homenagem também, não só os médicos", afirma. Para Machado, o Dia do Médico é uma oportunidade de celebrar 'a boa ciência'. "A gente deve comemorar as boas práticas clínicas sem esquecer de dar valor ao bem mais precioso, que é a vida das pessoas. A gente deve, acima de tudo, respeitar as pessoas, os indivíduos, respeitar cada um deles, independente de raça, credo, classe social, e saber que em cada uma dessas pessoas têm uma história de vida", observa.

Palavra das entidades médicas

Na avaliação do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), a pandemia mostrou o real valor da classe médica para a sociedade. Conforme o vice-presidente da entidade, Marcos Roviski, os médicos estiveram na linha de frente de combate à doença, com risco à própria saúde. Roviski destaca que alguns perderam a vida durante a pandemia. "A categoria não deixou de trabalhar, de estar na linha de frente. Houve falta de profissionais, principalmente de intensivistas, porque muitos adoeceram, principalmente em março deste ano. Muitos intensivistas adoeceram e outros médicos tiveram que cobrir a sua ausência", destaca.

Roviski afirma que isso mostra o comprometimento dos médicos. "Os médicos estão na linha de frente, não tem feriado para o Dia do Médico. Tivemos muitos aplausos durante a pandemia, o que enche a gente de orgulho. Como lição, esperamos que as autoridades entendam a necessidade de investir na saúde e de valorizar o médico. Tanto que o Simers está fazendo uma campanha de valorização do médico", reforça. Além de ressaltar a importância do trabalho do médico, Roviski afirma que é preciso respeitar a autonomia do profissional e o ato médico. "O Dia do Médico serve como reflexão para isso, para a importância dos investimentos em saúde e a importância de valorizar o médico nas condições de trabalho, na remuneração e no respeito ao ato médico", completa.

Entre os desafios da profissão, Roviski afirma que a pandemia impôs dificuldades a toda população. "Foi muito difícil para a população, pela ideologização, pelas discussões, pela maneira como foi tratada e pela própria doença. E para a categoria, porque a categoria também adoeceu junto. Nosso núcleo de psiquiatria fez uma pesquisa que mostrou a realidade do adoecimento da categoria com essa pandemia pela maneira como as coisas aconteceram, com adoecimento físico e mental. Muitos médicos tiveram como repercussão o adoecimento importante. Então realmente foi momento difícil para a população e a classe médica em geral", afirma.

Para o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), o Dia do Médico é o momento de reflexão para a classe médica. "É um dia que devemos avaliar o que foi a nossa participação, nossa atuação durante a pandemia, o grande reconhecimento que teve a população frente ao trabalho médico. A quase totalidade da população colocou que o médico, na busca de salvar vidas, está sempre associado a uma dedicação à profissão muito grande. Então esses aspectos passam a ser extremamente importantes", afirma o presidente do Cremers, Carlos Isaia Filho.

Ao criticar as condições da saúde pública do país, ele destaca as dificuldades enfrentadas pelos profissionais no dia a dia. "Em cima de todo contexto de saúde que existe nesse país, principalmente no que tange a saúde pública, isso faz com que nós médicos muitas vezes não possamos trabalhar nas condições ideais, que a gente tenha que se desdobrar mais ainda no sentido de dar qualidade de saúde a toda população", assinala. Para Carlos Filho, a pandemia trouxe 'novas colocações', como a necessidade de 'tentar primar mais ainda pela saúde da população' e de enfrentar uma situação patológica nova. "Toda classe médica foi em busca de novos tratamentos, novas soluções, novos procedimentos, buscando achar uma forma na qual se pudesse dar um ganho de tratamento maior à população", completa.

Na avaliação da Associação Médica do RS (AMRIGS), os dois últimos anos foram desafiadores para a classe médica. Conforme o presidente da entidade, Gerson Junqueira Júnior, foi um período difícil a saúde 'em todo planeta'. Apesar dos problemas provocados pela pandemia, ele destaca que todos os profissionais da saúde tiveram o reconhecimento da população. "Esse reconhecimento que recebemos dos pacientes é o mais importante que a gente pode ter. Claro que o sucesso da nossa cirurgia, do nosso tratamento, nossos pacientes curados e bem, voltando a seu cotidiano, é muito importante, mas quando além disso a gente tem um obrigado, um abraço, reconhecimento, isso é muito cativante. Isso a gente recebe no dia a dia", afirma.

Por conta da batalha travada contra a Covid-19 desde o início do ano, Gerson Júnior explica que o trabalho da classe médica vem recebendo o reconhecimento da população. "Nosso papel de médico quando escolhe a profissão é se dedicar, cuidar, tratar e acolher os paciente. Isso está sendo reconhecido por todos na sociedade", afirma. Gerson Júnior destaca que o Dia do Médico é uma data muito importante. "Ser médico é abdicar de muitas coisas, da nossa família, de coisas que a gente gosta. Isso é muito importante", frisa.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895