Guerra dos Farrapos deixou rastros e memórias

Guerra dos Farrapos deixou rastros e memórias

Na Região Metropolitana, Casa de Gomes Jardim, (Guaíba), Ilha do Fanfa (Triunfo), Monumento na 040 (Viamão) e Ponte da Azenha (Capital) serviram de palco para fatos históricos

Christian Bueller

Casa de Gomes Jardim, em Guaíba, onde foram tramadas as ações iniciais da Revolução Farroupilha, em 1835

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No 20 de setembro foi lembrada, mais uma vez, a Revolução Farroupilha, também conhecida como Guerra dos Farrapos, desencadeada há 187 anos no Estado. O conflito se deu entre 1835 e 1845, considerada a mais longa revolta no Brasil, na época que compreende a regência de Diogo Feijó e o Segundo Reinado. Insatisfações ideológicas, políticas e econômicas motivaram a rebelião que, até hoje, causa controvérsia sobre a “comemoração de uma derrota”, mas entrou para a história gaúcha e é celebrada pela luta que marcou o fato. O Correio do Povo passará pelos locais importantes do movimento na Região Metropolitana.

O problema foi causado uma década antes, com a Constituição de 1824, que dava atribuições ao Império de decidir quanto cada província pagaria de imposto. O governo central passou a impor a cobrança de taxas pesadas sobre os produtos riograndenses, como charque, erva-mate, couros, sebo e graxa, por exemplo. Os estancieiros gaúchos ficaram insatisfeitos com o tratamento recebido, pois, no caso do charque, principal produto da época, que era vendido como alimentação prioritária dos escravos no Sudeste e Nordeste do Brasil, era mais taxado que a carne seca produzida por uruguaios e argentinos.

A concorrência considerada desleal com o charque estrangeiro se aliou a outros fatores que moldaram a ideia do movimento separatista: criação da Guarda Nacional, circulação dos ideais federalistas e republicanos na região mas, principalmente, a falta de autonomia da província. “Era uma série de descontentamentos. Uma delas foi a perda da Província Cisplatina, hoje Uruguai, pelas tropas brasileiras na Batalha do Passo do Rosário, de 1827.

Havia, também, toda uma ideia de República, onde pessoas seriam eleitas, que veio da Revolução Francesa e da independência dos EUA, um novo conceito de sociedade. A Revolução Farroupilha não é um fato isolado, faz parte de um contexto”, explica o presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), o também historiador Manoelito Savaris, que ainda cita motivações militares e religiosas.

Berço

Agravando a situação, em 1835, o regente Feijó nomeou Antônio Rodrigues Fernandes Braga como presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o que não foi aceito pelos gaúchos. Na Assembleia Provincial, tornou-se cada vez mais viva a oposição a ele. Após cartas, encontros, tentativas de negociação e debates, não houve acordo. Como nada era feito, os fazendeiros começaram a conspirar nas casas de uns e de outros.

No mês de setembro daquele ano, os revoltosos se reuniram para atacar a cidade de Porto Alegre. O movimento, liderado pelo general Bento Gonçalves da Silva, se armava em todas as cercanias da província, mas o que ficou conhecido como o “berço da Revolução Farroupilha” foi Guaíba, onde dois chefes políticos, os militares José Gomes de Vasconcelos Jardim e Onofre Pires da Silveira Canto, ambos primos de Bento Gonçalves, reuniram 200 cavaleiros e traçaram estratégias para invadir a Capital e iniciar a revolução a partir do Combate da Azenha.

Na Estância das Pedras Brancas, pertencente a Gomes Jardim, sob a sombra de uma árvore que se tornou renomada – o Cipreste, hoje Patrimônio Histórico e Cultural do Estado –, as articulações de Bento Gonçalves e outros líderes inflamaram os rebeldes e, no dia 19 de setembro, se organizaram para a invasão, um dia depois.

Atualmente, o local é conhecido como Casa de Gomes Jardim, também tombado pelo seu valor histórico. Nesta casa, dois anos após o término da Revolução, morreu Bento Gonçalves, de pleurisia (inflamação da membrana que envolve os pulmões), em 1847. Em frente à residência, há uma praça onde estão enterrados os restos mortais de Gomes Jardim e um busto do personagem. O espaço recebe visitas aos finais de semana e feriados.

"Traição do Fanfa", na ilha do Jacuí

O anúncio da separação da província só aconteceu em setembro de 1836, dando origem à República RioGrandense, também conhecida como República de Piratini, ensejada pela Batalha do Seival, na região de Candiota. Os revoltosos saíram praticamente intactos, enquanto houve 180 mortos, 63 feridos e 100 prisioneiros do lado dos imperiais, decretando nova vitória dos separatistas.

Outros combates se seguiram por todo o Estado, como a Batalha do Fanfa, em Triunfo, este com revés para os farroupilhas, entre os dias 3 e 4 de outubro de 1836. Comandados por Bento Manuel Ribeiro, um farrapo que aderiu à causa legalista, venceu a batalha na ilha do Jacuí e prendeu Bento Gonçalves e outros líderes.

