Famílias venezuelanas se reencontram em Porto Alegre

Famílias venezuelanas se reencontram em Porto Alegre

Após meses separados, refugiados foram recebidos por parentes já residentes no território gaúcho

Eduardo Amaral

Famílias venezuelanas se reencontraram em terras gaúchas após meses separadas

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Sete meses de separação. Este foi o período que a família Franceschi estava afastada, vítima da profunda crise econômica e humanitária que se abateu sobre a Venezuela. Eles fazem parte de um contingente cada vez mais conhecido, o de cidadãos venezuelanos que deixam a terra natal por não conseguirem mais suportar as dificuldades impostas pelas decisões governamentais.

A família Franceschi é uma das tantas que se reencontraram em terras brasileiras. No caso específico, às 19h de sexta-feira, em Porto Alegre, no momento em que o sol começava a se por. Alguns minutos antes o patriarca da família Nelson, 72 anos, desembarcava junto com a esposa Nancy, 62, o filho Jonas, 41, a enteada Diana Bolívar, 32 e o pequeno Riccardo, com apenas um ano e seis meses, filho do casal mais jovem.

Junto com mais 18 compatriotas eles integravam mais um grupo de refugiados que passaram meses de espera em Roraima para serem encaminhados a um lugar definitivo e deixarem de lado os abrigos improvisados no estado nortista. Todos foram recebidos pelo filho mais novo, Nelson, 22 que carrega o mesmo nome do pai. Ele foi o primeiro a chegar ao Rio Grande do Sul, acompanhado da esposa Zara, que entrou no país grávida de dois meses.

Na sede da Aldeias Infantis SOS Brasil, onde os refugiados são acolhidos em um primeiro momento, Nelson era o mais ansioso por ver os familiares. Para receber aqueles que vinham de longe ele escolheu uma jaqueta com cores da bandeira venezuelana, demonstrando  a saudade que ainda sente do país onde nasceu, cresceu e aprendeu a ser músico e socorrista. “Foi muito traumático decidir sair, mas eu pensei no que era melhor para minha família.”

Mesmo parecendo bem adaptado ao Brasil, Nelson garante ainda ter muita saudade da terra natal, especialmente da comida. Faz algum tempo que ele não come "arepa", prato típico do país feito a base de milho.

A língua já não é uma entrave tão grande, já que ele consegue entender bem os brasileiros e se faz compreender, uma facilidade que ele explica pelo contexto em que foi necessário se comunicar. “Você aprende quando tem necessidade”, afirma Nelson. Músico e socorrista na Venezuela, ele conseguiu um emprego como vendedor de roupas no Brasil e se estabeleceu na cidade de Canoas, na Região Metropolitana.

Pela família

Não são poucos os refugiados que desembarcam no Brasil com filhos no colo, como foi o caso de Jonas, irmão de Nelson. Ele trouxe nos braços o pequeno Riccardo, e garante, que o futuro do filho e a situação do resto da família foram os fatores determinantes para a mudança.

Ele chegou ao Brasil sete meses atrás, sozinho, tal qual tantos imigrantes que deixam a família para trás e esperam se estabelecer para reunir todos novamente. Mas os planos de Jonas precisaram ser antecipados devido ao estado de saúde da mãe. “Eu estava em Roraima cadastrado como solteiro. Mas minha mãe tem a saúde debilitada e estava sem remédios, sem medicamento.” De acordo com ele, deixar o país de origem foi uma tarefa muito mais difícil para os pais, que ainda “tem esperança de voltar.”

A fé de que o futuro da família será melhor no Brasil, com mais oportunidades para o filho, faz com que Jonas não se arrependa das dificuldades que passou para chegar a Porto Alegre. “Tudo isso é por ele e pela minha família.”

O sentimento é o mesmo de Fabiola Machuare, 24, que veio para o Brasil acompanhada do marido e dos dois filhos, uma menina de 9 anos e um menino de um ano. “Aqui tem oportunidade para eles estudarem e ter um futuro melhor.” Uma espécie de faz tudo na Venezuela, Fabiola mostra não ter medo de nenhum tipo de trabalho. “Faço de tudo, já trabalhei com limpeza, em padaria, o que tiver de fazer eu faço”, afirma a jovem.

Um governo perdido

No país de origem Jonas é um professor universitário com formação nas áreas de pedagogia e matemática. Durante quase todo o período chavista ele atuou como funcionário do governo, mas garante que nunca concordou com a política “bolivariana” implementada por Hugo Chávez. “Como funcionários do governo nós éramos automaticamente vistos como pró-Chávez. Mas eu nunca fui um chavista”, afirma. 

Ao avaliar os governos que culminaram com a crise que se vê hoje, Jonas culpa a queda na educação como fator preponderante, mas também uma falta de entendimento de conceitos. “Confundiram o socialismo com o populismo”, diz ao avaliar como foi implementada a política que ampliou o acesso às universidades do país.

Ao todo, 16 venezuelanos ficarão instalados em Porto Alegre, sete mulheres, cinco homens e quatro crianças, num total de cinco famílias. Elas se juntam a outros 30 migrantes que ainda moram no local. Os demais foram encaminhados para Caxias do Sul.

Coordenadora do projeto Brasil Sem Fronteiras, Márcia Figueira explica que o perfil dos novos moradores é bastante variado. Os homens têm idade entre 20 e 70 anos, enquanto as mulheres têm entre 11 e 63 anos. "Cada família recebeu um kit básico de higiene e roupas de cama. As crianças ganharam brinquedos", explica.

Na acolhida na Capital, eles foram recepcionados por conterrâneos que ainda estão morando no local. A janta foi preparada pelos próprios conterrâneos, que elaboraram pratos típicos do país caribenho. "A comida traz lembranças da terra deles, e isso de alguma forma faz com que se sintam acolhidos em casa", afirma.


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