Entenda como deve ser o acolhimento de crianças que sofreram abusos

Entenda como deve ser o acolhimento de crianças que sofreram abusos

Psicóloga diz que o momento da entrevista deve conduzido por profissionais capacitados para evitar ainda mais traumas


Correio do Povo

Juíza afirma que vazamento é ilegal e caso deve ser mantido em segredo para proteger criança

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O recente caso da menina de 11 anos grávida prestando um depoimento a uma juíza de Santa Catarina escancarou como vítimas de abuso sexual podem ser constrangidas e sofrerem nova violência ao serem ouvidas sem o acolhimento adequado. Longe de ser uma exceção, a menina do interior catarinense é apenas uma das cerca de 45,9 mil crianças e adolescentes de até 13 anos que sofreram violência sexual no Brasil no último ano. 

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, divulgado na última terça-feira, aponta que o crime cresceu 5,1% em relação ao ano anterior, e esta faixa etária corresponde a 61,3% dos casos de estupro no país. Crimes que geralmente são cometidos dentro de casa, por alguém em quem a criança e a família confiam.

No Rio Grande do Sul, dados da Secretaria de Segurança Pública, revelados também nesta semana, apontam que, de maio de 2021 a maio deste ano, 2.725 crianças ou adolescentes de até 13 anos sofreram violência sexual no Estado - número que representa sete casos de estupro de vulnerável por dia. Em 80% dos casos, as vítimas são meninas e, conforme a Divisão Especial da Criança e do Adolescente da Polícia Civil, 84% dos crimes ocorrem em casa, sendo que pai, padrasto e avô são os principais responsáveis. 

“São dados alarmantes, mas que infelizmente refletem a realidade. Nos últimos anos, a pandemia foi um fator que potencializou os abusos. As crianças estarem em casa, sem acesso à escola, as tornou mais vulneráveis. E é sabido que esse crime geralmente ocorre em casa e é intrafamiliar”, lamenta a psicóloga Juliana Predebon, professora da UniRitter.

Para a especialista, a educação sexual é uma alternativa de prevenção que deve começar desde cedo, de acordo com a capacidade cognitiva da criança. “Deve ser uma conversa em torno da autoproteção, do autocuidado e das diferenças entre os corpos. Na idade pré-escolar, poderá ser usada uma linguagem mais lúdica, inserindo bonecos e desenhos”, explica.

A forma de abordar o assunto também acompanha o crescimento da criança. “A conversa vai ficando mais direta, abordando a relação com o corpo, a preservação da intimidade e que ninguém deve tocá-la de forma que a deixe desconfortável”, diz. A professora destaca que é importante acolher as curiosidades e não ter assuntos proibidos no ambiente familiar, para que as crianças sintam que podem se abrir.

Além disso, Predebon ressalta que existe um estímulo à sexualização precoce e que o namoro entre crianças não deve ser incentivado. “Criança não precisa de maquiagem, pintar as unhas ou namorar. Precisa ter amigos e colegas. Os pais não devem estimular que se comportem como adultos e devem frisar o respeito ao espaço corporal de cada um”, afirma.

Como identificar uma criança vítima de abuso

Cada criança ou adolescente reagirá de uma forma diferente, segundo a especialista, mas existem indícios que podem ser observados, entre eles a dificuldade de concentração, diminuição do rendimento escolar, ansiedade, medo, vergonha, raiva e alterações no sono e apetite. “Outros comportamentos são sinais de alerta: conduta hipersexualizada ou isolamento, passar a cometer pequenos roubos, se machucar ou fugir. É preciso se mostrar aberto para ouvir e acolher. Toda a rede da criança deve estar atenta e apontar ao perceber alguma alteração.” 

Quando a denúncia expõe alguém do círculo familiar e causa sentimentos de culpa entre os responsáveis pela criança, o indicado é que toda a família seja escutada e acolhida. “Se possível, receber algum atendimento psicológico contínuo para lidar com esse trauma, não apenas no momento da crise”, diz a professora.

Acolhimento adequado

Depois da denúncia do abuso, a exposição a policiais, assistentes sociais, juízes e até mesmo à mídia pode gerar ainda mais traumas. Por isso, de acordo com Juliana Predebon, o momento da entrevista com a vítima de violência sexual deve ser conduzido por profissionais capacitados. “O que observamos no vídeo da menina em Santa Catarina é um total despreparo, uma conduta inadequada, que constrange e revitimiza a criança”, diz. 

A professora lembra que no Rio Grande do Sul existe, desde 2003, o programa Depoimento sem Dano. A entrevista pode ser, inclusive, conduzida por videoconferência, para que a criança não precise sair de seu ambiente familiar. “Precisamos ganhar a confiança dessa vítima. As primeiras perguntas nunca serão sobre o abuso, e sim para quebrar o gelo, como uma conversa. E então, vamos afunilando, pedindo autorização para entrar no tema, demonstrando empatia, contamos que já entrevistamos outras crianças na mesma situação, que ela não está sozinha. Muito importante também é saber a hora de parar, e agradecer à criança por se abrir”, explica.

Saiba como denunciar

Disque 100: canal para denúncias de violações de direitos humanos, inclusive violência contra crianças e adolescentes, atende 24h em todo o país.

Brigada Militar: atende emergências pelo telefone 190 em qualquer cidade gaúcha.

Polícia Civil: tem Disque Denúncia através do 181. A Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) em Porto Alegre atende pelo telefone 0800-642-6400. Além disso, qualquer delegacia pode receber denúncias.

Conselho Tutelar: em Porto Alegre, atende emergências nos telefones (51) 3289-8485 ou 3289-2020. Também pode ser acionada a unidade de cada região, sendo que há plantões durante à noite e aos finais de semana na Rua Fernando Machado, 657, Centro Histórico.

Atendimento psicológico gratuito

O Centro Integrado de Saúde da Psicologia (CIS) da UniRitter realiza atendimentos psicológicos gratuitos para a comunidade, disponibilizando acompanhamentos de acolhimento, psicoterapia e avaliação psicológica clínica. Os atendimentos são feitos por alunos na companhia de psicólogos e professores supervisores do estágio. 

O serviço é oferecido para crianças, adolescentes, adultos e famílias de baixa renda. Os atendimentos acontecem nas segundas e quartas, das 8h às 12h e das 14h às 18h, e nas sextas: das 8h às 12h.


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