Hospitais para brinquedos resgatam histórias familiares

Hospitais para brinquedos resgatam histórias familiares

Peças que passam por gerações podem ser consertadas por especialistas

Jézica Bruno

Equipe de médicos e enfermeiros está pronta para emergências

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Estímulo e reforço de laços afetivos que ultrapassam gerações é o propósito de um mercado restrito que existe no Brasil há, pelo menos, quatro décadas. Os chamados Hospitais de Brinquedos consertam bonecas, carrinhos e eletrônicos que foram desgastados com o tempo e devolvem às novas gerações um pouco da infância dos seus pais e avós. Neste mundo à parte, até bonecas de madeira ganham vida e disputam a atenção das crianças na era da Internet e dos jogos eletrônicos.

Na capital gaúcha, o engenheiro mecânico e projetista de brinquedos Luiz Oscar Berthold, de 61 anos, conserta esses objetos há 39 anos. Ele também armazena em caixas de papelão o maior estoque de peças de brinquedos do Brasil. O hospital dele, denominado Centro Técnica de Brinquedos, na zona Norte, conserta 90% dos brinquedos que são encaminhados à restauração no Rio Grande do Sul.

A ideia surgiu quando Berthold, aos 17 anos, decidiu encontrar um ramo onde a concorrência fosse pequena. “Tudo estava muito defasado, queria me encaixar em um mercado diferente e acabei me encontrando no conserto de brinquedos”, conta. Após a conclusão do curso de Engenharia Mecânica, ele partiu para a França para fazer uma especialização em Psicologia Aplicada à Construção de Brinquedos. Três anos depois retornou ao Brasil.

Após trabalhar em grandes empresas e ter a própria fábrica, Berthold começou a consertar e construir peças e brinquedos. Segundo ele, os altos impostos impossibilitaram a exportação e os preços baixos dos produtos chineses caíram nas graças dos brasileiros. No entanto, a qualidade dos brinquedos diminuiu. “Os produtos que estão no mercado hoje são quase descartáveis e estragam rápido, por isso os antigos são mais valorizados, também pela história que carregam”, afirma.

Atualmente, o projetista divide o espaço em sua oficina com quatro funcionários, a quem repassa os seus conhecimentos. Cada um tem a sua linha de produção. O técnico em eletrônica Luiz Roberto Bilhalba, de 60 anos, conserta as bonecas. Ele é o responsável pela restauração do braço da Susi, reconstrução do corpo da boneca Fofa e por dar vida à clássica Bate Palminha. Também por devolver o poder ao guerreiro espacial Buzz Lightyear, da Toy Store, e renovar o cabelo da boneca Barbie. “É um trabalho divertido. Não há o que não possa ser consertado”, observa.

Nas mãos desses especialistas, estabelecidos nos recantos de um mercado pouco conhecido, tudo o que era considerado velho se renova. Na espera pelo conserto, carrinhos que pararam de buzinar, trens que deixaram de andar sobre os trilhos, e até o carrossel que fica em frente à Torre Eiffel, em Paris, vão voltar a funcionar e acompanhar a infância de uma outra geração, até 70 anos mais nova.

Quando bonecas viram pacientes



Na capital paulista, os brinquedos que vão para conserto são recebidos como pacientes. O Hospital das Bonecas, com quase oito décadas de funcionamento, é a maior empresa de conserto de brinquedos do Brasil e conta com uma estrutura idêntica a um hospital real. Com centro cirúrgico, berçário e até uma ambulância, que busca e leva os brinquedos. Uma equipe de médicos e enfermeiras, totalizando 40 funcionários, está sempre a postos para as emergências.

“Nosso trabalho resgata sonhos e histórias, é gratificante”, salienta o sócio-diretor Leandro Capelo, de 58 anos. O filho dele, o engenheiro de produção Leandro Capelo Filho, de 25 anos, já aderiu ao trabalho da família, fazendo o negócio se encaminhar para uma quarta geração. O hospital surgiu do amor que o avô de Capelo tinha pelos brinquedos e contagiou toda a família. “Hoje consertados quase todos os tipos de brinquedos”, diz ele.

Snoopy faz adaptações no PR

No Hospital de Brinquedos Snoopy, em Londrina (PR), as bonecas, carrinhos e eletrônicos são consertados por Daiane Petrelli, de 36 anos, que cresceu dentro de uma loja de brinquedos. Hoje ela coordena o negócio da família, que já tem 30 anos, e foi passado para ela há dez anos.

Todas as fases do mercado de brinquedos foram acompanhadas por Daiane. “Primeiro eles eram caros, depois o mercado da importação foi aberto e vieram produtos que não são resistentes como os de antigamente, assim o conserto ganhou espaço”, explica.

Além de prestar assistência técnica para lojas e marcas, atende clientes que possuem produtos de grande valor afetivo, mas que já estão se deteriorando. Em boa temporada, como janeiro, são consertados até mil unidades ao mês.

Segundo Daiane, os sete técnicos que trabalham no Hospial de Brinquedos Snoopy precisam ser dinâmicos, já que os brinquedos estão trocando de modelo muito rápido e a dificuldade de encontrar as peças tem aumentado. “Mas na falta das peças nós fazemos adaptações. O importante é acompanharmos esse ciclo em que pais e filhos trazem brinquedos para o conserto e nós podemos acompanhar as suas histórias.”


Estímulo e reforço de laços afetivos

Para a psicóloga e professora da Faculdade de Psicologia da PUCRS Nadia Maria Marques, os brinquedos que os pais ou avós repassam para os filhos e netos estimulam a criatividade das crianças e reforçam os laços afetivos com a família. “Os brinquedos não possuem somente função lúdica, mas também auxiliam no desenvolvimento da criatividade, principalmente os que não são tão modernos. Os produtos eletrônicos tendem a ser rejeitados pelas crianças mais rapidamente porque as deixam entediadas.

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