Elas levaram o nome de Porto Alegre para longe

Elas levaram o nome de Porto Alegre para longe

Neste Dia Internacional da Mulher, o Correio do Povo homenageia algumas das personalidades femininas importantes para a cidade

Christian Bueller

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Ainda que ainda tenham menor reconhecimento do que merecem, as mulheres são protagonistas de muitos feitos, todos os dias. Famosas e anônimas, brancas e negras, jovens e experientes, precisam combater o machismo cotidiano, mas não cansam de esbanjar talento e capacidade. Em Porto Alegre, desde a sua fundação, são inúmeras as heroínas, sejam aqueles que conseguem criar suas famílias sob condições adversas ou as que alcançaram projeção ao se destacarem em suas atividades nos mais diversos âmbitos.

Segundo o “Perfil da mulher porto-alegrense: o público e o privado entre 1774 e 1887”, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS), escrito pela historiadora Cristina Spengler Azambuja, apesar da habitual prática dos homens de mantê-las submissas aos seus desejos e vontade, muitas delas já contribuíam com a sociedade à parte das funções domésticas. “As mulheres do sul do Brasil, de origem açoriana, dentro de uma cultura patriarcal e conservadora, romperam algumas regras de comportamento e decidiram assumir a função de defender as suas terras, contribuindo com a continuidade da defesa do território português”, escreveu. No período, inclusive, há registros de 71 processos de divórcio que, na sua maioria, foram solicitados pelas mulheres, algo raro até os anos 1970 no país.

A historiadora cita uma das atividades marcantes da Santa Casa de Misericórdia na época, a Roda de Expostos. Era um local que recebia crianças abandonadas, muitas vezes por serem frutos de casos extraconjugais ou filhos de mulheres solteiras rejeitadas. “Essa é uma pequena ilustração de um cenário que comprova a situação de desamparo em que viviam as mulheres”, conta Cristina. Curiosamente, uma das primeiras porto-alegrenses expoentes também foi largada no lugar, também conhecido como “roda dos enjeitados” ou “roda dos excluídos”. Atualmente nome de rua no bairro Moinhos de Vento, Luciana de Abreu foi adotada, estudou, se tornou poetisa e uma das pioneiras no direito feminino no RS. Aos cinco anos, declamava poesias, aos 13, já era professora auxiliar na Escola Régia. Causou escândalo quando, aos 22, grávida da segunda filha, se matriculou para se formar docente de fato na Escola Normal em 1869. Frequentou a Sociedade Partenon, clube literário onde fazia discursos sobre a importância das mulheres. Dos 138 integrantes, cinco eram mulheres. Luciana era uma delas. Ela faleceu de tuberculose aos 33 anos, em 1880.


Julietta Battistioli, a primeira vereadora de Porto Alegre. Foto: Memorial da Câmara Municipal / Divulgação / CP

Apesar de nascida em Palmares do Sul, no litoral norte do RS, em 1907, Julietta Battistioli se mudou ainda pequena para Porto Alegre. Foi operária em indústrias têxteis aos 13 anos. A primeira parlamentar mulher da Capital exerceu, primeiramente, a vereança suplente, entre 1947 e 1951, pela legenda do Partido Social Progressista (PSP), devido à ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que defendia na época. Por estar do lado da Campanha da Legalidade, chegou a ser levada ao Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e, em seguida, ao Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier. Pleiteava melhoria salarial dos trabalhadores e cumprimento da licença-maternidade nas fábricas em uma época em que pouco se falava nisso. Faleceu em 26 de novembro de 1996, aos 89 anos.

A cultura agradece

Outra mulher que não nasceu na capital gaúcha mas fez muito pela cidade, veio da Alemanha. Mais precisamente de Frankfurt, de onde fugiu do nazismo e aportou no Brasil, Eva Margareth Plaut tinha apenas 13 anos e teve logo que aprender outro idioma. Ao 37 anos, em 1960, depois de ter morado em São Paulo e Rio de Janeiro, veio para Porto Alegre. La nem imaginava, mas daria início a um marco relevante na trajetória cultural do Rio Grande do Sul. Reconhecida produtora cultural da época, recebeu, em 1975, o desafio de coordenar as obras de reconstrução do Theatro São Pedro, interditado devido ao mau estado de conservação e às precárias condições de segurança. Em 1982, Dona Eva assumiu a presidência da Fundação Theatro São Pedro, instituição que tratava como se filho fosse. Propôs a construção do complexo cultural Multipalco, referência em todo o país. Faleceu aos 94 anos, em 2018.

Considerada por muitos como a maior cantora do país, Elis Regina Carvalho Costa nasceu em 1945.  Moradora do bairro IAPI, começou a cantar aos 11 anos em programas de rádio e, aos 16, já havia se mudado para o Rio de Janeiro, onde lançou seu primeiro disco “Viva a Brotolândia”. Quando se apresentava, Elis criou os gestos que se tornaram sua marca registrada, levantando e girando os braços, com o sorriso largo e voz potente. Entre 1965 e 1967, ao lado de Jair Rodrigues e do Zimbo Trio, Elis apresentou o programa “O Fino da Bossa”, na TV Record em São Paulo. O programa gerou três discos Dois na Bossa I, II e III. O primeiro vendeu um milhão de cópias. “Pimentinha”, como foi apelidada, faleceu com apenas 36 anos, em São Paulo, em 1982. Uma estátua, próximo à Usina do Gasômetro, a homenageia.

Representatividade negra


Deise Nunes, a primeira Miss Brasil negra. Foto: Samuel Maciel / CP Memória

Nascida em Porto Alegre, em 30 de março de 1968, a modelo, manequim, apresentadora e empresária de moda brasileira Deise Nunes Ferst nasceu na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e cresceu com sua mãe, Ana Maria Nunes, na casa da família onde esta trabalhava, no bairro de Petrópolis, Porto Alegre. Sua mãe, que lavava roupa para fora com o intuito de multiplicar seu orçamento, criou e educou a futura rainha da beleza com o essencial, mas dentro de muita dignidade, para que esta pudesse galgar níveis sociais maiores do que ela mesma havia conseguido como empregada doméstica. Deise foi a quarta representante do Rio Grande do Sul e a primeira negra do Brasil a ser coroada Miss Brasil, no concurso de 1986. Atualmente é empresária na área de moda, ministrando cursos em sua Escola de Modelos na Capital.

Em estatura, ela até pode ser considerada baixinha, com seus 1,45 metro. Mas Daiane Garcia dos Santos, nascida em 1983, é uma gigante do esporte mundial. Além de ser a primeira ginasta brasileira - entre homens e mulheres - a conquistar uma medalha em uma edição de campeonato mundial, ela também foi a primeira atleta negra do mundo a conquistar uma medalha de ouro. Ela integrou a primeira equipe completa de ginástica artística a competir pelo Brasil em uma edição das Olimpíadas, em Atenas, em 2004. Daiane dos Santos criou dois movimentos que levam seu nome, o duplo twist carpado (conhecido como Dos Santos I) e o duplo twist esticado (conhecido como Dos Santos II). Ao som de “Brasileirinho”, de Waldir Azevedo, emocionou brasileiros e estrangeiros, mesmo sem levar a medalha na Grécia. Como muitas outras que não couberam nesta matéria, levou o nome de Porto Alegre para longe.


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