Devido à época de cheias, era necessário atravessar o rio na ilha de Fanfa para chegar a Porto Alegre. As tropas imperiais, sob o comando de Ribeiro, se deslocaram para impedir a passagem dos farroupilhas. Desta forma, 18 barcos de guerra, escunas e canhoneiras foram postos a guardar o lado Sul da ilha. Os barcos só foram percebidos pelos farrapos depois de estarem na ilha. Na noite do dia 3, negociaram um acordo pelo qual os farrapos entregariam as armas e voltariam livres para suas casas.

No entanto, no dia seguinte, muitos revoltosos jogaram suas armas no rio, em vez de entregá-las aos imperiais. “Ribeiro ofereceu anistia a quem se rendesse, mas apenas os soldados sem patente a receberam. Bento Gonçalves, Onofre Pires e outros militares superiores foram capturados”, diz o historiador Ricardo Navarro.

A rendição dos farroupilhas e a prisão de Bento retiraria o general do confronto até sua fuga do Forte do Mar, na Bahia, em 1837. A guerra, porém, continuou e o general Netto assumiu o comando farroupilha e Gomes Jardim substituiu Bento Gonçalves na presidência da República Rio-Grandense. Além de ser conhecido como a “Derrota do Fanfa”, o episódio é também chamado de “Traição do Fanfa”. Triunfo guarda ainda o Museu Farroupilha, reaberto em junho deste ano. Fechada em 2009 e interditada em 2012, a instituição foi restaurada.

Ponte da Azenha, local do primeiro combate

Desde 1777, havia uma ponte de propriedade de Francisco Antonio da Silveira, conhecido como Chico da Azenha, um açoriano que chegou na Capital na metade do século XVIII. Ali, funcionava uma máquina para moer trigo (azenha) e o local fazia passagem entre o Sul de Porto Alegre e o Centro, acessando pelo leito da atual avenida João Pessoa até a praça do Portão (atual Praça Conde de Porto Alegre).

O primeiro fabricante de farinha da cidade construiu a ponte sobre o arroio Dilúvio para melhor desenvolver suas atividades. A estrada que se dirigia desta ponte até o atual Centro Histórico ficou conhecida como o Caminho da Azenha, o que corresponde, atualmente, à avenida João Pessoa e à avenida da Azenha. Pois foi nesta ponte de pedra o local da primeira batalha entre revolucionários e legalistas na Guerra dos Farrapos, na virada de 19 para 20 de setembro de 1835.


Na época, ponte era a única que ligava a zona Sul ao Centro Histórico | Foto: Ricardo Giusti

Segundo o historiador Ricardo Navarro, dois dias antes, foi decidido por unanimidade pelos revoltosos que tomariam militarmente Porto Alegre e destituiriam o presidente provincial Antônio Rodrigues Fernandes Braga. O primeiro passo foi iniciar uma vigília na Ponte da Azenha. “A Companhia de Guarda Nacional foi acionada, mas o contingente se resumia em apenas cerca de 20 homens, sob o comando do major José Egídio Gordilho Barbuda. Ao primeiro sinal de alerta dos farroupilhas, o grupo avançado disparou suas armas e retraiu rapidamente, provocando uma debandada geral que levou o pânico aos governistas de Porto Alegre”, explicou o professor.

No dia 20, os revolucionários penetraram na cidade sem encontrar oposição. Se sentindo desprotegido, Braga se refugiou e, em uma escuna, viajou na mesma noite para Rio Grande. Com o governo acéfalo, a Câmara Municipal, convocada extraordinariamente por Bento Gonçalves em 21 de setembro, deu posse a Marciano Pereira Ribeiro, que era o quarto na ordem geral de precedência dos vice-presidentes da Província.

Um quadro do pintor Augusto Luiz de Freitas, datada do início da década de 1920 e denominada “A tomada da Ponte da Azenha” exemplifica a vantagem dos farrapos em relação aos legalistas. Em junho de 2008, a ponte foi restaurada. No local também foram instalados uma carta de princípios do Movimento Tradicionalista Gaúcho e um painel contando a história da ponte.

Monumento "Cruz das Almas" em Viamão

Muitas pessoas que trafegam pela parada 54 da RS 040, em Viamão, estacionam para tirar fotos junto a um pedaço da história gaúcha. O Monumento Cruz das Almas sinaliza um dos locais de concentração da tropa farroupilha durante a guerra. O local, também, foi onde ocorreu um dos combates entre os revolucionários e as tropas federalistas. Em sua origem, havia uma grande cruz de ferro que podia ser vista a grande distância por localizar-se no ponto mais alto da região. A original foi arrancada pelo dono das terras que não queria o movimento dos visitantes que lá se dirigiam. No lugar da antiga foi colocada uma cruz de madeiras e placas indicativas do monumento histórico.


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