Eu moro com a mamãe, e daí?

Eu moro com a mamãe, e daí?

O colo, os cuidados, a cumplicidade e a segurança são o principal motivo para jovens adultos abrirem mão da "independência"

Tamara Hauck

Beto decidiu voltar para casa após quatro anos morando sozinho

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Em pleno século 21 – e com muito menos choque entre as gerações – é possível, sim, viver com a mãe e não perder a privacidade. Por isso, ter roupa lavada e comida de graça deixou de ser motivo para ficar em casa. O colo, os cuidados, a cumplicidade e a segurança de ter um cantinho são, hoje, o principal motivo para jovens adultos trocarem a “independência” pela casa da mamãe.

Cada vez mais, a convivência familiar e privacidade andam juntos. É o que garante a estudante de administração Sara Bona. Aos 31 anos, ela nunca saiu da casa da mãe. Motivo? Não sentiu necessidade, afinal, “tem tudo de bom em casa”. Mas engana-se quem pensa em vantagem material: “Depois de uma certa idade, viramos companheiras, grandes amigas. Além de nos darmos muito bem, consigo ter uma vida independente mesmo morando com ela".

A proximidade das duas é tanta que, na casa dela, até “ex” segue frequentando a residência após o término do namoro. “Ela tem uma cabeça jovem e aberta. Às vezes, ligo para lá e me surpreendo com algum amigo/amiga meu aqui. Tem até ex!”, brincou. Rose, a mãe de 56 anos, ainda tem uma turma de corrida – e muitas amigas mais novas que a própria filha. “Às vezes, faço chantagem. Digo que ela está me trocando”, diz a estudante, que trabalha no setor de vendas da Dell Computadores.

Sara e a mãe dividem a casa com o pai, Júlio, e a cachorra Valentina. As reuniões de fim de semana ainda ganham a presença da irmã mais velha, Cassiana, do genro, Carlos e da sobrinha, Eduarda, de três anos. “Quando era mais nova, achava chato jantar em casa no sábado de noite ou almoçar todos os domingos junto. Hoje, faço questão”, completou.

Mãe contraditória, filha confusa

Alguns adultos preferem esconder suas razões e fingir que ainda estão em casa por fatores econômicos. Mas bastam alguns minutos de conversa para os reais motivos surgirem, aos poucos: “Digo que moro com ela porque ainda não me formei, mas, na verdade, não quero que ela fique só. E também gosto de ir para o quarto dela quando me sinto sozinha”, revela a estudante de direito Paula Perrone, de 32 anos.

Paula está sempre tentando conciliar a vida particular com a familiar. O “tipo moderno” da mãe Suzana, de 59 anos, facilita o entrosamento da família – os pais são separados e o irmão, Fernando, também mora em casa. “Minha mãe é tri cabeça”, elogia a filha, orgulhosa.

No entanto, como toda mãe que se preza, Suzana costuma ter seus momentos de contrariedade total. “Ela é tri aberta para sair, fazer festa, acompanhar a moda... Ao mesmo tempo, ficou triste porque eu não fiz eucaristia e crisma, dá para entender?!”, questiona.

A convivência das duas – assim como a da maioria das mães e filhas – nem sempre é tranquila. Mas basta ficar um tempo longe para se dar conta da importância: “Morei uma ano em Londres e sentia falta até dos incômodos. De ela me acordar, de me perguntar onde eu estava quando não dormia em casa. Sei lá, sentia falta de ter um lugar seguro pra voltar”, reconhece a filha adulta.

De volta ao ninho

O funcionário da Empresa Pública de Transportes Coletivos (EPTC) Norberto Rodrigues decidiu voltar para casa após quatro anos morando sozinho. A decisão, baseada em fatores econômicos, acabou aproximando ainda mais a família. “Ter este contato pessoal é muito gostoso. Chegar em casa, falar sobre o meu dia, ouvir...”, exemplificou o advogado de 32 anos.

Ao optar pela economia – ele está se preparando para um concurso –, Beto, como é chamado, achou que perderia a privacidade e a liberdade. No entanto, avalia, a decisão tomada não poderia ter sido melhor. “Tem todo um conforto, uma convivência diária que acabam sendo bem maiores”. E não é só ele que está economizando. A mãe, Ernira Rodrigues, 57 anos, também levou vantagem com a decisão do filho. “Ela me ligava umas três vezes por dia. Agora, até deu uma parada”, brinca.

“Geração Canguru”

Para quem pensa que o trio acima faz parte de um grupo muito pequeno, seguem dados oficiais do país: um em quatro jovens adultos brasileiros entre 25 e 34 anos ainda vive com os pais – principalmente com a mãe. Confirmado pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/2008), o chamado “efeito canguru” nas últimas duas décadas não chega a ser novidade, pois o fenômeno é mundial. O motivo é que mudou: agora, os jovens ficam em casa por prazer e não por motivos econômicos.

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